Jair Bolsonaro: de capitão a vereador

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Entrevistas com políticos em revistas antigas
8 min readOct 21, 2018

Jair Messias Bolsonaro ganhou destaque após publicar um artigo na Veja em setembro de 1987 solicitando reajuste salarial para os militares. Ele chegou a ser preso por conta da publicação do artigo, que infrigia as regras do exército. Depois, uma matéria na mesma revista descreveu um plano — chamado Beco Sem Saída — dele e do colega Fábio “Xerife” Passos da Silva para explodir diversas bombas para “assustar o ministro” caso o aumento do salário dos militares fosse inferior a 60%. O ameaçado era o ministro do Exército do governo José Sarney, Leônidas Pires Gonçalves.

Matéria publicada em outubro de 1987 pelo Jornal do Brasil mostra preocupação do exército por causa da matéria. Segundo a matéria, Bolsonaro acusou Leônidas ter sido “incompetente e até racista” com Fábio durante um encontro na Vila Militar.

Na mesma edição, há o coronel da reserva Geraldo Lesbat Cavagnari, “um dos principais estudiosos da questão militar no Brasil”, disse que o planejamento de uso de bombas era um ato da “extrema-direita” que poderia atrapalhar o processo de redemocratização do País. Antes que acusem Cavagnari, morto em 2012, professor da Unicamp de ser comunista, confiram essa entrevista que ele defende o golpe militar de 1964 (mas diz que ficou desiludido depois do AI-5).

“A extrema direita militar está determinada a transformar atos de pura indisciplina, gerados pela insatisfação com soldos, em manifestações de caráter político-ideológico”, disse Cavagni na época.

Para o estudioso, esse casos das bombas de Bolsonaro se somariam a outros exemplos de atos de indisciplina não punidos como “o manifesto do ex-presidente João Figueiredo, as manifestações políticas dos generais Newton Cruz e Coelho Neto, a fundação, por oficiais da ativa, da Associação Brasileira de Defesa da Democracia (ABDD), e conferências e atos políticos promovidos por esta entidade”.

Não sei quais foram as manifestações políticas de Newton Cruz na época. Mas havia uma denúncia contra pelo assassinato do jornalista e ex-agente do Serviço Nacional de Informações (SNI) Alexandre von Baumgarten, da esposa esposa Janette Hansen e o barqueiro Manoel Valente. Baumgarten havia publicado o livro de ficção Yellow Cake, “inspirado em fatos reais” sobre operação de tráfico de urânio do Brasil para o Iraque, através do SNI e com ajuda da Engesa e do Paulo Maluf. Antes de morrer, Baumgarten havia escrito um dossiê acusando Newton Cruz, então chefe da Agência Central do SNI, de ser o principal interessado em sua morte. Cruz foi absolvido em 1992. Em 2014, o coronel de reserva do Exécito Paulo Malhães confirmou em depoimento à Comissão da Verdade que Baumgarten teve a morte encomendada.

Em 1980, uma série de atentados dos militares, como a que matou a secretária do presidente da OAB Lydia Monteiro da Silva, demonstravam a perda de controle do poder federal sobre certas alas das forças armadas contrárias à democratização. Em 1981, houve o fracassado atentado a bomba no Rio Centro que expôs essa artimanha de setores militares que queriam pressionar o governo federal. Em 1967, atentados de grupos extrema direita já eram usados para pressionar o governo federal pelo recrudescimento do regime militar.

Detalhei esses trechos para mostrar que a transição para a democracia não foi fácil e houve vários episódios sinistros. Bolsonaro não estava ligado ao caso Baumgarten, nem ao Rio Centro ou outro semelhante. Mas havia uma sombra do militarismo pairando sobre a transição democrática no Brasil e em outros países da América Latina, como veremos mais adiante.

Sarney assumiu a presidência em 1985. Ele precisava lidar com a crescente inflação e a recessão econômica herdadas dos militares. Tentaram resolver esses problemas com o Plano Cruzado, que conseguiu êxito a curto prazo. Em 1986, lançaram o Plano Cruzado II, que não teve êxito e a inflação passou da casa dos 20%. Em janeiro de 1987, Sarney decretou uma moratória unilateral. O Brasil parou temporariamente de pagar os juros da dívida externa. Em abril do mesmo ano, assume Bresser-Pereira para tentar conter a inflação que já atingia o índice de 23,21% e retomar as negociações de pagamento da dívida com o FMI. Em junho anuncia o Plano Bresser que congela por 90 dias de preços, salários e de câmbio. Os preços acabaram subindo e os salários não. Em julho o Brasil decreta moratória agora ao Clube de Paris. Há greves e descontentamento também no meio empresarial. Sarney não bancou o plano do economista de enxugamento da máquina estatal.

