Moonlight (2016)

O luar sobre a pele do outro

Thiago Paiffer
ENTRETELAS
4 min readFeb 1, 2017

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A imersão é um elemento básico do cinema. Em diferentes níveis, todo filme nos convida a adentrar numa narrativa, tentar ser alguém diferente ou ao menos se sentir alguém diferente. Não é a toa que a indústria cinematográfica busca tecnologias, como o 3D e a realidade virtual, que facilitem essa aproximação do espectador com o filme: não é fácil gerar imersão no espectador.

Conduzir imagens e sons ao ponto que espectador se sinta na pele do personagem que vê na tela com naturalidade exige uma junção de fatores excepcionais que vão desde o talento e a sensibilidade dos envolvidos — cinema é, afinal, um trabalho coletivo — até a inspiração e recursos para que esse talento flua.

Moonlight é um desses raros casos.

O filme conta a história de Chiron, um jovem negro em uma jornada de autoconhecimento enquanto cresce em meio a violência e o preconceito. Essa narrativa acontece em 3 capítulos que mostram fases da vida do personagem — infância, adolescência e vida adulta, respectivamente.

Moonlight escolhe moldar sua própria forma ao jeito como seu protagonista pensa e age. Logo no primeiro capítulo, Chiron é apresentado como uma criança que não fala muito, mas pensa e imagina com vivacidade. A fotografia se torna extensão de como Chiron se sente e percebe o mundo: mais próxima e acolhedora em momentos de intimidade, mas afastada e difusa em momentos de conflito ou violência. É um delicado trabalho de composição e valorização de cada plano que torna a imersão gradualmente mais intensa. Para transportar a natureza do pensamento de Chiron para a tela, é feito o uso de sequências de sonho, que deturpadas pelo excesso no cinema contemporâneo, aqui são dosadas de forma eficaz e sensível para ressaltar como momentos vividos pelo protagonista o impactaram.

Assim como a parte visual, a construção das relações entre personagens por meio de ações e falas é cuidadosa. Com uma duração enxuta de menos de duas horas, o roteiro utiliza todo espaço possível para construir os relacionamentos e conflitos do universo de Chiron, criando um ritmo envolvente e hipnótico.

O personagem principal é interpretado por três atores no decorrer dos capítulos —Alex R. Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes — e é surpreendente a forma como, apesar das diferenças físicas e comportamentais a cada capítulo, passada a estranheza inicial da troca, os três ressoam como o mesmo personagem, sendo possível reconhecer ali o Chiron do capítulo anterior em poucos minutos. Dentre os coadjuvantes, o trabalho de Mahershala Ali como Juan, mentor de Chiron, se destaca. Sua atuação traduz perfeitamente a tridimensionalidade que o roteiro busca para seu personagem. Juan é um traficante, mas sua personalidade em nenhum momento é definida por sua atividade criminosa, pelo contrário, se destaca por sua simpatia e sensibilidade ao tratar de assuntos delicados com Chiron. Juan não é exceção no filme. Quase todos os personagens tem profundidade e fogem de uma definição estereotipada. Sexualidade e raça são tratados com franqueza e naturalidade.

Em cada detalhe, Moonlight busca uma intensidade que não é definida por velocidade ou grandeza, mas por emoções. Negro, pobre e homossexual, Chiron traz consigo os anseios de mais de uma camada social marginalizada e estereotipada. Estar em sua pele não é minimamente fácil, mas para ele não há escolha — é simplesmente quem ele é. Essa é a sensação que o filme busca transparecer, utilizando todas as cartas disponíveis para que partilhemos da felicidade, da tristeza, da raiva, do prazer, e tudo pelo que Chiron passa. É um filme humano de uma forma brutal, tal qual a vida de seu protagonista. Moonlight não busca ser didático, mas um recorte de uma realidade gritante que precisa ser vista e ouvida com a mesma empatia que a câmera de Barry Jenkins propõe.

Moonlight é um filme cujo triunfo é a imersão no ser humano, seus anseios e medos, e cuja única resposta é um questionamento: por que ainda se faz alguns serem o que não são?

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