(des) conectados

Os perigos da ilusão virtual

Camilla Swider
entrelacados
4 min readJun 23, 2020

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Uso compulsivo do celular preocupa especialistas. — Crédito: Jan Vasek / Pixabay — Arte: Camilla Swider

Por Camilla Swider e Jonas Ramgrab

Cada vez mais o celular está se tornando protagonista na vida humana. Desde a chegada ao Brasil, há 30 anos, o aparelho passou por diversas transições: do “tijolão” à moderna “touchscreen”. Ele está presente em todas as ocasiões, como nas reuniões de família, nas tarefas do dia a dia e até mesmo nos minutos que antecedem o sono. No entanto, o uso inadequado preocupa especialistas e está afetando não só os relacionamentos, mas também a saúde de adultos e crianças.

No Brasil, segundo o relatório In Digital 2020 da We Are Social e da Hootsuite, as pessoas ficam em média quatro horas e 41 minutos utilizando a internet por dispositivos móveis. Os dados ainda apontam que o País tem mais de 150 milhões de usuários conectados. Para a socióloga Glacira Silveira, isso tudo ocasionou um isolamento humano, onde não há mais coletividade. Para ela, o celular é uma ferramenta muito útil, porém, precisa ter limites: “É uma questão de equilíbrio, tudo tem a sua hora e seu momento”.

Limites quando são ultrapassados não promovem bem-estar, geram prejuízos. O uso compulsivo do aparelho afasta os indivíduos das atividades profissionais e afeta, principalmente, o âmbito familiar. Os relacionamentos estão distantes e com menos confiança, segundo a psicóloga Amanda Borges. Além disso, ela menciona um dos maiores problemas que o manuseio automático gera entre a sociedade: a comparação social.

“Estamos vendo viagens, refeições, relacionamentos e vidas perfeitas, onde muitas pessoas acabam se colocando na inferioridade, mas é claro que a vida real não é tudo aquilo que uma rede social mostra”, explica. Outro aspecto citado é a falsa sensação de controle que o celular gera, já que muitos aplicativos possibilitam a visualização da mais recente leitura das mensagens e também da última vez em que se esteve online. Amanda conclui que estar conectado o tempo todo gera ansiedade e pressão.

Exemplos nem sempre são positivos

Estas circunstâncias, somadas à falta de disciplina dos adultos, prejudicam a estrutura familiar. Os pais tornam-se invisíveis, vivendo sob o mesmo teto dos filhos. O que predomina é o isolamento. Pessoas reféns de uma tecnologia que pode ser muito perigosa quando utilizada de forma indevida, principalmente com as crianças. A pesquisa realizada pelo Panorama Mobile Time/Opinion Box aponta que 60% delas, entre quatro e seis anos, utilizam o celular dos pais e somente 10% não usam o aparelho. O mesmo estudo mostra que 50% das crianças entre sete e nove anos já possuem o próprio smartphone. Mais de 90% já pediram o telefone como presente.

Foram utilizados mais de 1.300 pais para a realização da pesquisa — Fonte: Panorama Mobile Time / Opinion Box

A experiência com o aparelho começa já nos primeiros anos de vida, mas o uso não é recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) devido a uma série de fatores que podem prejudicar a saúde da criança: problemas mentais, visuais e auditivos, transtornos de sono, hiperatividade, dependência digital, comportamentos de indução, entre outros. A cartilha da SBP explica que a presença e o olhar dos pais são vitais e instintivos como fonte natural dos estímulos. Eles jamais podem ser substituídos por tecnologias.

O uso compulsivo do telefone prejudica não só a relação materna e paterna, como também o desenvolvimento da personalidade. O pediatra José Paulo Ferreira diz que, desde a infância, é necessário trabalhar a frustração, interagindo com as pessoas e com o mundo a sua volta. Quando a criança fica em contato apenas com o celular, é provável que se torne despreparada para os desafios da sociedade: “Ela deixa de viver uma vida real e passa a viver uma vida baseada em uma fantasia”, alerta.

O equilíbrio é a melhor alternativa

Principais fatores de risco no contexto familiar de crianças e adolescentes na Era Digital. — Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria.

A SBP elaborou um manual para o uso de telas na infância e adolescência. A recomendação é que crianças menores de dois anos não sejam expostas. Para as idades entre dois e cinco anos, é preciso limitar o tempo de uma hora por dia e sempre com supervisão. Para crianças de seis a dez anos, recomenda-se permitir o acesso por um período de até duas horas. Já para os adolescentes de onze a dezessete anos, a SBP orienta restringir o uso para até três horas e não permitir “virar a noite” utilizando o celular. O manual ainda recomenda que os jovens não façam as refeições com o aparelho, muito menos antes de dormir. Os pais não devem permitir que os filhos fiquem isolados em quartos.

Entretanto, não é exatamente o que acontece na maioria das residências do país. O psicólogo Vitor Portto diz que muitos pais preferem ceder o celular para os filhos com o objetivo de que não chorem ou até mesmo porque não querem brincar ou dar a devida atenção: “O que é mais fácil”, admite. Segundo ele, a melhor forma de mediar toda essa tecnologia é através da interação familiar.

A cultura e o esporte são formas de aproximação entre pais e filhos. Por meio de dinâmicas recreativas, passeios ao ar livre, atividades educacionais, filmes e leitura de livros, é possível manter o vínculo com as crianças. Porém, essas atividades não substituem a atenção, o amor e o afeto. O celular possui diversas utilidades e representa o avanço da tecnologia, mas sem o equilíbrio se torna perigoso. O telefone pode conectar o ser humano com o mundo, mas a dependência dele pode desconectá-lo daqueles que mais se ama: a família.

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