Como Cavagni apontou, Figueiredo, que havia se afastado da vida política e da imprensa desde que saiu da presidência, resolveu conceder diversas entrevistas à imprensa e escrever alguns “manifestos” sobre alguns dos temas tratados na Assembleia Constituinte Nacional. Esse trecho fala um pouco disso:

Nas entrevistas, condenou as modificações propostas em relação ao papel das forças armadas, não permitindo sua intervenção em momentos de crise. Segundo Figueiredo, “se as forças armadas tiverem que intervir, vão fazê-lo, porque não vai depender do que estiver escrito na Constituição, vai depender do que estiver escrito no coração de cada brasileiro”.

Em agosto de 1987 redigiu um texto “de alerta dirigido à nação, contra todas as formas de radicalismo que ameaçavam a redação da nova Constituição”. No panfleto, Figueiredo afirmava que no governo do presidente José Sarney “a democracia estava sendo comprometida paulatina e sistematicamente em função de motivações outras que não coincidem com os legítimos interesses nacionais”. Além disso, existia o perigo dos “movimentos de contestação radical que, por defenderem uma reforma agrária anárquica, poderiam levar o país a uma guerra civil”.

Em setembro, Bolsonaro publica o artigo na Veja reclamando do salário dos militares. É preso. Em outubro, a mesma revista publica a denúncia da organização do atentado a bomba pra assustar o Leônidas Pires Gonçalves. “Só a explosão de algumas espoletas”, disse para a repórter da revista.

Em dezembro do mesmo ano, a repórter Cássia Maria, que fez a denúncia do atentado, depôs no Conselho de Justificação do Exército. De acordo com ela, logo antes de começar a depor, recebeu ameaça de morte pelo capitão.

Ela aguardava na ante-sala do coronel Marcos Becchara, que preside o Conselho, quando o capitão, “de outra sala, através de um vidro, fez um gesto com as mãos como se estivesse disparando um revólver contra a jornalista. Ela então perguntou se era uma ameaça de morte. Segundo ela, o capitão respondeu que não, mas que ela “poderia se dar mal” se continuasse com essa história.

Cássia Maria passou a ter escolta de três soldados do exército depois disso.

Em depoimento, Fábio disse que no dia em que Cássia teria conversado com ele e Bolsonaro, ele estava lanchando com a mulher em uma casa vizinha. Bolsonaro disse que Cássia Maria chegou de surpresa e a recebeu “por cortesia”.

No entanto, durante a acareação, Lígia, a mulher do capitão Fábio, reconheceu o número de telefone citado por Cássia Maria como meio de contato entre as duas, “embora negue ter falado com a jornalista”. General Newton Cruz foi convocado como testemunha de Bolsonaro.

Em janeiro de 1988, o governo argentino de Raúl Alfonsín teve que lidar com um motim provocado pelo tenente-coronel Aldo Rico, que havia fugido da prisão após um motim fracassado. Alfonsín, o primeiro presidente civil após a ditadura militar do país vizinho começou a rever a Lei da Autoanistia que os militares se concederam. Ele criou uma espécie de Comissão da Verdade e a julgar os comandantes que haviam dado prosseguimento ao que chamam de Guerra Suja (a perseguição aos opositores do regime militar). O governo argentino debelou a revolta. Alguns dos nossos militares pediram punição severa para integrantes das nossas forças armadas, incluindo aí os capitães Fábio e Jair.

Em fevereiro, o Exército decide afastar os dois porque faltaram com a “honra e a verdade”. O caso foi remetido ao Superior Tribunal Militar (STM).

Composto por dois tenentes-coronéis e um coronel, os Conselhos de Investigação fizeram um trabalho, que, na opinião de alguns oficiais que tiveram acesso à documentação, foi “perfeito”. Com ele em mão, o ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, após cautelosa avaliação, que durou mais de 20 dias, aceitou a tese de que os dois oficiais mentiram.

