Teoria apocaliptica sobre o jornalismo no Facebook

Cíntya Feitosa
Entusiastas de Mídias Sociais
5 min readMay 13, 2015
(Facebook)

Em 2015 completam-se cinco anos desde minha formatura em Jornalismo e quando paro para pensar nisso vejo que boa parte das informações sobre comunicação que tive no meu curso já está obsoleta. Entre 2007 e 2010, nossas discussões mais polêmicas sobre o futuro do jornalismo eram sobre o fim ou não do jornalismo em papel. Hoje acordo e a primeira notícia que leio (que já tinha sido antecipada aqui) é: Facebook lança plataforma para jornais e revistas publicarem direto na rede.

Uau. Quando deixei meu estágio na maior rádio de notícias do Brasil para trabalhar com comunicação digital em política pouca gente via nisso um futuro realmente sério. Ser a menina do Facebook em 2010, para alguns, era como ser uma preguiçosa que não gostava de trabalhar ou tinha escolhido o curso errado: mídias sociais nada tinham a ver com jornalismo. Em cinco anos vemos o surgimento de um modelo de negócio do Facebook para os jornais.

À primeira vista, e informando-se somente nos veículos a que temos mais acesso por aqui, não parece nada demais discutir o Facebook como plataforma de notícias. Aliás, como é difícil encontrar nos veículos “tradicionais” do Brasil notícias realmente completas sobre jornais e sobre comunicação. Para discutir mudanças na comunicação temos que procurar bastante pela internerds, encontrando boas surpresas como esta, sobre a síndrome de Kodak do Estadão.

Bem, mas deixe-me voltar ao que me deixou intrigada desde que li sobre essa nova plataforma do Facebook. O mágico da internet, para mim, é a pluralidade. Assim como eu estou escrevendo achismos aqui, todo mundo com acesso à rede pode fazer isso. E temos aí um monte de plataformas para fazê-lo, sendo o Facebook uma delas. Para mim, é bem limitada, seja pelas bolhas criadas por nós mesmos ou pelas bolhas algoritmicas. E ao mesmo tempo, onde mais discutir informação na internet? Num grupo de emails? Hum… Não. Isso é muito início dos anos 2000.

O que vai acontecer se as notícias, em vez de publicadas nos sites dos veículos, forem um conteúdo que faz parte da plataforma de dominação do mundo, conhecida como Facebook? Ninguém parece saber (Mark Zuckerberg provavelmente sabe, e já deve saber que vai lucrar bastante com isso). Mas, em uma visão apocaliptica de quem tem 1984 como seu livro preferido, é muito grave que uma só plataforma concentre interação com amigos, entretenimento, mídia e informação jornalística.

Para os jornais, parece ser uma possibilidade de luz no fim do túnel, já que o jornalismo anda meio perdido sobre as possibilidades de negócio. Neste ano tivemos várias notícias sobre demissão em massa em grandes veículos, como o Estadão (da síndrome de Kodak). Já que o Facebook é uma porta de entrada para o conteúdo, por que não encurtar o caminho e publicar direto na plataforma, melhorando a experiência do usuário?

Esta análise do El País Brasil, um pouco mais aprofundada, me fez refletir sobre quem é o maior interessado nesse modelo:

Não serão publicadas todas as reportagens, mas sim uma seleção decidida por consenso entre as partes, levando em conta as análises das estatísticas de audiência. Esse material aparecerá diretamente no Facebook, como se fosse a postagem de um amigo, sem a necessidade de inclusão de um link para a fonte original.

Não se sabe ainda quantos artigos cada veículo publicará por dia, nem como os rendimentos serão compartilhados. Foi revelado, no entanto, que haverá uma fórmula para a divisão da publicidade, a qual será minuciosamente personalizada de acordo com o perfil do usuário, tornando-se, consequentemente, mais valiosa.

Então, peraí, o Jornalismo vai virar, cada vez mais, um cálculo sobre notícias que “engajam” e notícias que “não engajam”? Comecei essa discussão no próprio Facebook, antes de vir pra rede social oficial do textão, e foi enriquecedor. Meu argumento para achar que um plano de dominação do mundo não é legal é a preocupação com a democratização da distribuição e acesso. Não acho que seja bom estar refém do algoritmo, e publicar de acordo com o que engaja. E o conteúdo importante, mas que “não engaja”? Uma amiga respondeu que o conteúdo não vai ficar só no Facebook, e que a gente tem a opção de se informar por outros meios. É verdade. Mas não seria esta uma discussão parecida com aquela sobre quantos canais e plataformas o grupo Globo tem no Brasil e como isso beneficia apenas alguns veículos e empresas de comunicação, além de deixar mais pobre a oferta de conteúdo ao público?

O modelo de negócios oferecido pelo Facebook para os veículos é apaixonante. Receita dividida, mais controle sobre o tráfego, acesso melhor ao leitor, facilidade e melhor aparência e navegabilidade para conteúdo em vídeo e imagem. De acordo com o Facebook, o algoritmo também não será alterado para privilegiar o Instant Article. Como diz este artigo, o que criticar? Do que reclamar? Parece até que o mundo está virando aquele lugar ideal onde os intermediadores são tirados do processo, e todo mundo vive feliz. Por enquanto, qualquer crítica é apenas especulatória. Por enquanto.

Mas e se de repente, como acontece com bastante frequência, o Facebook mudar os termos de uso? Isso também vai ser acordado entre as partes? E se o algoritmo de repente privilegiar o Instant Articles, como já fez com imagens, já fez com links e agora faz com vídeos (uma briga longe do fim com o Youtube)?

Por fim, parece que o jornalismo está se preocupando mais com a plataforma do que com o conteúdo. É claro que, produzindo conteúdo digital, não dá para dispensar o componente viralização (quem nunca ouviu “vamos bombar este conteúdo nas redes” e quase não dormiu pensando em como fazer isso?). E também não dá para achar que esta geração e a próxima vão consumir notícias produzidas da mesma forma que eram feitas para jornais impressos. Mas por que, então, não aprofundar o debate sobre novas formas de espalhar informação, em vez de apostar todas as fichas em uma plataforma que me parece cada vez mais de mídia do que de conteúdo?

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Cíntya Feitosa
Entusiastas de Mídias Sociais

Jornalista, trabalha com comunicação digital em causas políticas e socioambientais. Queria ser artista de circo, mas começou a treinar um pouco tarde.