Justiça — Lições de amor na infância, por bell hooks

Capítulo 2 de All About Love: New Visions

Carol Correia
ẸNUGBÁRIJỌ
14 min readNov 9, 2019

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Arte por Fiona Avocado

Traduzido gratuitamente por Carol Correia devido a importância do tema. Não tenho a intenção de traduzir o livro inteiro. Se houver erros na tradução, por favor me avise por aqui ou via email carolcorreia21@yahoo.com.br

Separações severas no início da vida deixam cicatrizes emocionais no cérebro porque atacam a conexão humana essencial: o vínculo [pai-filho] que nos ensina que somos amáveis. O vínculo [pai-filho] que nos ensina a amar. Não podemos ser seres humanos inteiros; de fato, podemos achar difícil ser humano sem o amparo desse primeiro apego.

- Judith Vrost

Nós aprendemos sobre o amor na infância. Quer nossas famílias sejam felizes ou não, sejam nossas famílias estruturadas ou desestruturadas, é a original escola do amor. Não me lembro de querer pedir aos meus pais para definirem amor. Para a mente do meu filho, o amor era o sentimento bom que você sentia quando a família o tratava como se fosse importante e meu filho os tratava como se eles fossem importantes. O amor sempre foi, e apenas, um sentimento bom. No início da adolescência, quando fomos açoitados e informados de que essas punições eram “para nosso próprio bem” ou “estou fazendo isso porque eu amo vocês”, meus irmãos e eu ficávamos confusos. Por que a punição severa era um gesto de amor? Enquanto crianças, nós fingimos aceitar essa lógica adulta; mas sabíamos em nossos corações que não estava certo. Nós sabíamos que era mentira. Assim como a mentira que os adultos contavam quando explicavam após um castigo severo: “Isso me machuca mais do que machuca você”. Não há nada que crie mais confusão sobre o amor nas mentes e corações das crianças do que castigos cruéis feitos pelos adultos a quem foram ensinados que deveriam amar e respeitar. Tais crianças aprendem desde cedo a questionar o significado do amor, a ansiar pelo amor, mesmo quando duvidam que ele exista.

Por outro lado, há muitas crianças que crescem confiantes de que o amor é um sentimento bom que nunca é punido, que podem acreditar que o amor é apenas para satisfazer suas necessidades, satisfazer seus desejos. Na mente dessas crianças, o amor não tem a ver com o que eles devem dar; o amor é principalmente algo que lhes é dado. Quando crianças como essas são excessivamente indulgentes ou ao serem autorizadas a darem piti, essa é uma forma de negligência. Essas crianças, embora de forma alguma estejam sendo abusadas ou descuidadas, geralmente estão incertas sobre o significado do amor assim como as crianças negligenciadas e emocionalmente abandonadas. Ambos os grupos aprenderam a pensar sobre o amor principalmente em relação aos bons sentimentos, no contexto de recompensa e punição. Desde a infância, a maioria de nós se lembra de que nos disseram que éramos amados quando fizemos coisas agradáveis para nossos pais. E aprendemos a dar-lhes afirmações de amor quando elas nos agradavam. À medida que as crianças crescem, associam mais o amor a atos de atenção, afeição e carinho. Eles ainda veem os pais que tentam satisfazer seus desejos como dando amor.

Crianças de todas as classes me dizem que amam seus pais e são amadas por eles, mesmo aqueles que estão sendo feridos ou abusados. Quando solicitados a definir amor, as crianças pequenas concordam que é uma sensação boa, “como quando você tem algo para comer que realmente gosta”, especialmente se for a sua f-a-v-o-r-i-t-a. Eles dirão: “Minha mãe me ama porque ela cuida de mim e me ajuda a fazer tudo certo”. Quando perguntados sobre como amar alguém, eles falam sobre dar abraços e beijos, serem gentis e fofinhos. A noção de que o amor é conseguir o que se quer, seja um abraço, um novo suéter ou uma viagem à Disneylândia, é uma maneira de pensar sobre o amor que dificulta que as crianças adquiram uma compreensão emocional mais profunda.

