A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

Gerson Souza Cruz
E Outras Coisas
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4 min readJul 29, 2020

Resenha crítica por Gerson Souza Cruz

Suzanne Collins, autora da trilogia ‘Jogos Vorazes’, retorna à Panem com o mais novo livro: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes.

Nesse tão esperado retorno da história pelos fãs, acompanhamos a 10ª edição dos Jogos Vorazes que, para a decepção de muitos, é narrado pela visão de Coriolanus Snow. Sim, o ditador que conhecemos durante a trilogia inteira de “Jogos Vorazes”. Vemos o início da glamourização dos Jogos Vorazes e como a Capital passou a enxergar tudo isso como um show de entretenimento.

Em quase 600 páginas, o livro é dividido em três partes: introdução à vida de Snow, os Jogos Vorazes, e o pós Jogos seguido da conclusão da narrativa.

Vale lembrar antes…

Panem, um país construído das ruínas da Carolina do Norte (EUA), é dividido em 13 Distritos. Cada um deles é obrigado a fornecer algo para a Capital, a grande metrópole liderada por um ditador chamado Snow. Em troca, a Capital “zela” pela segurança dos habitantes dos Distritos e fornece-lhes suprimentos básicos — desde os artigos de luxo do Distrito 1 às minas de carvão do Distrito 12.

Em cada Distrito, são escolhidas duas pessoas, de sexos diferentes — os chamados Tributos — para participar dos Jogos Vorazes. Cada participante entra numa ‘arena’ com todos os tipos de armas. A ideia é que sobreviva somente um, ou seja, o jogo consiste em eliminar todos os adversários. (No total, são 24 participantes, já que o Distrito 13 não existe mais).

No primeiro livro “Jogos Vorazes” acompanhamos Katniss Everdeen, uma jovem que se voluntaria para ser o tributo feminino do Distrito 12 no lugar de sua irmã mais nova, Primrose.

A partir daí, vemos o relacionamento entre Katniss e Peeta Mellark, tributo masculino de seu Distrito, passando pelos Jogos no primeiro livro, retornando à arena no segundo livro “Em Chamas”, e sobrevivendo à uma revolução no último livro “A Esperança”.

Trilogia “Jogos Vorazes”. Crédito: Ilustração

Primeira Parte

Começamos a história conhecendo o mundo do Coriolanus Snow, que quase 10 anos após a guerra dos Distritos contra a Capital vive uma vida precária, pois todo o investimento de sua família estava no Distrito 13, destruído completamente pelo combate no país. Porém, apesar de sua realidade, Snow sobrevive de seu charme, enganando a maioria de que sua vida é perfeita.

E, então, como estudante da Academia da Capital, Snow e mais 11 colegas são escolhidos para serem mentores dos tributos da 10ª edição dos Jogos Vorazes, assim fortalecendo a construção de uma personalidade fascista que conhecemos décadas depois.

Sendo mentor dos Jogos, Snow vê ali uma oportunidade de ganhar uma bolsa na Universidade, já que ele não tinha condições de pagar por uma vaga, na oportunidade de reerguer o sobrenome de sua família.

A todo momento percebemos que Snow, moldado pela forma elitista da Capital, simplesmente ‘caga’ para todo mundo na história, sempre pensando em si mesmo e em como conseguir prestígio e poder, mas obviamente de uma forma mais infantil, que aos poucos é alimentada pela Doutora Gaul, idealizadora do Jogos e grande influência na construção da personalidade de Snow.

Segunda Parte

Finalmente chegamos aos Jogos Vorazes, e a escritora traz uma grande reflexão sobre a trilogia, onde há toda uma glamourização dos Jogos e dos Tributos. Aqui, vemos uma realidade completamente oposta, onde os Jogos Vorazes são evitados por todos os Distritos. Os tributos são tratados como animais, chegando até passar fome por dias, tendo como recompensa apenas a volta para casa.

A Capital, sabendo da atual realidade, resolve envolver também os seus jovens como mentores, numa estratégia para tornar os Jogos mais atraentes para o público, pensando não só em fins lucrativos (já que, assim como todo o país, boa parte da Capital ainda está se reerguendo da guerra), mas também como uma forma de demonstrar o controle total do poder.

Voltando ao Snow, ele é escolhido como mentor do tributo feminino do Distrito 12, Lucy Gray, que ele pensa não ser capaz de vencer os Jogos, estragando seus planos de conseguir a bolsa na faculdade.

Porém, o envolvimento de Snow com Lucy Gray passa a ser além de como vencer os Jogos Vorazes. Snow questiona se ele realmente sente alguma coisa por Lucy ou se tudo aquilo é apenas uma forma de ele conseguir público suficiente para se tornar o mentor vencedor dos Jogos, já que grande parte de seus movimentos para com o seu Tributo é televisionado.

Terceira Parte

A última parte do livro pode parecer um pouco desnecessária no começo, mas serve para a grande formação do grande ditador que Coriolanus Snow é. Conhecemos um adolescente com características sociopatas, que aos poucos é alimentado sobre ideais de hierarquia num governo opressor.

A visão distorcida da realidade que é apresentada ao Snow se concretiza quando ele é colocado no meio de uma guerra de ideais, renunciando à vida de pessoas para conseguir os três C’s que lhe são apresentados como base para uma sociedade: controle, caos e contrato.

Capa de “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”. Crédito: Ilustração

Por fim…

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes traz uma desconstrução da romantização que foi dada na franquia Jogos Vorazes, e busca uma maior representação política de uma forma tão cruel, mas ainda assim verdadeira e presente no nosso cotidiano, e a construção de um ditador moldado no sistema hierárquico de um governo opressor.

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Gerson Souza Cruz
E Outras Coisas

Jornalista em construção; cinéfilo metido a crítico