Rede de impunidade na palma da mão

Grupos de WhatsApp e redes sociais usados para alertar sobre barreiras de trânsito

Carlos Eduardo Netto
entrelacados
5 min readJun 23, 2020

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Por: Carlos Eduardo Netto e Robson Nunes

Segundo o administrador do grupo, o uso dos avisos fica a critério dos motoristas / Crédito: Carlos Eduardo Netto

A impunidade pode se manifestar de várias formas ao se tratar de trânsito no Brasil. Uma delas é o alerta sobre barreiras de fiscalização por meio de grupos de WhatsApp ou pelas redes sociais. Estas mensagens pelo celular podem ajudar criminosos e motoristas embriagados, por exemplo, a continuarem trafegando pelas ruas de várias cidades e colocando em risco o restante da população. E este tipo de aviso ainda é motivado por outros fatores, como alertam especialistas e policiais. A legislação vigente, que seria um dos obstáculos para impedir esta prática, não tem tipificação criminal específica para isso.

O grupo conta com cerca de 150 participantes / Crédito: Reprodução

Ao procurar no Facebook por blitz, o resultado aponta alguns grupos relacionados à prática de alertar sobre operações de trânsito. Um deles, o “Blitz Porto Alegre”, conta com mais de dois mil membros. Para ingressar, basta solicitar. São cerca de quatro publicações diárias, mas quase nenhuma relacionada a blitze.

Na descrição, o administrador salienta que não se responsabiliza pelo que é postado, “Não nos responsabilizamos pelo mau uso desta ferramenta, como previamente informado o objetivo e evitar trânsito parado ou lento!”

Além disso, é informado que o grupo objetiva oferecer interação e alertas aos participantes sobre informações relacionadas ao trânsito, como blitze, operações da Balada Segura e, também, serviços ao cidadão. Em meio a estes assuntos é encontrado um link para ingressar pelo WhatsApp com o mesmo nome daquele do Facebook.

Durante um mês, a reportagem monitorou todas as atividades. Foram trocadas 286 mensagens sobre diversos assuntos, mas a maioria avisos sobre operações de trânsito. Neste mês, mais de 30 avisos foram disparados, como mostra o mapa abaixo:

Durante um mês, a reportagem monitorou o grupo de WhatsApp e descobriu mais de 30 avisos / Crédito: reprodução

A reportagem entrevistou quatro participantes do “Blitz Porto Alegre”, além do administrador. Nenhum deles concorda que a prática de avisar sobre as batidas policiais possa ser enquadrada como crime. Porém, todos concordam que ela existe por motivos de arrecadação financeira.

É o que diz uma motorista que faz parte do grupo e não quis se identificar. “As vejo como abuso, com fim arrecadatório e nunca instrutivas”.

O administrador Adilson Marques também reclama da burocracia para se obter um veículo, dando como exemplos o pagamento de impostos e a documentação envolvida na transferência de carros. Marques vai além “qualquer coisinha é multa, é pardal, é aqueles controladores de velocidade. É tudo para arrecadar imposto. Então, vão tudo se fu***. Tô nem aí que é crime” enfatizou.

QUEM AVISA E QUEM PODE SE BENEFICIAR

Estas mensagens podem ajudar criminosos e motoristas embriagados a continuarem impunes pelas ruas, é o que diz o advogado e pós-graduando em Direito e Processo Penal, Diorgenes Dellani.

Já o delegado da Divisão de Crimes de Trânsito da Polícia Civil, Carlo Butarelli, comenta que não há como criminalizar estes atos. Ele não acredita que estes grupos sejam frequentados por criminosos e sim por infratores de trânsito costumeiros. “Aqueles indivíduos que não possuem habilitação ou estão com a carteira suspensa ou cassada, em razão de pontos por infrações ou por crimes de trânsito”, conclui.

AS TROCAS DE MENSAGENS NA LEGISLAÇÃO

O aviso sobre uma blitz pode ser enquadrado como atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública pelo artigo 265 do Código Penal. É o que frisa o delegado da Polícia Civil e especialista em crimes cibernéticos, Emerson Wendt. “Essa prática incide em algo extremamente importante, que é a segurança viária nas cidades”. Porém, a contravenção não se encaixa perfeitamente nessa possibilidade de aplicação penal.

O advogado Dellani explica que não é possível enquadrar alguém em um crime que não é devidamente especificado no Código Penal. ‘’É imprescindível que a penalização de crimes esteja rigorosamente prevista em lei, não sendo concebível interpretar de forma ampla o artigo 265’’.

O Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, em documento, concorda com a reflexão de Dellani. O órgão entende que inexiste legislação penal que enquadre esse tipo de prática como crime, bem como normas jurídicas que tratam especificamente sobre essa tipificação no artigo 265 do Código Penal.

Ainda não há, no Código Penal brasileiro, alguma lei para tipificar os avisos de blitz como crime / Crédito: Reprodução

O MP também informa sobre a tentativa de enquadrar a prática no artigo 348, que prevê o crime de favorecimento pessoal. Entretanto, ao analisar os elementos que compõem o referido tipo penal, acredita ser igualmente inviável. A justificativa da inviabilidade é que, para configuração do crime, aquele que avisa sobre a blitz deve ter o conhecimento de que está auxiliando um criminoso a fugir de uma barreira policial, por exemplo.

FISCALIZAÇÃO E COMBATE

O Diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Fabiano Berwanger, destaca que todas as blitze são realizadas em cooperação com outros órgãos da segurança. “Não existe blitz em Porto Alegre que não tenha forças de segurança juntos, seja Brigada Militar, Polícia Civil ou Guarda Municipal”.

Berwanger diz que “nunca é feito somente uma abordagem visando checar somente o veículo”. Segundo ele, também, é verificado se o veículo não é roubado, além da consulta sobre possível envolvimento do condutor e dos passageiros em algum tipo de crime anterior.

O delegado Wendt diz que uma das alternativas para combater os avisos de blitze é agir com inteligência. “Montar barreiras policiais, acompanhar os relatos e estudar as formas de atuação dos informantes e de quem foge das barreiras”.

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Carlos Eduardo Netto
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21 anos | estudante de jornalismo | UniRitter — Porto Alegre