Gostamos de imaginar que a maioria das crianças nascerá em lares onde serão amadas. Mas o amor não estará presente se os adultos que são pais não souberem amar. Embora muitas crianças sejam criadas em lares onde recebem algum grau de cuidado, o amor pode não ser sustentado ou mesmo presente. Adultos de todas as classes, raças e gêneros denunciam a família. O testemunho deles transmite mundos da infância em que faltava amor — onde o caos, a negligência, o abuso e a coerção reinavam supremos. Em seu livro recente Raised in Captivity: Why America Fail Your Children?, Lucia Hodgson documenta a realidade do desamor na vida de uma grande maioria de crianças nos Estados Unidos. Todos os dias, milhares de crianças em nossa cultura são abusadas verbal e fisicamente, morrem de fome, são torturadas e assassinadas. Eles são as verdadeiras vítimas do terrorismo íntimo, pois não têm voz coletiva nem direitos. Eles continuam sendo propriedade de pais para estes fazerem o que quiserem com seus filhos.

Não pode haver amor sem justiça. Até vivermos em uma cultura que não apenas respeite, mas também defenda os direitos civis básicos das crianças, a maioria das crianças não conhecerá o amor. Em nossa cultura, a habitação familiar privada é a esfera institucionalizada do poder que pode ser facilmente autocrática e fascista. Como governantes absolutos, os pais geralmente podem decidir, sem qualquer intervenção, o que é melhor para os filhos. Se os direitos da criança são retirados em qualquer lar doméstico, eles não têm recurso legal. Ao contrário das mulheres que podem se organizar para protestar contra o domínio sexista, exigindo direitos e justiça, as crianças só podem contar com adultos bem-intencionados para ajudá-las se estiverem sendo exploradas e oprimidas em casa.

Todos sabemos que, independentemente de classe ou raça, outros adultos raramente intervêm para questionar ou desafiar o que seus colegas estão fazendo com “seus” filhos.

Em uma festa divertida, principalmente de profissionais educados e bem remunerados, em uma noite multiracial e multigeracional, foi abordado o assunto de disciplinar as crianças através da punição física. Quase todos os convidados com mais de trinta anos falaram sobre a necessidade de usar castigos físicos. Muitos de nós na sala fomos agredidos, açoitados ou espancados quando crianças. Os homens falavam mais alto em defesa do castigo físico. As mulheres, principalmente as mães, falavam na agressão como último recurso, mas que elas empregavam quando necessário.

Enquanto um homem se gabava dos espancamentos agressivos que recebeu de sua mãe, compartilhando que “eles haviam sido bons para ele”, eu interrompi e sugeri que ele talvez não fosse um misógino odiador de mulheres que ele é hoje se não tivesse sido brutalmente espancado por uma mulher quando criança. Embora seja muito simplista supor que, só porque somos agredidos quando crianças, seremos pessoas que agridem, eu queria que o grupo reconhecesse que ser fisicamente ferido ou abusado por adultos quando somos crianças tem consequências prejudiciais em nossa vida adulta.

Uma jovem profissional, mãe de um menino pequeno, gabou-se do fato de não o agredir, mas quando o filho se comportou mal, ela o segurou e o beliscou até que ele entendesse a mensagem. Mas isso também é uma forma de abuso coercitivo. Os outros convidados apoiaram essa jovem mãe e seu marido em seus métodos. Fiquei espantada. Eu era uma voz solitária falando pelos direitos das crianças.

Mais tarde, com outras pessoas, sugeri que, se todos estivéssemos ouvindo um homem nos dizer que, toda vez que sua esposa ou namorada fizesse algo que ele não gosta, ele apenas a segura e a belisca o mais forte que pode, todo mundo ficaria horrorizado. Eles teriam visto a ação como coercitiva e abusiva. No entanto, eles não podiam reconhecer que era errado um adulto machucar uma criança dessa maneira. Todos os pais naquela sala afirmam que estão amando. Todas as pessoas naquela sala tinham formação superior. A maioria se diz bons liberais, apoiadores dos direitos civis e do feminismo. Mas quando se tratava dos direitos das crianças, elas tinham um comportamento diferente.

Um dos mitos sociais mais importantes que devemos desmascarar para nos tornarmos uma cultura mais amorosa é aquele que ensina aos pais que o abuso e a negligência podem coexistir com o amor. Abuso e negligência negam o amor. Cuidado e afirmação, o oposto de abuso e humilhação, são o fundamento do amor. Ninguém pode legitimamente alegar ser amoroso quando se comporta de maneira abusiva. No entanto, os pais fazem isso o tempo todo em nossa cultura. Dizem às crianças que são amadas, mesmo sendo abusadas.

