No dia em que eu saí de casa

Yuri Silva
Entretantos incertos
4 min readDec 23, 2019
No dia em que eu saí de casa

“No dia em que eu saí de casa…”, soa na minha mente conturbada a música que sei de cor, não por gostar, mas por, passivo, ouvir tu cantar ao lado do rádio à pilhas.

Nem sei porque essa saudade me atacou agora, acabei de me despedir e seguir meu caminho, retirante numa cidade não tão distante, para voltar no final de semana seguinte. Acho que já faço parte do caminho, conheço por nome cada motorista e cobrador, sei decorado os horários e as particularidades de cada ônibus. Acho que faço parte de tudo isso, menos do lugar que eu deveria chamar de lar.

Fazem três anos. O dia em que eu saí de casa, perdido com os desafios de morar em uma cidade nova, sem o calor do teu abraço. Eu, que mesmo “independente”, sempre contei com teu afago, teu bom dia às 5h, teu cheiro de fumaça e café quentinho. Eu, que agora choro de saudade das tuas broncas, e às vezes, do teu silêncio, que me doía mais que qualquer um dos teus sermões.

Saí de casa, e naquele dia, percebi que estava por conta própria. Filho vira passarinho, e quer voar, mãe. E eu nem sei se estava pronto para alçar voo, sair do ninho que me abrigou por anos, enfrentar os meus problemas e não querer contá-los para que não te preocupes comigo aqui.

Quantas vezes senti que só o teu abraço poderia me curar? Quantos pesadelos precisei esquecer por conta própria, pois não poderia aparecer na tua cama e pedir para dormir ao teu lado? Assim eu cresci, mãe. Cresci como jamais poderia ter crescido junto a ti. Mas crescer envolve dores, e a pior delas é a saudade.

“No dia em que eu saí de casa…”, a música, agora no fone de ouvido, continua me tocando. Diferente dela, você sabe dos meus motivos de ter me mudado, e não apenas sabe: apoia e espera. Sei que você aguarda o retorno de todos os teus esforços, das vezes que priorizou a minha formação às tuas necessidades, que junto ao meu pai, acordou cedo e trabalhou arduamente para manter-me aqui, longe, estudando.

Eu sei, mãe. E só por isso, me mantenho em pé. Eu nem te conto, voar é difícil, e só a tua imagem no futuro, satisfeita, fez com que eu me mantivesse aqui, buscando terra firme nesse dilúvio de dificuldades. Prometo que não descansarei até lá, que lembrarei dos meus dias no ninho, dos teus afetos e da tua voz doce ao me cantar canções de ninar.

Prometo, e peço desculpas. Desculpas por não estar ao teu lado fisicamente; pelo descuido de me entregar à rotina e não ligar para dizer que estou bem; por priorizar meus prazeres ao invés das tuas necessidades, acho que ainda não cresci o bastante. Desculpas, por ser egocêntrico como toda criança, espero que aprenda a ser mais prestativo quando tiver meu próprio ninho, pois bons exemplos eu já tenho.

Desculpa, mãe. Por não te dizer as palavras que agora escrevo, sabendo que nunca chegarão até teus ouvidos. Desculpa, quando eu chegar em casa cansado, e não te dar a atenção que deveria, por trancar-me nos meus problemas e esquecer que o teu cuidado é o verdadeiro remédio, pra saudade e pra toda adversidade que me aflige.

Desculpa, mãe. Por não saber finalizar este texto; por ele não estar da forma que eu gostaria; por não conseguir enchê-lo com os detalhes e agradecimentos que eu deveria exaltar. Por não conseguir agradecer por ter me dado a mão quando eu fui jogado fora, por cuidar de mim como minha progenitora não pôde, nem quis.

Desculpa, e obrigado. Estou melhorando, mas tudo que exalto em mim, tem um pouco de você. Tuas orações têm dado certo, iluminado esse negrume que estou descobrindo por minha conta, trazendo a luz nesse túnel que nem sei onde termina, mas que começou no dia em que eu saí de casa.

“E o olhar de minha mãe / na porta, eu deixei chorando/ A me abençoar”. A música acaba, preciso tocar minha vida. Até sábado, mãe. Amo você, e essa é única forma possível de terminar um texto sobre uma saudade sem fim.

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