"A moda é, sobretudo, para pessoas"

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5 min readJun 6, 2022

Organizadora do Fashion Revolution, Ana Lívia Macêdo nos diz que é preciso pensar a moda como uma manifestação cultural

Texto de Karine Andrade

Foto: Arquivo Pessoal

Iniciativas como a Semana Fashion Revolution, promovida por estudantes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), têm como objetivo trazer questionamentos para pensarmos numa moda como um processo de manifestação pessoal. Para além dos estereótipos, é preciso debater o tema a partir de uma responsabilidade social, sustentável e democrática.

Esse é o pensamento da estudante de Jornalismo Ana Lívia Macêdo (21), que é e editora-chefe da Revista Maria Bonita. Em entrevista ao etcetera, Ana Lívia nos conta como a moda está presente na vida de milhares de pessoas, de todas as classes sociais. Também aborda sobre o projeto Fashion Revolution e a revista Maria Bonita.

Qual a sensação de ter realizado a Semana Fashion Revolution e qual o impacto que isso gerou, na sua percepção?

O Fashion Revolution ofertou essa oportunidade para estudantes embaixadores. Eu sentia muita falta desse tipo de discussão aqui na Paraíba, então pensei “se nunca ninguém fez, por que não trazer?”. Tive o apoio de algumas professoras e colegas de curso, do centro acadêmico.

O principal impacto foi chegar no dia e ver tantas pessoas ali, para falarem sobre moda, entender que esse tema também é possível de ser discutido. Ver que não estamos sós e que há outras pessoas que se interessam por isso, apesar de tanta gente ainda achar que é futilidade. Outro ponto tratado lá foi sobre entender a moda como um aspecto mais amplo, como comunicação e identidade.

Impacto que também gerou foi pensar mais nesse processo produtivo das nossas roupas, sobre de quem são as mãos engajadas. Além de deixar essa iniciativa para outros estudantes, sobre realizarem o Fash Rev, que é algo extremamente possível e bacana.

Hashtags como #QuemFezMinhasRoupas, #DoQueSãoFeitasMinhasRoupas, #QualACorDeQuemFezMinhasRoupas foram abordadas durante o Fashion Revolution, que ocorreu em abril deste ano. O evento contou com a forte presença de mulheres transexuais, negras e envolvidas no meio da moda paraibana. + Informações: http://www.ccta.ufpb.br/ccta/contents/noticias/grupo-de-pesquisa-do-ccta-promove-bate-papo-sobre-moda-e-comunicacao-e-inscricoes-comecam-hoje

Foto: Arquivo Pessoal

De que forma, consciente ou inconsciente, a moda paraibana está presente na vida das pessoas?

O primeiro de tudo é entendermos que a moda como um todo está presente nas nossas vidas. No momento que a gente acorda, o primeiro entendimento do dia é pensarmos o que vamos vestir, ou o que não vestir. Depois, precisamos pensar que a moda é feita por mulheres. A moda, em sua cadeia produtiva, é realizada em sua maioria por mulheres, que costuram e fazem os tecidos. Aí que entra a Paraíba. Quando entendemos os processos que a nossa roupa passa até chegar ao nosso guarda-roupa, consumir uma moda local é um exercício de valorizar nossa terra, nossa essência. Valorizar as mulheres envolvidas nesse processo. A moda paraibana também é muito presente quando vamos numa feirinha de artesanato. Muitas vezes entendemos aquilo sendo apenas para os turistas, esquecendo que é nossa essência e cultura.

Qual foi o intuito da criação da Revista Maria Bonita?

Surge com o intuito de criar uma produção de moda local, que tenha referências da nossa região. Sendo uma produção experimental, para suprir essa lacuna, uma revista pensada numa perspectiva que tivesse totalmente esse formato da Paraíba. Além de pensar nas pautas com esse viés de sustentabilidade, também mostrar de onde estava vindo essa moda. Em uma das matérias, nós fomos até Juarez Távora, município na Paraíba, para conversamos com agricultores que plantam algodão colorido. Então foi um processo de imaginar uma produção de moda com referenciais locais, para mostrar que existe moda sendo feita no Estado, de extrema relevância e que necessita de valorização.

Link da revista: https://drive.google.com/file/d/1RT4Pb3TvLIjB-7vVVRkehtJlnv3DHZQp/view

Nas últimas páginas da Revista Maria Bonita, podemos observar uma crítica à cultura do machismo, que infelizmente é tão enraizada na cultura paraibana. De que modo podemos mudar isso?

O primeiro passo de nos conscientizarmos sobre a cultura do machismo é a educação. O próprio nome da revista, Maria Bonita, traz isso. Muitas pessoas não conhecem, mas a história do cangaço é marcada por machismo. Um dos livros que nos inspirou foi “Maria Bonita”, obra da Adriana Negreiros, onde fala sobre esse aspecto de violência que era reflexo lá no cangaço. Então, às vezes, endeusamos essas mulheres no sentido de colocá-las como heroínas, quando na verdade elas estavam numa posição subserviente a esses homens. Elas sofriam abusos, tratamento inferior, e não havia esse aspecto de resistência que, hoje em dia, nós atrelamos a elas. Então é não romantizarmos isso, apesar de serem mulheres, sim, muito resistentes, mas há lacunas históricas que elas carregam. E o segundo passo, em ano de eleições, não podemos deixar de votar. Políticas públicas e mudanças sociais só são feitas através do voto, e ter um voto consciente, não necessariamente votar em mulheres, mas buscar mulheres cujo discurso esteja alinhado ao feminismo.

Você consegue trazer alguma memória de uma situação especifica que despertou seu olhar para falar sobre a moda paraibana?

Na verdade não houve um momento específico. Porém eu, assim como muitas outras pessoas que gostam de moda, comecei com referenciais estrangeiros, admirando modas de fora do país, como Milão, Paris etc. A partir desse momento, eu fui aprendendo sobre a moda, vendo que existe uma cultura do meu país, da Paraíba. Assim começou o desejo de falar da moda paraibana, principalmente ao ver a falta de visibilidade desse conteúdo que eu queria consumir. Cursar essa área foi a tentativa de suprir algo que não conseguia encontrar.

Foto: Arquivo Pessoal

O que você diria para quem tem o desejo de seguir essa carreira?

O principal da moda é encontrar um propósito. As pessoas têm uma visão de moda muito glamourizada, no sentido de pensar em desfiles, e fashion week, roupas e todo esse glamour que obviamente existe. E é uma estética muito forte. Logo, é uma parte almejada onde crescemos com essas visões de filmes e referenciais como “O Diabo Veste Prada”, onde tudo é brilhante. Mas a moda é, sobretudo, sobre pessoas. No fim, comunicação é sobre prezar por estar comunicando bem. Somos jornalistas, então nosso papel é não se distanciar desse referencial, exercer honestidade com nossas pautas e personagens. Procurar boas referências locais e, quando você encontrar algo que faça sentido para você, seja na moda sustentável, regional, ou falar sobre cooperativa de mulheres, é isso que vai mover seu trabalho e fazer valer a pena no final.

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Conteúdo jornalístico desenvolvido pelo curso de Comunicação Social da Uninassau João Pessoa