Substituir o rádio, pode ou não, podcast?

Matheus Müller
entrelacados
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5 min readMay 28, 2020

“Deuses Americanos”, produzida pelo canal Starz e distribuída mundialmente pela Amazon Prime Vídeo, é uma série adaptada a partir da obra literária de mesmo nome do autor Neil Gaiman e apresenta para o telespectador o embate entre a velha e a nova mídia. Atualmente, a disputa é representada entre o podcast e o rádio, mas será que existe mesmo uma competição entre eles? Dados do IBGE mostram que um terço dos internautas nunca ouviu falar de podcasts, enquanto outro terço os ouvem com frequência.

Há mais de cinco décadas atrás, no ano de 1962, o estudioso dos meios de comunicação e diretor do setor de tecnologia da faculdade de Toronto, Marshall McLuhan publicou seu primeiro livro “A Galáxia de Gutenberg”. Para McLuhan, devido ao grande avanço tecnológico da época, o ser humano passaria por uma mudança indescritível no modo de viver daquele período em diante. Ainda hoje suas obras são estudadas por conceitos como “o meio é a mensagem” ou “um meio de comunicação não substitui e nem exclui o outro, mas agrega ao todo”.

Essas frases podem não fazer nenhum sentido agora, mas imagine que você esteja com o celular em suas mãos, ouvindo um podcast de um admirador de Marshall McLuhan, logo, o cenário mudou. Anos atrás esse especialista teria lugar apenas no rádio. E então você pode se questionar, “mas um meio não agrega ao outro?”.

Entrelaçados, os meios de streaming surgiram a partir da internet. O podcast por exemplo, surgiu pela primeira vez em 2004 quando o ex-VJ (Video Jockey) da MTV americana (que no Brasil seria como um apresentador de programas de música), Adam Curry, criou um agregador para distribuir seu conteúdo com um público que já o acompanhava em redes sociais. Mesmo hoje, o streaming não é o mais popular entre os meios de comunicação, mas vem conquistando espaço com público cibernético, como informa a pesquisa do IBGE que mostra que quatro a cada dez internautas ouvem podcast enquanto cerca de um terço deles não sabe o que é podcast.

A pesquisa ainda mostra que o podcast é consumido como forma “matar o tempo” e para a realização das mais diversas atividades, porque segundo eles, é bom de ouvir quando se está à toa, no ônibus ou no trânsito e enquanto se lava a louça ou limpa a casa. O mesmo papel desempenhado pelo rádio nas gerações mais antigas.

Como o rádio era e ainda é visto

“Um meio não substitui o outro, mas agrega ao todo”, foi o que disse McLuhan em seu livro publicado no ano de 1962 e com o rádio e o podcast não poderia ser diferente. Segundo o professor de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Comunicação e Informação, Luiz Artur Ferraretto, no livro “Rádio: Teoria e Prática”, o rádio é companheiro do ouvinte, algo que está próximo no dia a dia e quebra a solidão, seja nas metrópoles, seja nas zonas rurais mais afastadas dos centros. Além disso, o rádio tem uma alta capacidade de cooperar com outros suportes. Dos tradicionais aos mais novos, a mensagem radiofônica acompanha o ouvinte, chegando a ele no radiorrelógio que o acorda, no radinho a pilha, no celular, por onde o ouvinte for, o rádio vai com ele. Todos conectando o público ao mundo simultaneamente ao seu cotidiano.

E quanto ao podcast?

A Universus entrevistou o membro do podcast do Bendita Sois Vós, jornalista e professor da PUCRS Tércio Saccol, para entender um pouco mais sobre a diferença do funcionamento do rádio e a do podcast na vida das pessoas. Para o professor, o podcast pode ser um braço que em alguns casos nasce do radiojornalismo, como no caso do podcast da Folha de São Paulo ou da CBN e com o tempo cria vida própria. Mas que não é regra. Para ele, a regra principal do podcast é ser assíncrono, ou seja, desenhado para ouvir na internet e no momento que a pessoa pode ouvir. Enquanto o rádio é produzido para pessoas que estão no trânsito, indo pra faculdade sozinhas, o podcast é para quem quer saber daquele assunto daqui a cinco dias ou cinco anos e isso não gera problema de “prazo de validade”, como afirmou Tércio.

Mas eles são rivais?

Se existe alguma rivalidade, essa se dá por questões financeiras e de público. Em uma conversa com o gerente comercial da Agência de Podcast, Pedro Zimmer, o maior destaque foi a liberdade do podcast em relação ao seu conteúdo. “O cliente pediu um podcast para médicos veterinários e percebemos que o número de suicídios entre o público de veterinários é quatro vezes maior que o de outras profissões, então focamos nos desafios que esses profissionais enfrentam”. Além disso, para Pedro, podcast não precisa estar vinculado a um reprodutor de áudio “como um caso de um grupo (em uma rede social) de materiais holísticos em que a administradora do grupo manda diariamente orações por ali, ela também é podcaster”. A PodPesquisa, pesquisa feita pela Associação Brasileira de Podcasters (ABPOD), estima que apenas 23% dos ouvintes não comprariam ou não relataram se comprariam produtos divulgados no podcast.

O podcast é muito bom para fidelizar clientes, “uma pessoa que come barrinha de proteína e começou a ouvir o podcast da marca de barrinha tem muito mais facilidade pra fazer a audiência comprar outros produtos dessa marca” explicou Pedro.

E quanto ao futuro dos dois?

Por fim, ninguém sabe o futuro de nada, mas podcasters, professores, pesquisas e o público afirmam que o streaming de áudio tem espaço para evoluir. Talvez McLuhan esteja certo e os meios não se excluem, mas se complementam. Entretanto, até que essa resposta esteja clara, o melhor dos dois mundos pode ser aproveitado. Afinal, toda semana tem um novo episódio do seu podcast favorito, enquanto que, a qualquer dia, independente do momento, o rádio pode voltar a ser o seu melhor amigo para todas as horas.

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