É um testemunho do fracasso da prática amorosa de que o abuso está acontecendo em primeiro lugar.

Muitos dos homens que prestam seu testemunho pessoal em Boyhood, Growing Up Male contam histórias de abuso violento aleatório por parte de pais que infligiram trauma. Em seu ensaio “When My Father Hit Me”, Bob Shelby descreve a dor de espancamentos repetidos por seu pai, afirmando: “Através dessas experiências com meu pai, eu aprendi sobre o abuso de poder. Ao agredir fisicamente minha mãe e eu, ele efetivamente nos impediu de reagir à sua humilhação por nós. Paramos de protestar a suas violações de nossos limites e por seu ato de ignorar nosso senso de ser indivíduos com necessidades, demandas e direitos próprios”. Ao longo de seu ensaio, Shelby expressa entendimentos contraditórios sobre o significado do amor. Por um lado, ele diz: “Não tenho dúvidas de que meu pai me amava, mas seu amor se tornou mal direcionado. Ele disse que queria me dar o que não teve quando criança”. Por outro lado, Shelby confessa: “O que ele mais me mostrou, no entanto, foi sua dificuldade em ser amado. Durante toda a sua vida ele lutou com sentimentos de não ser amado”. Quando Shelby descreve sua infância, fica nítido que seu pai gostava dele e também lhe dava atenção algumas vezes. No entanto, seu pai não sabia como dar e receber amor. O carinho que ele deu foi prejudicado pelo abuso.

Escrevendo a partir do espaço da lembrança de um adulto, Shelby fala sobre o impacto do abuso físico em sua psique na infância: “À medida que a intensidade da dor de suas agressões aumentava, senti a dor no meu coração. Percebi o que mais me machucava era os sentimentos de amor por esse homem que estava me agredindo. Eu cobri meu amor com um pano escuro de ódio.” Uma história semelhante é contada por outros homens em narrativas autobiográficas — homens de todas as classes e raças. Um dos mitos sobre a falta de amor é que ela existe apenas entre os pobres. No entanto, o desamor não é uma função da pobreza ou da falta material. Em lares onde abundam privilégios materiais, as crianças sofrem negligência e abuso emocional. A fim de lidar com a dor das feridas infligidas na infância, a maioria dos homens de Boyhood procurou alguma forma de tratamento terapêutico. Para encontrar o caminho de volta ao amor, eles tiveram que se curar.

Muitos homens em nossa cultura nunca se recuperam do que os foi infligido na infância. Estudos mostram que homens e mulheres que são violentamente humilhados e abusados repetidamente, sem intervenção cuidadosa, provavelmente serão desestruturados e estarão predispostos a abusar outros violentamente. No livro de Jarvis Jay Masters, Finding Freedom: Writings from Death Row, um capítulo chamado “Scars” [Feridas] relata seu reconhecimento de que a grande maioria das cicatrizes que cobriam os corpos dos companheiros de prisão (nem todos os que estavam no corredor da morte) não foram, como se pode pensar, o resultado de interações violentas com adultos. Esses homens estavam cobertos de cicatrizes de espancamentos que receberam enquanto crianças, que foram infligidos por seus pais adultos. No entanto, ele relata que nenhum deles se viu vítima de abuso: “Ao longo de meus muitos anos de institucionalização, eu, como tantos desses homens, inconscientemente refugiei-me atrás dos muros da prisão. Não até ler uma série de livros para adultos que foram abusados quando crianças, eu me comprometi com o processo de examinar minha própria infância”. Organizando os homens para discussão em grupo, Masters escreve: “Conversei com eles sobre a dor que havia sofrido em mais de uma dúzia de instituições. E expliquei como todos esses eventos acabaram me prendendo a um padrão de agressão contra tudo”. Como muitas crianças vítimas de abuso, homens e mulheres, esses homens foram espancados por mães, pais e outros responsáveis.”

