Então, é natal

Yuri Silva
Entretantos incertos
4 min readDec 24, 2019
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Nunca curti muito a “magia do Natal”. Não consigo entender o porquê das pessoas comemorarem o nascimento inverídico — visto que, provavelmente, Jesus não nasceu neste período — de um personagem no qual a maior parte de nós sequer procura imitar, como nos manda a tradição cristã.

Natal pra mim sempre foi feriado de gente rica, sempre esteve ligado a ganhar presentes e fingir que isso possui um significado diferente do que, todo mundo, no fundo, sabe: Tentar a aproximação com as pessoas que costumamos negligenciar no decorrer do ano.

Minha psicóloga, coitada, pediu que eu estivesse atento às coisas boas que podem acontecer neste período, e como bom paciente, juro que estou tentando ser mais “natalino” — e não está sendo fácil.

Tento pensar que não estou comemorando a apropriação capitalista de um feriado que é fruto da apropriação cristã, tento ouvir as músicas de uma playlist de comemoração que encontrei perdida no spotify, imaginar as pessoas enchendo as igrejas (norte-americanas, entendam) e cantando em coro todos esses clássicos. Tento imaginar tudo aquilo, que no fundo, nem parece coisa brasileira.

Como meu presente de Natal, o meu All I want for Christimas, esse esforço me rendeu duas coisas: Esta crônica de ultima hora, e a constatação do verdadeiro significado no Natal: Esquecer.

Natal é uma época de esquecimento coletivo, e esquecer nos permite um sentimento que é difícil sentir na maior parte do ano: esperança. Talvez por estar colado ao início do novo ano, é um período quase mágico de planejar sonhos e dividir as conquistas que obtivemos, de agradecer a um cristo recém nascido os poucos gozos vividos no meio das turbulências. Um cristo que nasceu — e morreu — como a maioria de nós: sem muitos pertences e numa sociedade opressora.

É no Natal que esquecemos a distância dos familiares, e lembramos que eles também são dignos da nossa saudade. É no Natal que os telefones dos nossos idosos, tocam; Quando lembramos das pessoas que passaram a vida inteira cuidando de outras, trabalhando e sendo donas do próprio destino para terminarem assim: Entediadas com a chatice da velhice.

É só no Natal que nos permitimos algumas felicidades, também: É quando a maior parte das pessoas resolvem doar àqueles que sofrem com a pobreza, quando famílias podem ganhar novas roupas usadas, quando fazemos o bem às seletas famílias que conseguimos alcançar, mesmo que a maioria continue na miséria — Mas tudo bem, para esses, o esquecimento não ocorre somente em dezembro, elas já estão acostumadas com a invisibilidade.

Mas sem falar nos extremos, para nós, esta época é repleta de esquecimentos e sentimentos bons, que muitas vezes ajudam a acentuar a tristeza de fim de ano: Também é época de lembrar daqueles que não podem comemorar conosco o nascimento capitalista de Jesus, talvez por terem ido morar com Ele, talvez pelo simples fato de que a vida segue e as pessoas se vão, e que nem a magia do Natal pode consertar isso.

E então, é Natal, e já não somos mais tristes; E já não estamos brigados com os amigos, nem com os familiares; E já nem nos importamos tanto com os parentes irritantes da Ceia de Natal, isso é coisa pra reclamar no decorrer do ano que virá. O nome sujo no SPC? Nem existe mais: Presenteamos nossos queridos em nome do feriado e deixamos as horas extras e as economias para depois do Carnaval.

E então, é Natal, e é momento de reencontro, de descoberta, de perdão. É tempo de amar, e o amor não necessariamente é consumista. É tempo de comemorar, de sentar à mesa e degustar: A ceia farta, o panetone com frutas cristalizadas, ou qualquer coisa entre os dois.

E então é Natal, e o cronista que vos fala não consegue manter a falta de interesse pelo feriado, e escrever é uma forma de lembrar que tantos esquecimentos são essenciais para para percebermos os sentimentos que sustentam o espírito natalino dentro e fora das vitrines enfeitadas: Natal, no fundo, é um combro boas emoções (talvez, com um pouco de melancolia). O que muda é o papel de presente.

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E então, é Natal, e eu mesmo vou fazer o que disse acima de desejar um feliz feriado para as pessoas que eu amo. E talvez o Natal seja uma boa desculpa para amar.

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