Na mesma página há mini-perfil dos dois capitães:

Fábio Passos
Um “xerife” seguidor de Newton Cruz
O capitão Fábio Passos era chamado por seus colegas de “xerife” por ser o mais velho da turma de artilharia da Esao. Funcionava dentro do grupo, como uma espécie de conselheiro, mas, apesar disso, era um homem de fraca personalidade e sofria muito a influência de sua mulher Lígia.
De pouca conversa, o capitão Fábio Passos não tinha qualquer aspiração de ser herói nacional. Seguir de Newton Cruz, sonhava em ver os militares no poder e em ganhar bem. Homem frio até com os filhos, vibra com o retorno do presidente Figueiredo à política. Será um dos principais cabos eleitorais, caso o ex-presidente se candidate.

Jair Bolsonaro
Um líder que sonhava em ser herói
Um líder que não sabe exercer sua liderança. Assim pode ser definido, a grosso modo, o capitão Jair Bolsonaro. De direita, seguir do general Newton Cruz, o capitão costumava carregar um revóvel calibre 32 escondido na botina, do qual não se separava. Dos livros, queria distância.
Amante de motocicletas, o capitão Bolsonaro levava uma vida comum. Bebia socialmente e não dispensava um bom churrasco. Aos 33 anos, faz da mulher Rogéria sua principal confidente, com a qual costuma dividir também os problemas da tuma da Esao (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais). Ambicioso, sonhava ser herói nacional ou deputado nas próximas eleições.

Figueiredo, impulsionado por amigos, flertava com a ideia de se candidatar para as eleições presidenciais parar “barrar o crescimento das esquerdas”, mas acabou por desistir da ideia em março de 1988.

Em julho, o STM absolve os dois capitães. De acordo com a página de Bolsonaro no CPDOC da FGV:

STM decidiu pelo não afastamento dos dois capitães dos quadros do Exército. O tribunal acolheu a defesa dos militares, que “se consideravam vítimas de um processo viciado”, sustentando serem insuficientes as provas documentais — cujo laudo pericial fora feito pela Polícia do Exército — por não permitirem comparações caligráficas, uma vez que fora usada letra de imprensa. Esse laudo foi desmentido mais tarde pela Polícia Federal, que confirmou a caligrafia de Bolsonaro.

Em julho, o capitão procura o Partido Democrata Cristão (PDC) porque queria se candidatar à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. O PDC havia sido extinto pela Ditadura Militar. Foi refundado em 1985. Antes da ditadura, o PDC teve como membros André Franco Montoro, Plínio de Arruda Sampaio e o ex-presidente Jânio Quadros. O PFL chegou a oferecer material de campanha se o militar juntasse aos seus quadros, mas ele ficou com o PDC mesmo por se identificar com a ideologia do partido.

Para ele, “estava mais do que na hora os militares ocuparem espaços no meio político: ‘a classe militar foi a última a acordar’. ‘Você vê os metalúrgicos fazendo greve? Eles estão fazendo política’”. Durante a corrida para o pleito, ele reclamou da perseguição de colegas de farda que não deixavam que ele fizesse campanha em quartéis.

Foi eleito, junto com Alfredo Sirkis, Chico Alencar, Eliomar Coelho, Adilson Pires, Celso Macedo (irmão do Edir Macedo), Celso Abrão (eleito também com votos da Igreja Universal, ele acabou morrendo em 2009 seis dias depois de registrar denúncia que foi usado como laranja pela igreja), o futebolista Carlos Alberto Torres, o ator Francisco Milani, a atriz Neuza Amaral, Jorge Felipe (hoje no sétimo mandato na mesma casa legislativa), Sérgio Cabral (o pai), Edson Santos (magrinho na foto), Sami Jorge, Wilson Leite Passos (dois nomes conhecidos da política carioca), Regina Gordilho (empresária cujo filho foi morto por PMs na Cidade de Deus) e mais uma galera que não sei quem é. Aqui você pode ver todos os eleitos e a plataforma de governo. Bolsonaro entrou na Câmara pensando em chegar a deputado federal. Figueiredo e Newton Cruz felicitaram o recém-eleito.

Em outro texto, abordo o período de Bolsonaro na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.

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