Diário de uma manteiga derretida: fevereiro de 2018

Sofia Soter
Entusiastas
Published in
6 min readFeb 23, 2018
Buffy, the vampire slayer, em um momento choroso

Uma hipótese: eu choro muito, com facilidade e por emoções variadas. Sou aberta sobre minha tendência a chorar, a ponto de às vezes ter que explicar que "não, não, eu chorei mesmo, não foi só hipérbole". Às vezes no meio de uma conversa sinto os olhos ardendo, a pressão na cabeça, e tenho que cobrir o rosto, respirar fundo, em geral rir um pouco porque a conversa não era tão séria, só envolvia sentimentos demais.

O diagnóstico certeiro: sou manteiga derretida.

A ideia, óbvia se você tem a minha personalidade (de quem gosta de se abrir demais na internet) e encontrou um cantinho como o Entusiastas: registrar todas as vezes que chorei no mês e compartilhar em público.

  • 01/02: Quando trabalho em traduções, gosto de ouvir música. Às vezes seleções instrumentais que não me atrapalhem com a letra, às vezes músicas que não conheço para não querer cantar junto, às vezes músicas que conheço bem até demais para me sentir reconfortada. Para uma mistura das duas últimas opções, coloquei uma playlist de músicas de Buffy, the vampire slayer (uma das minhas séries preferidas). No entanto, minha decisão se voltou contra mim quando, entre duas músicas animadas dos anos 90, entrou "Full of Grace", da Sarah McLachlan, que me conecta imediatamente com uma das cenas mais trágicas de Buffy. Ouvi os primeiros segundos e parei imediatamente o que estava fazendo, escutei a música inteira olhando para cima deixando umas lágrimas escorrerem, e quando acabou lavei o rosto e voltei ao trabalho.
  • 02/02: Tenho tentado não mexer no Twitter já deitada na cama para dormir, mas às vezes falho. Quase dormindo, abri uma matéria sobre The Shoebox Project, a fanfic de Harry Potter que considero praticamente como um outro livro da série. Não foi uma boa ideia: o combo de sono + memórias de eventos trágicos de Harry Potter e de sentimentos da fanfic me levaram a um chorinho baixo que me embalou ao sono.
  • 03/02: Uma amiga começou a assistir a Veronica Mars e decidi aproveitar o embalo para rever, por ser outra das minhas séries preferidas (com muitos pontos em comum com a outra série preferida mencionada, Buffy). Já no segundo episódio, lágrimas, subindo aos olhos sem que eu esperasse enquanto via meio distraída. Veronica, procurando a mãe que desapareceu, encontra uma amiga da mãe, para quem implora, em lágrimas e soluços repentinos: "Don't lie to me! Please, I need to know." Culpo o choro da Kristen Bell como Veronica Mars pelo meu próprio choro, ela chora de forma muito eficiente.
  • 06/02: Cheguei no final da temporada de Veronica Mars três dias depois por algum tipo de milagre de viagem no tempo, provavelmente. Finais de temporada são estratégias quase garantidas para chorar, porque culminam em emoções exageradas os dramas daqueles personagens que passei pelo menos 20 episódios amando (neste caso, personagens que passei os últimos dez a quinze anos amando). Neste episódio (tecnicamente o penúltimo da temporada, mas já funcionando na lógica do último), Veronica usa todos os seus talentos de adolescente detetive para finalmente desvendar quem foi responsável por estuprá-la em uma festa um ano antes. Vemos a personagem interrogando suspeito atrás de suspeito, seguindo pista atrás de pista, e conforme o peso da situação aumenta eu começo a chorar.
  • 08/02: Último momento de Veronica Mars nesta lista, o que culpo em um erro de registro meu. Terminei a série e é impossível que só tenha chorado três vezes, né? Provavelmente chorei mais. De qualquer forma, o que me levou ao terceiro choro da série foi um momento classicamente dramático: Veronica conversa com um homem à beira da morte cuja filha desaparecida na verdade foi assassinada. Ela mente, diz que a filha está viva e segura. O homem pergunta "but is she happy?" e a cara da Kristen-Bell-como-Veronica-Mars tentando manter a mentira me fez chorar de soluçar.
