É dever da família e da sociedade denunciar casos de violência sexual infanto-juvenil

Projeto Etcetera
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5 min readJun 6, 2022

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Em entrevista, conselheira tutelar fala da realidade no combate à violência sexual infanto-juvenil.

Por Sophia Botelho

Foto: Campanha Abrinq

De acordo com a Unicef Brasil, a maioria dos casos de violência sexual contra a criança ocorre na residência da vítima. E para os casos em que há informações sobre a autoria dos crimes, 86% dos autores são conhecidos. Diante desse cenário, a campanha nacional “Maio Laranja” é dedicada para enfatizar a conscientização do combate ao abuso e à exploração sexual infanto-juvenil.

Em entrevista, Edileuza Laurindo, conselheira tutelar que atua no município de Aliança (PE), desde 2016, abordou um pouco sobre a luta enfrentada diariamente pelos órgãos de proteção, e como a sociedade, por meio de denúncias, pode ser aliada da Justiça.

Como é possível identificar uma criança que é vítima de abuso sexual dentro do próprio âmbito familiar?

Quando uma criança ou adolescente sofre abuso, a mudança de comportamento é muito visível. Ela fica deprimida, e a maioria, por causa de ameaça, fica com medo de falar. Quando você perceber isso, tem que observar e socorrer. Tentar, de certa forma, descobrir o que de fato está acontecendo e, se realmente houve o abuso, denuncie.

A luta contra esse tipo de crime torna-se mais difícil por se tratar de uma violação dentro do ambiente doméstico?

Muito difícil. Nem sempre a família quer denunciar o criminoso, porque às vezes é um pai, um tio. Então a gente encontra um desafio diante dessas situações. É por isso que são os vizinhos que denunciam. A própria família não quer denunciar porque para eles é vergonhoso e constrangedor. Alguns preferem ficar quietos, calados e manter a criança ou o adolescente de boca fechada para que não haja um constrangimento diante da sociedade.

Como o Conselho Tutelar age perante casos de violência sexual infantil no âmbito familiar?

A gente [Conselho Tutelar] trabalha por meio de denúncias. Somos uma porta de entrada para denúncias de abuso e exploração sexual. Quando uma criança ou um adolescente está com suspeita de abuso, alguém irá fazer uma denúncia. E, quando ela chegar até o conselho, encaminhamos — por meio de ofícios — a situação para a delegacia, onde é feito o registro do boletim de ocorrência. São feitos exames de corpo de delito e um acompanhamento com o CREAS (Centro de Referência Especializado em Assistência Social). São esses profissionais que vão detectar, por meio dos exames e da escuta psicológica, se aquela vítima sofreu um abuso.

Como deve ser feito o apoio para a criança que está sofrendo ou sofreu violação sexual por parte de algum parente?

Quando a gente recebe essa denúncia, que a criança ou o adolescente está residindo dentro da casa junto com o abusador ou próximo a ele, o Conselho Tutelar encaminha a denúncia para a delegacia e para o CREAS. Porém, se percebemos — diante de todo o contexto — que a vítima está em risco, fazemos o encaminhamento e, de imediato, retiramos o menor daquele meio familiar. Procuramos um parente que traga segurança e acolhimento para conduzi-lo, até que o judiciário determine onde e com quem a vítima vai ficar. A partir de então, os órgãos de proteção, como o CREAS e o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), irão trabalhar, não só para proteger a criança, mas também para aliviar o trauma que traz sequelas e fica pelo resto da vida. Eles vão trabalhar com atendimento psicológico, com a vítima e com a família, fazendo acompanhamentos.

Qual deve ser o papel da sociedade perante casos como esse?

Denunciar. A denúncia muda a vida de uma criança ou de um adolescente. E não só esperar pela família da vítima. Há pessoas que dizem “não denuncio porque não tenho nada a ver com a família”, mas o Estatuto da Criança e do Adolescente diz que é dever da família e da sociedade proteger essa criança. A responsabilidade não é só dos pais. Só que algumas pessoas têm medo de denunciar, têm medo de ameaças. Recebemos inúmeras denúncias anônimas e é por meio delas que a gente tem conseguido salvar vidas.

Como prevenir casos de abuso infantil?

É importante que os pais e responsáveis observem em quem aquela criança tem olhado. Ficar próximo, não tirando sua privacidade, mas ficar atento com quem as crianças estão convivendo e se comunicando. Principalmente nas redes sociais. Isso previne, porque em qualquer fala da criança, os responsáveis têm que estar atentos e dialogar, ter aquela atenção voltada.

Por que a educação sexual é tão importante para proteger as crianças e adolescentes?

Porque quando é passado para eles essa educação sexual, eles vão evitar sequelas. É importante os responsáveis se sentarem com os seus filhos e trazer para eles um diálogo aberto da vida, da educação sexual, para que eles entendam.

Quais são os melhores meios de combater a violência sexual infantil?

Um dos melhores meios para combater é através da mídia, que ao ser bem aproveitada, torna-se um canal de grande importância, trazendo esclarecimento para a população. O diálogo dos pais e responsáveis, a educação e ensinamentos na escola também são meios. Não é só o dia 18 ou só o Mês Laranja. Durante todos os dias devemos estar nessa campanha, porque, a cada dia, o número de casos de violência sexual infanto-juvenil tem se agravado.

No mês de maio é celebrado o Maio Laranja. Qual a importância dessa campanha e o que ela representa na luta contra o abuso sexual de crianças e adolescentes?

A flor laranja representa a delicadeza e a inocência dessa classe que precisa tanto da nossa proteção. Essa cor laranja é justamente para chamar a atenção da sociedade diante do que estamos vivenciando hoje. Crianças e adolescentes que são abusados, explorados, têm os seus direitos violados. Por isso esse Mês Laranja é de suma importância. Para que haja um despertamento da população, e para que haja um olhar nos jovens que estão sofrendo e precisam de ajuda.

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Disque 100

Como nos casos de racismo, homofobia e outras violações de direitos humanos, qualquer cidadão pode fazer uma denúncia anônima sobre casos abuso infantil pelo Disque 100. A denúncia será analisada e encaminhada aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização em direitos humanos, respeitando as competências de cada órgão.

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Conteúdo jornalístico desenvolvido pelo curso de Comunicação Social da Uninassau João Pessoa