Quando a mãe de Masters morreu, ele sentiu tristeza por não poder estar com ela. Os outros presos não entenderam esse desejo, pois ela o negligenciou e abusou dele. Ele responde: “Ela havia me negligenciado, mas eu devo me negar também negando que desejando estar com ela quando ela morreu, que ainda a amo?” Mesmo no corredor da morte, o coração de Masters permanece aberto. E ele pode honestamente confessar o desejo de dar e receber amor. Ser machucado por pais adultos raramente altera o desejo de uma criança de amar e ser amada por eles. Entre os adultos que foram feridos na infância, o desejo de ser amado por pais que não foram afetuosos persiste, mesmo quando há uma nítida aceitação da realidade de que esse amor nunca acontecerá.

Muitas vezes, as crianças vão querer permanecer com pais e mães que os feriram por causa de seus sentimentos investidos emocionalmente a esses adultos. Eles se apegam à suposição equivocada de que seus pais os amam mesmo diante da lembrança do abuso, geralmente negando o abuso e concentrando-se em atos aleatórios de cuidado.

No prólogo de Creating Love, John Bradshaw chama essa confusão sobre o amor de “mistificação”. Ele compartilha: “Fui criado para acreditar que o amor está enraizado nos relacionamentos de sangue. Você naturalmente amava alguém em sua família. O amor não era uma escolha. O amor que aprendi estava vinculado com dever e obrigação… Minha família me ensinou as regras e crenças de nossa cultura sobre o amor… mesmo com as melhores intenções, nossos pais muitas vezes confundem amor com o que agora chamaríamos de abuso. “Para desmistificar o significado do amor, a arte e a prática de amar, precisamos usar definições sonoras de amor ao conversar com crianças, e também precisamos garantir que a ação amorosa nunca seja contaminada pelo abuso.

Em uma sociedade como a nossa, onde as crianças são negadas plenos direitos civis, é absolutamente crucial que pais adultos aprendam a oferecer disciplina amorosa. Estabelecer limites e ensinar as crianças a estabelecer limites para si mesmas antes do mau comportamento é uma parte essencial da criação amorosa de filhos. Quando os pais começam a disciplinar os filhos usando o castigo, esse é o padrão para o qual as crianças reagem. Pais amorosos trabalham duro para disciplinar sem punição. Isso não significa que eles nunca punem, apenas que, quando o fazem, escolhem punições como “tempo para pensar” ou retirada de privilégios. Eles se concentram em ensinar as crianças a imporem a si mesmo disciplina e a assumir a responsabilidade por suas ações. Como a grande maioria de nós foi criada em famílias onde o castigo era considerado o principal, se não o único, modo de ensinar disciplina, o fato de que a disciplina pode ser ensinada sem castigo surpreende muitas pessoas. Uma das maneiras mais simples de as crianças aprenderem a disciplina é aprender a serem ordenadas na vida cotidiana, a limpar qualquer sujeira que elas cometam. Apenas ensinar uma criança a assumir a responsabilidade de colocar os brinquedos no local apropriado após a brincadeira é uma maneira de ensinar responsabilidade e autodisciplina. Aprender a limpar a bagunça feita durante a brincadeira ajuda a criança a aprender a ser responsável. E eles podem aprender com este ato prático como lidar com a bagunça emocional.

Havia programas de televisão atuais que realmente davam um molde da maternidade e paternidade amorosa, as mães e os pais podiam aprender essas habilidades. Os programas de televisão voltados para famílias geralmente representam favoravelmente as crianças quando são muito indulgentes, são desrespeitosas ou dão piti. Com frequência, eles se comportam de maneira mais adulta que os pais. O que vemos na televisão hoje na verdade, na melhor das hipóteses, modela para nós comportamentos inadequados e, na pior das hipóteses, comportamentos desamorosos. Um ótimo exemplo disso é um filme como Esqueceram de Mim, que celebra desobediência e violência. Mas a televisão pode retratar uma interação familiar carinhosa e amorosa. Há gerações inteiras de adultos que falam nostalgicamente sobre como eles queriam que suas famílias fossem como os retratos fictícios da vida familiar retratados em Leave It to Beaver ou Meus Filhos e Eu. Queríamos que nossas famílias fossem como as que vimos na tela porque estávamos testemunhando pais e mães amorosos, famílias amorosas. Expressando aos pais e mães nosso desejo de ter famílias como as que vimos na tela, muitas vezes nos diziam que as famílias não eram realistas. A realidade era, no entanto, que os pais e as mães que vêm de lares sem amor nunca aprenderam a amar e não podem criar ambientes domésticos amorosos ou vê-los como realistas quando os assistem na televisão. A realidade com a qual eles estão mais familiarizados e confiam é o que eles conheciam intimamente.