  • 08/02: O choro de Veronica Mars já tinha me fragilizado, provavelmente, e mais para o final do dia uma mistura acidental de texto e música me emocionou em um choro leve, até sorridente, desses que começam com calafrios de sentimentos porque as coisas são lindas.
  • 10/02: O Carnaval chegou e invadiu minha casa. Blocos por todos os lados me impediram de sair para almoçar com minha família, um bloco bem na frente do meu prédio encheu meu apartamento de música alta, e a frustração, o calor, o barulho e meu desinteresse total e absoluto no Carnaval me levaram a um dia inteiro de choro. Triste, mesmo. De soluçar, de parar por um tempo até começar de novo. De decidir dormir durante o dia só para descansar o choro. De lavar o rosto e voltar ao choro pela aparência inchada e deprimente da minha cara. Emocionalmente, foi o pior dia do meu ano até agora, questão que já mencionei muito na terapia desde então.
  • 11/02–12/02: No dia seguinte, consegui fugir para a casa da minha avó, onde minha mãe estava hospedada, para passar um fim de semana com tranquilidade, comida, ar condicionado e distância do caos carnavalesco. Infelizmente, o humor desastroso do dia anterior se tornou um mau humor leve, com ares de melancolia, acrescentado ao estranhamento de dormir fora de casa e ao impacto sentimental de passar dois dias com minha mãe e minha avó. Choros ocasionais, lágrimas meio de repente em meio de conversas, uma sensação de nuvem pronta pra chorar pairando sobre mim o tempo inteiro. Mais choro ao me despedir e voltar para casa, por mais contraditório que seja.
  • 14/02: Não costumo gostar de reality shows, mas cedi à empolgação da internet e vi a nova temporada de Queer Eye na Netflix. Chorei com quase todos os episódios (infelizmente só registrei o dia em que comecei a temporada, não sei dizer em que outros dias chorei; preciso melhorar no processo de registro). Em minha defesa, os "personagens" (não sei o nome correto para pessoas de reality) choraram com quase todos os episódios também.
  • 17/02: Um dia de tristeza interna, nada de séries e músicas me fazendo chorar. Só um sábado tentando descansar mas sem nada para fazer, sem pisar fora de casa, me sentindo sozinha. A solidão é um ponto que tenho tentado trabalhar emocionalmente desde que passei a morar sozinha, porque já trabalho de casa e é fácil acabar no meu apartamento por dias a fio, sem ver ninguém nem sentir o tempo passar. Nesse dia, o peso dessa solidão bateu e caí na armadilha desse tipo de tristeza: chorei, dormi no meio do dia, chorei mais, mergulhei em mau humor em vez de me arrumar e sair de casa simplesmente por sair de casa.
  • 18/02: Saí de casa para fazer um lanche na casa do meu pai, mas o humor do dia anterior seguiu se arrastando atrás de mim. Sair e ouvir o episódio ao vivo do Thirst Aid Kit me ajudou, mas quando voltei tinha ainda a noite toda pela frente e o desânimo voltou com uma rápida crise de choro. No entanto, fiz o que sei que funciona e juntei energia para finalmente desmontar minha árvore de Natal (pois é, ela ainda estava de pé na sala) e para zerar meus e-mails em preparo para segunda. Funcionou.
  • 21/02: Acordei com cólica e com um e-mail chato de trabalho, de uma editora decepcionada com o material de uma entrevista que fiz. Chorei um pouco lavando o rosto, mas respondi o e-mail da forma mais correta possível, fiz um chá para aliviar a cólica e aceitei que o dia tinha começado mal mas ainda estava todo pela frente.

Diário de Uma Manteiga Derretida é uma coluna mensal do projeto Entusiastas, na qual Sofia Soter compartilha tudo o que a levou às lágrimas nos últimos tempos ❤

Sofia Soter é escritora, editora e tradutora. Criou e edita o site de cultura pop e fandom Headcanons e tem textos publicados em veículos pelo mundo todo, como Pólen, Modefica, Toda Teen, Valkirias, ELLE, Midnight Breakfast, Hello Giggles e Reader’s Digest. É co-organizadora dos livros “Capitolina, vol. 1: O poder das garotas” e “Capitolina, vol. 2: O mundo é das garotas”. É entusiasta do entusiasmo, de choros catárticos, de falar demais sobre histórias e de narrativas sobre garotas assassinas. Está sempre tagarelando no twitter e você pode conferir seu portfólio aqui!

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