Comentários sobre a entrevista do Ulysses do post passado

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Entrevistas com políticos em revistas antigas
5 min readMar 17, 2018

Seguem alguns comentários sobre a entrevista de Fernando Morais com Ulysses Guimarães publicado no post anterior (da série entrevistas com políticos em revistas masculinas antigas), a matéria da Istoé sobre a campanha eleitoral de 1989 e o Roda Viva, também de 89. Faço também uns paralelos com a vida política atual.

Ulysses defende Diretas Já no plenário da Câmara. Fonte: Agência Brasil

No Roda Viva, Ulysses acreditava que toda solução do País deveria passar pelo sistema político. Seja a pessoa engenheira, médica, ou de qualquer outra profissão: ela tinha que ter uma trajetória política. Enquanto na campanha de 89 os companheiros de partido faziam uma pressão pra Ulysses enaltecer a própria biografia pessoal em detrimento da vida partidária, ele pensava o contrário. “O partido é fundamental na campanha política“, disse no Roda Viva. “Democracia é um regime de partidos. Partidos fortes fortalecem a democracia“, completou, com a maior naturalidade, como se dissesse o óbvio.

Um dos jornalistas disse no Roda Viva que a sociedade tinha uma rejeição muito grande à figura política e que ele, mais que todos os outros candidatos, personificava a figura do político. Ele achava grave a rejeição à política, mas também pensava que havia partidos demais na época (imagina se visse hoje) e que isso confundia as pessoas de forma geral. Para ele, as campanhas políticas tinham que ter até 2 meses de duração, para não cansar o eleitor e porque julgava um tempo hábil para a exposição das ideias dos candidatos. O debate política tinha que ser constante, para eliminar ou diminuir a influência do dinheiro novo voto. Era contrário à unificação das eleições para presidente, governador e prefeito, porque se tratavam de agendas diferentes. “Isso atrapalharia o debate político“, acreditava. Ulysses trabalhava a máquina partidária dele “na base da saliva“.

Dizia que, “ao contrário do que as elites dizem“, brasileiro sabe votar. Se entendi bem, acreditava que uma vantagem do parlamentarismo sobre o presidencialismo era que o quadro técnico do governo não mudaria a cada nova eleição.

Na entrevista da Status, Ulysses rememora a trajetória dele, do PSD (o original) até o PMDB. A ideia de Getúlio Vargas era que o PSD atuasse como um partido de apoio ao governo. A graça é que dizem que uma das causas da cisma atual do PMDB com o governo Dilma é fazer algo semelhante. O PSD atual, recriado pelo Kassab, atuando como base. Haveria um plano, também do Kassab, de recriar o Partido Liberal (PL), para que os descontentes do PMDB pudesse migrar para o PL, sem perder o mandato, por se tratar um partido novo. Depois o PL e o PSD se fundiriam. A base do PSD se fortaleceria sem desobedecer as leis eleitorais.

Ulysses fala de uma origem masculina para o nome do MDB — é um Movimento Democrático e não uma Ação Democrática — e o bullying que o PMDB de Eduardo Cunha faz no governo Dilma caracteriza-se muito em um quadro de “clube do bolinha“. Imagino que Tancredo não levasse essa “origem masculina” do PMDB muito a sério.

Ulysses fala também do trato de dois presidentes com os deputados:

“Naquela época ele recebia semanalmente os deputados em seu gabinete — aliás, no período democrático do Brasil, os presidentes recebiam deputados de qualquer partido. O que era uma rotina no Brasil democrático, hoje é motivo de manchete de jornal. Mas o Getúlio recebia os deputados de pé — sabe como é… falando com o presidente da República, sentado, o sujeito se esquece do relógio. O Getúlio, ao contrário de Juscelino, recebia os deputados um a um. O Juscelino os recebia em grupos para criar um certo constrangimento a quem quisesse fazer pedidos pessoais, paroquiais. O Getúlio ficava sentado na ponta da mesa, fumando seu indefectível charuto, ouvindo e recebendo os inevitáveis papeizinhos.“

Não sei como acontece esse trato no governo atual.

Na matéria da IstoÉ, evidencia-se a fragmentação da base no PMDB na campanha de 1989. Criticava-se de tudo, até o estilingue escolhido para ser a logomarca da campanha. Criticava-se que não se ouvia os políticos do partido, especialmente do “Novo PMDB”. Havia também um certo preconceito pela idade elevada (tinha 72 anos). No Roda Viva um jornalista disse que Ulysses tinha o maior índice de rejeição dentre todos os candidatos da campanha de 1989. Como o governo Dilma, Ulysses passou a procurar apoio dos governadores para formar uma base. Essa frase da matéria soa completamente atual:

“Ele prestigia acima de tudo o partido, num tempo em que se canta a desimportância das legendas e quando o líder das pesquisas é exatamente Collor, que só conta com uma ficção partidária, o PRN. Da mesma forma, Ulysses insiste na defesa do Congresso e dos políticos, exatamente no instante em que a atividade político-parlamentar chega ao seu mais baixo grau de credibilidade.“

Já se falava de desimportância das legendas políticas em 1989. E dizia que a atividade político-parlamentar estava no grau mais baixo de credibilidade. O que diria o repórter, José Carlos Bardawil, morto em 1997 de câncer, se estivesse vivo hoje, em tempos de Eduardo Cunha na presidência da Câmara?

Ulysses, como Dilma, tem uma longa trajetória política, os que tornam mais suscetíveis à rejeição por parte da população justamente por conta da rejeição à política de forma geral. Mas ele, ao contrário dela, acredita na saliva para formar uma base. Quem está na função da saliva hoje é o vice-presidente Michel Temer, na articulação política, e o ex-presidente Lula. Dizem que o Temer quer sair da função. Vamos ver. Como esse quadro em mente, Dilma tem que sair da retranca e gastar saliva, se não for com o congresso, que seja pelo menos com a população. O ideal, para a governabilidade, é que fosse nas duas frentes.

Segundo a reportagem, um grande vacilo de Ulysses foi ignorar a ameaça de Collor:

Ele não aceita a ideia de alguns assessores, segundo a qual Collor é, a esta altura,o adversário a ser atingido. Experiente, Ulysses considera que o jovem líder das pesquisas ainda tem muito chão pela frente antes de confirmar sua condição de favorito. Um dado recente pareceu-lhe bastante significativo: Collor foi vaiado quando compareceu às barracas da ‘Festa dos Estados’ em Brasília, há dez dias. Nesse mesmo dia, ele,Ulysses, foi aplaudido.

Ele tinha fé na máquina partidária do PMDB, mas ela não foi suficiente naquela época. Vamos ver como ela funciona nos dias de hoje para Dilma e Temer.

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