Diário de uma manteiga derretida: julho de 2018

Sofia Soter
Entusiastas
Published in
6 min readAug 8, 2018
Cena de "Desobediência".

Passei pelo menos metade do mês de julho em um estado constante de ansiedade. Sabe quando sua vida tá parada por um tempo, aí de repente várias coisas acontecem e mudam de uma vez e fica difícil se ajustar? Julho foi assim. Além do mais, foi marcado pelo sol em câncer, que deu para todo mundo permissão para ser um pouco manteiga derretida também.

1/7: O mês começou em plena FLIPOP, motivo para eu estar em São Paulo, como mencionei na coluna do mês passado. Depois de noites sem dormir e com muitas emoções, a mesa "Garotos que amam garotos", com Eduardo Clito, Vitor Martins e Samuel Gomes, me fez dar uma choradinha.

3/7: Dois dias depois, ainda mais exausta, com ainda mais noites mal dormidas acumuladas, saí com a Barbie e a Gio e fiquei emocionada conversando com elas sobre a mesa do domingo, especialmente sobre o momento em que o Samuel Gomes falou sobre a tendência de tentar ser perfeito por sentir que precisa compensar ser gay. Como sou uma pessoa sem limites e que pensa no mundo por meio da cultura pop, acabei em um discurso elaborado sobre Blair Waldorf e Faith Lehane e, com isso, em lágrimas.

4/7: Já não lembro mais como, mas fui parar em poemas de Andrea Gibson no Youtube. Chorei com uma sequência de dois dos meus preferidos, "I do" e "How it ends". Afinal, como não chorar com "Baby, I have no idea how this will end! Maybe the equator will fall like a hula hoop from the Earth's hips and our mouths will freeze mid-kiss on our 80th anniversary. Or maybe tomorrow, my absolute insanity, combined with the absolute obstacle course of your communication skills, will leave us like a love letter in a landfill. But whatever, whenever, however this ends, I want you to know that right now I love you forever"? Ou ainda com "I do. But the motherfuckers say we can't, 'cause you're a girl and I'm a girl (or at least something close), so the most we can hope for is an uncivil union in Vermont. But I want church bells, I want rosary beads, I want Jesus on his knees. I want to walk down the aisle while all the patriarchy smiles… Well, I guess that's not true. But I do want to spend my life with you"? Quase ninguém escreve poemas de amor como Andrea Gibson.

5/7: Fui ver o especial queridinho a internet, Nanette, da Hannah Gadsby, e demorei para me envolver. Cheguei até, confesso, a dormir no começo. No entanto, depois de um cochilo, voltei à apresentação e chorei. Chorei enquanto via e conversava com pessoas queridas sobre assuntos emocionantes. Chorei enquanto Hannah Gadsby falava de violência, de trauma e de vergonha. "Punchlines need trauma, because punchlines need tension and tension feeds trauma. I didn’t come out to my grandmother last year because I’m still ashamed of who I am. Not intellectually, but right here [points to heart], I still have shame. You learn from the part of the story you focus on. I need to tell my story properly."

8/7: Uma das coisas boas e repentinas de junho foi um convite para participar do Slayerfest 98, um dos meus podcasts preferidos, falando sobre um episódio da quinta temporada de Buffy: "No place like home". O episódio é focado na relação da Buffy com sua irmã mais nova, Dawn, uma relação que sempre me toca e emociona profundamente, porque irmãs na ficção sempre me tocam e emocionam profundamente. Precisei rever o episódio duas ou três vezes para me preparar para o podcast e, inevitavelmente, chorei. Chorei tanto que, gravando o podcast, cheguei a mencionar esta coluna.

11/7: Às vezes alguém te diz exatamente o que você precisava ouvir e nem você sabia. Em uma conversa sobre relacionamentos abusivos, em que insisti que hoje em dia eu estava bem, que podia falar dessas coisas com distância emocional, recebi uma resposta tão carinhosa que chorei, sorrindo, sentada na beira da minha cama, sem conseguir largar o telefone celular.

12/7: Li um texto da Rory Power sobre Dare me, da Megan Abbott, um dos meus livros preferidos. Claro que, sendo quem eu sou, chorei. Especialmente no seguinte trecho, que talvez toque mesmo quem não leu o livro e não conhece essas personagens: "But the most important thing about Beth — the thing that made me want to claw her out of the book with my bitten-down nails — is that she wants. Beth wants power, and Beth wants Addie, and I think most of all, Beth wants to know that the things that hurt her are real."

13/7: No dia seguinte, na mesma série, um texto da Laura sobre Gone Girl. Mais uma vez, lágrimas: "I’m not afraid of monsters because they freed me." Mais tarde, um choro diferente, de emoção sem identificação, o mesmo tipo de emoção do final de um filme gostoso de ver, lendo a incrível matéria da Natalie Walker sobre os Jimmy Awards.

16/7: Fui ao cinema com a Verônica ver Desobediência. Chorei, segundo meus registros, quatro vezes, mas talvez tenham sido mais. Chorei na última cena, chorei com cantos religiosos, chorei no preciso momento em que Dovid diz "You are free", chorei quando Esti se permite dizer em voz alta o que sempre quis. Desde então, indico o filme para todo mundo que conheço, nos momentos mais variados.

23/7: Um artigo rápido sobre os melhores momentos do painel da série de comédia Brooklyn 99 na Comicon me levou a chorar um pouco, provando que eu choro mesmo com qualquer coisa. No caso, chorei com a descrição do momento em que uma fã falou com Terry Crews sobre seu envolvimento no #MeToo: "A teary fan thanked Crews for his #MeToo testimonial, and she told him, “I am so sorry from all of us who are also part of MeToo that you have to be part of it,” and then he put his hand over his heart and looked at her with so much love in his eyes."

24/7: Um dia cheio de lágrimas até demais. De manhã, um telefonema longo com minha mãe tocando em vários estresses e dificuldades familiares, que me deixou chorosa. No começo da tarde, o incrível vídeo "Permita-se ter raiva", do Murilo, no canal Muro Pequeno. À noite, depois de horas de alívio jogando papo fora e comendo bolo com a Carol, ainda na plataforma de metrô, um novo telefonema da minha mãe, dessa vez mais difícil: a notícia de que uma amiga próxima da família faleceu. Entrei no vagão sem saber o que fazer e coloquei os óculos escuros para chorar no intervalo de duas estações até minha casa.

25/7: Já fragilizada depois da notícia da noite anterior, fui ver The Bold Type e, enquanto Jane conversava com o irmão sobre memórias de sua falecida mãe, me permiti chorar lágrimas confusas.

26/7: Dia de velório. O desconforto de não saber lidar com o luto, de não saber como reagir, de conversar com gente que passei anos sem ver e reencontrei em um momento tão estranho, de querer que abraços fossem o suficiente para ajudar. Chorei pouco, mas algumas lágrimas são inevitáveis.

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