Em redes desconhecidas

Os perigos dos jogos e desafios mortais na palma da mão de crianças e jovens

Giulia Mello
entrelacados
6 min readJun 24, 2020

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Crédito: Cyn Yoder / Pixabay

Por Giulia Mello

As plataformas e aplicativos para a publicação de vídeos mostram jovens desafiando uns aos outros, colocando suas vidas em risco. Conforme a psicóloga especialista infantil Elisiane Salete Padoin, os jogos e desafios provocam a agitação cerebral, ansiedade e irritabilidade. O Instituto DimiCuida, entidade sem fins lucrativos, localizado em Fortaleza, no Estado do Ceará, fez um levantamento e concluiu que nos últimos cinco anos, pelo menos 20 jovens brasileiros, morreram ao tentar imitar desafios da internet. O Instituto que nasceu após um jovem de 16 anos perder a vida praticando o jogo do desmaio, conseguiu retirar da internet cerca de 25 vídeos que incentivavam os jovens a praticar atividades perigosas.

Fonte: Comitê Gestor da Internet

Jogos estão entre os mais vistos, segundo pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Entre as crianças e adolescentes com idade entre 8 e 17 anos, 24 milhões têm acesso à internet no Brasil. A pesquisa cita que 77% delas assistem a vídeos online. Os dados do Comitê também revelam que a internet é mais usada por meio do celular, cerca 93%. Desde 2014, o uso dos smartphones ultrapassou o uso de computadores. A pesquisa ouviu, entre outubro de 2018 e março de 2019, 3 mil famílias brasileiras com filhos nessa faixa etária a respeito de seus hábitos na internet. Os dados apontaram que 16% das crianças entrevistadas disseram ter visto online formas de machucar a si mesmas, e 14% tiveram contato com conteúdo que mostrava como cometer suicídio.

Desafios Mortais

O servidor público do estado do Paraná, Ronaldo Maximiano de Lara, 49 anos, conseguiu evitar que algo de ruim acontecesse. Ele descobriu que seu filho, Enzo, de oito anos jogava escondido um conhecido jogo entres crianças e jovens, “Free Fire”. Na maioria dos países que o jogo é permitido, o recomendado é que os jogadores sejam maiores de 18 anos, pois contém conteúdo considerado violento, armas e o próprio objetivo final do jogo que é ser o último a sobreviver, assim ‘eliminando’ seus adversários. Elisiane salienta que os perigos são referentes aos conteúdos e do que é visto no smartphone.” Muitos dos acessos com idades inapropriadas e sem limitação de horários em frente ao aparelho é perigoso, pois os longos períodos podem resultar em problemas como dores de cabeça e nos olhos”, conta a psicóloga.

Psicóloga Elisiane Salete Padoin.Crédito: Arquivo pessoal

Segundo a especialista em psicologia infantil, os jogos são criados para obter o máximo de atenção possível de quem está jogando. Existem as fases ou níveis que geram e despertam o desejo de continuar. “Isso pode provocar muitas vezes o desinteresse por outras atividades de casa e até mesmo da escola.”, diz Elisiane. Veja o vídeo.

A psicóloga especialista infantil Elisiane Salete Padoin fala sobre os jogos e desafios

A importância dos responsáveis no mundo paralelo

No mundo online, onde quase tudo é permitido, os especialistas no assunto contam que a responsabilidade por conteúdos adequados deve ser feita pelos pais. É o que conta o Delegado Emerson Wendt. O papel dos pais deveria ser de combinar as regras do uso da internet. O importante é, caso decida por repassar um smartphone com internet para uma criança ou adolescente, algumas regras devem ser estabelecidas e algumas medidas tomadas, tais como, a possibilidade de instalar um sistema ou programa de controle, seja de horários, e/ou de conteúdo. “O importante é a conversa, aquela mesma quando a gente diz “não converse com estranhos” ou “não coloca uma foto assim”. Quanto mais nova for a criança, maior deve ser o nível de acompanhamento”, diz Emerson.

Aplicativos de rastreamento e controle de conteúdos.
Ronaldo com seu filho Enzo. Créditos: Ronaldo Maximiano de Lara

Ronaldo achou que repreender ou castigar seu filho não seria a melhor forma de mostrar os perigos do jogo. Então ele conversou com o filho e tomou uma iniciativa inusitada para alguns: começou a jogar com Enzo no Dia das Crianças de 2019, dois meses após o seu filho ter o primeiro contato com o “Free Fire”. O pai conta que o filho escondeu o ícone do jogo para que Ronaldo não achasse.” Logo em seguida em que descobri usei um aplicativo de monitoramento de atividade no celular dele e no meu notebook que ele usa às vezes”. Ronaldo afirma que sempre dialogou com seu filho, independentemente do assunto. “Se eu inibir ele de me fazer perguntas mesmo que não sejam adequadas, certamente ele vai tentar saber ou pelos coleguinhas ou pela internet” complementa Ronaldo.

Para a psicóloga, o diálogo é sempre a melhor forma para tratar qualquer assunto polêmico, gerador de conflito. “Os pais têm o dever de estabelecer regras que ajudem no desenvolvimento biopsicossocial de seus filhos”, conclui Elisiane.

Há legislação nas “terras sem lei”

Delegado Emerson Wendt

Emerson conta que os desafios fazem parte do contexto diário da internet, pois foram importados do mundo físico, mas quando extrapolam a normalidade é que chamam a atenção. “Os chamados “jogos mortais” não só são um perigo para crianças e adolescentes, como testam o conhecimento e propagam o desafio em participar”, relata o delegado.

No entanto, no Brasil, em razão dos casos Baleia Azul — desafio disputado pelas redes sociais que propõe desafios macabros aos adolescentes, como bater fotos assistindo a filmes de terror, automutilar-se, ficar doente e na etapa final, cometer suicídio — foi discutido um projeto de lei de criminalização da indução e instigação à automutilação, e, conforme a Lei 13.968/2019, passou a ser considerado crime.

Leis que podem ser aplicadas

Em recente estudo feito na Espanha, divulgado em janeiro de 2020, estes foram os principais motivos informados por jovens para se automutilar. Não existem pesquisas acadêmicas no Brasil. Procurados pela reportagem, o Centro dos Professores do Rio Grande do Sul (CPERS), Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio grande do Sul (Sinpro) e a Secretaria da Educação do Estado(Seduc), informaram que nunca fizeram alguma ação ou propaganda para mobilizar crianças e jovens sobre os jogos e desafios perigosos da internet. Veja o que diz o delegado Emerson Wendt no vídeo.

Delegado Emerson Wendt fala sobe o importante papel dos pais.

Motivações na rede

O ser humano já nasce com desafios. A cada etapa de vida é um desafio a ser cumprido e conquistado, como aprender a caminhar, a falar, a escrever, e a andar de bicicleta. Os motivos que levam crianças e jovens a praticar jogos e desafios perigosos, segundo a psicóloga especialista infantil, o problema é a falta de limites e diálogo dentro de casa. “As crianças e os jovens buscam nos jogos uma forma de ocupar vazios muitas vezes pela falta da família e por falta de regras concretas”, conclui a especialista.

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Giulia Mello
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Estudante de jornalismo com afinidade pelas áreas de política, direitos humanos, cultura e investigativo.