Não havia nada de utópico na maneira como os problemas eram resolvidos nesses programas. Discussão entre pais e filhos, reflexão crítica e encontrando uma maneira de fazer as pazes geralmente era o processo pelo qual o mau comportamento era tratado. Nos dois shows, nunca houve apenas uma figura parental. Mesmo que a mãe estivesse ausente em Meus Filhos e Eu, o adorável tio Charlie era um segundo pai. Em uma família amorosa, onde há vários responsáveis, quando uma criança sente que um dos pais está sendo injusto, ela pode apelar a outro adulto para mediação, compreensão ou apoio. Vivemos em uma sociedade onde há um número crescente de pais e mães solos, mulheres e homens. Mas o pai ou a mãe sempre podem escolher um amigo para ser outra figura parental, por mais limitada que seja a interação deles. É por isso que as categorias de madrinha e padrinho são tão cruciais. Quando minha melhor amiga de infância optou por ter um filho sem o pai na casa, eu me tornei madrinha, uma segunda figura parental.

A filha da minha amiga se vira para mim para intervir se houver um mal-entendido ou falta de comunicação entre ela e a mãe. Aqui está um pequeno exemplo. Minha amiga nunca recebeu uma mesada quando criança e não achava que tinha o dinheiro extra disponível para oferecer uma mesada à filha. Ela também acreditava que a filha usaria todo o dinheiro para comprar doces. Ao me dizer que a filha dela estava brava com ela por causa dessa questão, ela abriu espaço para que tivéssemos um diálogo. Eu compartilhei minha crença de que mesada é uma maneira importante de ensinar às crianças disciplina, limites e trabalhar com desejos contra necessidades. Eu sabia o suficiente sobre as finanças de minha amiga para contestar sua insistência de que ela não podia pagar uma pequena quantia, enquanto a encorajava a não projetar os erros de sua infância no presente. Quanto a saber se a filha compraria doces, eu sugeri que ela desse a mesada com uma declaração de esperança de que não seria usado para autoindulgência e ver o que aconteceria.

Tudo acabou muito bem. Feliz por ter uma mesada, a filha optou por economizar seu dinheiro para comprar coisas que considerava realmente importantes. E doces não estavam nessa lista. Se não houvesse outra figura parental adulta envolvida, as duas poderiam levar mais tempo para resolver esse conflito, e estranhamento e ferimentos desnecessários poderiam ter ocorrido. Significativamente, o amor e a interação respeitosa entre dois adultos exemplificaram formas de solução de problemas da filha (que foi informada sobre a discussão). Ao revelar sua disposição de aceitar críticas e sua capacidade de refletir sobre seu comportamento e mudança, a mãe modelou para a filha, sem perder dignidade ou autoridade, o reconhecimento de que os pais nem sempre estão certos.

Até começarmos a ver pais e mães amorosos em todas as esferas da vida em nossa cultura, muitas pessoas continuarão a acreditar que só podemos ensinar disciplina através do castigo, e que o castigo severo é uma maneira aceitável de se relacionar com as crianças. Como as crianças podem oferecer carinho ou responder de maneira afetuosa ao devolvê-lo, muitas vezes se supõe que eles sabem amar e, portanto, não precisam aprender a arte de amar. Embora a vontade de amar esteja presente em crianças muito pequenas, elas ainda precisam de orientação nos caminhos do amor. Os adultos fornecem essa orientação.

O amor é como o amor é, e é nossa responsabilidade dar amor às crianças. Quando amamos crianças, reconhecemos por todas as nossas ações que elas não são propriedade, que têm direitos — que respeitamos e que defendemos seus direitos.

Sem justiça, não pode haver amor.

Arte por Raychelle Duazo

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Carol Correia
ẸNUGBÁRIJỌ

uma coleção de traduções e textos sobre feminismo, cultura do estupro e racismo (em maior parte). email: carolcorreia21@yahoo.com.br