Para quando a saudade apertar

Taryne Zottino
Entusiastas
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2 min readMar 6, 2018
Alguns dias você quer reviver para sempre — About Time

Existem saudades que a gente sente com um sorriso no rosto, que têm gostinho de picolé em dia quente, pernas para o alto, infância. Existem também aquelas que vêm acompanhadas de um certo desconforto, aquelas que até nos recusamos a sentir, tentamos empurrar para o lado, com medo de se instalarem em nós por tempo demais. E existem outras que não são nem uma nem outra, estão em algum lugar no meio disso tudo. Mas todas elas são sentidas de maneira diferente ao longo do tempo, se transformam.

Assim que voltei da Irlanda, depois de morar lá por um ano, minha saudade era violenta, exagerada, sem a menor discrição. Trazia crises de choro de madrugada e um aperto no peito toda vez que eu me deparava com alguma foto dos meus amigos sem mim. Nos meus momentos de silêncio comigo mesma, as lembranças mais simples me invadiam como um balde de água fria. Coisas cotidianas, como imagens de mim mesma indo até o mercado comprar comida, estudando inglês no minúsculo flat 16, ou olhando para o céu de Dublin tentando adivinhar se ia chover .

Essas pequenas recordações não vinham devagarinho, mas de supetão, quando eu não estava preparada. E aí não havia espaço para mais nada além da pontinha de dor, da tristeza, da impotência de sentir vontade de atravessar o mundo — a nado, se fosse preciso — só para poder andar naquele parque uma última vez, mas ter a consciência de que isso era impossível.

Hoje em dia, ainda bem, a minha saudade mudou. Já não dói tanto assim, já não me pega desprevenida. Quando ela vem, eu fecho os olhos e tento reviver. Prolongo na minha mente a sensação de estar lá, fico lembrando com detalhes uma história atrás da outra, tentando revisitar os lugares, sentir os cheiros, os sabores, rememorar a surpresa de ver a neve pela janela do meu quarto pela primeira vez e a beleza daqueles artistas de rua me presenteando com canções belíssimas em dias prosaicos.

E mesmo quando o coração fica dolorido, eu tento agradecer por ter todas essas memórias dentro de mim. Eu as abraço. Releio meus diários, deixo a nostalgia se instalar e as lágrimas caírem à vontade, plenas. O tempo amadureceu minha saudade. Ela já não faz o barulho que fazia antes, apesar de ainda estar vivíssima, morando em mim. Sempre estará aqui, eu espero, me lembrando do privilégio de ter vivido. E quando ela apertar, só preciso me lembrar de que essa é mais uma oportunidade para ser grata, fechar os olhos e reviver.

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Taryne Zottino
Entusiastas

Lê e escreve como uma forma de experimentar a vida duas vezes // IG: @tarynedisse