Diário de uma manteiga derretida: março de 2019

Sofia Soter
Entusiastas
Published in
4 min readApr 2, 2019
Na Prom do Buffering the Vampire Slayer, ocasião em que eu certamente chorei, mas esqueci de registrar. Foto: Molly Adams.

Acabei fevereiro e comecei março em Nova York. A viagem foi para comemorar o lançamento de The Last 8, romance de estreia da Laura Pohl, também conhecida como minha namorada. Foram três semanas intensas de passeios, frio, muito orgulho e muitas, muitas, muitas emoções. No entanto, meu primeiro registro de choro é só no meio de março, no final da viagem. Não parece verdade — acho que chorei de emoção antes, ou pelo menos fiquei com os olhos cheios d'água.

Os registros que anoto no bloco de notas do celular não são sempre fiéis ou completamente confiáveis: preciso lembrar de anotar, e às vezes os choros me vêm e vão com tanta rapidez que, até eu poder parar e escrever, esqueci que aconteceram, não tenho memórias claras. Talvez seja parte do que acho interessante neste projeto — não tenho como garantir veracidade porque nem eu mesma sei o que senti, como manifestei, quando aconteceu. Mas continuo tentando.

14/3: A Laura voltou pra São Paulo uns dias antes de eu voltar para o Rio e, quando me vi sozinha em Nova York, uma crise me bateu. Mesmo me sentindo esquisita, saí de casa para passear, almoçar num restaurante vegano gostoso, ler um pouquinho na Union Square. Dei um pulo na Forever 21 para experimentar uma roupa, confiante que ia ficar tudo bem, mas descobri que provadores de loja continuam sendo um gatilho forte da minha ansiedade e comecei a me sentir mal; fui piorando com o barulho e as luzes e a gente na loja; desabei quando, ao sair, me deparei com um grupo de pessoas pregando mensagens religiosas homofóbicas no meio da rua. Corri para me refugiar na Strand, uma das minhas livraris preferidas do mundo, e tive um ataque de ansiedade com lágrimas dando voltas na mesa de destaques de YA, para não perder o sinal de celular enquanto falava no telefone com a Laura para me acalmar. Mais tarde, de volta ao apartamento da minha prima, fui recebida com notícias familiares emocionantes (do tipo bom, de bebês futuros na família, de amor e de apoio) e foi demais para mim — acabei chorando no banheiro enquanto me arrumava para dormir.

15/3: Último dia em Nova York, de ressaca emocional da exaustão do dia anterior. Primeiro choro: ansiedade enquanto trabalhava à tarde. Segundo choro: tentando combinar que alguém me buscasse no aeroporto no dia seguinte (minha irmã e o namorado foram me buscar, no fim, e foi de uma importância inenarrável). Terceiro choro: na fila do check-in no JFK, vendo (e revendo, e revendo) a parte da Lily James e da Alicia Vikander no Comic Relief 2019. Quarto choro: no avião, depois de mais de uma hora na pista sem decolar, em meio a turbulência, um choro forte, compulsivo, de soluçar, embrulhada em casacos, capuzes e cobertores, sem saber o motivo ou o propósito, até pegar no sono.

16/3: Dois dias de muito choro levam a um terceiro dia de choro quase certamente. Primeiro: correndo para pegar a conexão em Guarulhos, carregando bolsas e computador, tropeçando no caminho e sentindo minha mão direita deslocar e voltar ao lugar várias e várias e várias vezes (é assim a vida com hipermobilidade articular), sem poder parar até entrar no avião. Segundo: no voo inteiro GRU-GIG, tentando ser discreta, sem muito sucesso. Terceiro: ao chegar em casa, exausta. Quarto: ao conversar com minha mãe à noite, ainda mais exausta.

21/3: Depois de me recuperar do cansaço da viagem, foi a vez de chorar de emoção e orgulho com notícias de que minha irmã passou para o mestrado dos sonhos dela.

25/3: Na psiquiatra, contando esses choros todos, chorando um pouquinho porque é inevitável.

27/3: Uma conversa que parecia razoável virou uma espiral de autoestima baixa, de me sentir inútil, de sentir que minha vida é um caos. Chorei em frente à pia do banheiro, jogando água gelada na cara para me controlar. Um pouco depois, abri o Eve no celular e notei que provavelmente a crise era hormonal, um dos efeitos que ando descobrindo em mim agora que parei de tomar pílula anticoncepcional depois de mais de dez anos de uso.

28/3: A competição de March Madness do Autostraddle deste ano é sobre histórias de sair do armário em séries de televisão e acho que já devo ter falado aqui sobre como histórias sobre sair do armário são minha maior criptonita dos choros, né? Eu não vejo Grey's Anatomy faz anos, mas foi só ler de novo o discurso da Erica Hahn para a Callie que eu desabei em lágrimas.

“My whole life, my whole adult life, I have been with men. And it always felt, you know, fine, good, but… I never. I mean, I did, but not like this. This is like needing glasses. When l was a kid, l would get these headaches and l went to the doctor and they said that l needed glasses. l didn’t understand that. lt didn’t make sense to me because l could see fine, and then l get the glasses and l put them on and l’m in the car on the way home, and, suddenly, l yell because the big green blobs l’d been staring at my whole life, they weren’t big green blobs! They were leaves on trees. I could see the leaves. And I didn't even know I was missing the leaves, I didn't even know that leaves existed, and then… leaves. You are glasses.” — Erica Hahn em Grey's Anatomy

29/3: Não posso contar o que traduzi que me fez chorar (ainda), mas posso contar que traduzi um texto que me fez chorar. E quando o livro sair, posso voltar aqui e contar para vocês o que foi. Por outro lado, posso contar que agora mesmo, escrevendo este diário, chorei, porque vi mais uma vez o discurso da Erica Hahn para transcrever a citação. Como eu disse: minha criptonita!

--

--