Ballroom: movimento independente resiste ao preconceito e entra em ascensão na PB

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6 min readJun 1, 2022

Movimento cultural, um dos símbolos da comunidade LGBTQIA+, realiza oficinas, eventos, produções musicais e utiliza a arte como proteção

Por Luís Gusttavo

Cena Ballroom Parahybana (Foto: Reprodução/Instagram)

A Ballroom se encontra em momento de ascensão no cenário artístico da Paraíba. Embora ainda desconhecido por parte do público, o movimento artístico independente, que integra a cultura LGBTQIA+, proporciona ainda mais brilho e crava consigo a potência dos seus integrantes.

O termo ‘Ballroom’, inclusive, surgiu nos Estados Unidos, tendo como conceito um movimento político que promove a celebração da diversidade de gênero, sexualidade e raça. Um dos pontos principais deste movimento é, principalmente, a inclusão da arte, cultura, criatividade, dança e união.

Destacada pela manifestação do orgulho, glamour e resistência, o movimento surgiu entre os anos 1980 e 1990, no auge do surto do HIV. O espaço é dedicado ao acolhimento, troca de afetos, conscientização e acesso aos serviços de proteção contra a doença.

Marcadas principalmente pela resistência, que é um dos principais pontos da população LGBTQIA+, as casas de ballroom possuem lideranças entre pessoas que são referidas como “mães” ou “pais”, e que proporcionam o apoio e orientação para os seus “filhos”. Na Paraíba, a Casa da Baixa Costura foi criada em 2018, com a mãe Dorot Ruanne.

Prince Vini Baixa Costura, de 21 anos, integra a Casa da Baixa Costura. É estudante de Administração da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e faz parte da comunidade ballroom há dois anos. Em entrevista, ele abordou o movimento cultural, seus altos e baixos, além do processo de crescimento na Paraíba.

Casa da Baixa Costura (Foto: Reprodução/Instagram)

Qual o objetivo principal da cultura ballroom?

O principal objetivo é ser e fazer muitas coisas que a sociedade não faz. Enquanto os outros são super homofóbicos, transfóbicos e racistas, na ballroom a gente gasta as nossas energias em tentar não replicar essas coisas. De maneira geral, o principal objetivo da ballroom é ser um espaço à frente do nosso tempo, o mais saudável possível para os corpos que estão nele — em sua maioria trans, negras e latinas.

Ainda há certo desconhecimento por parte da própria comunidade LGBTQIA+ sobre o movimento. Quais são as ferramentas que vêm sendo utilizadas para alcançar este público?

No geral, temos o início, que são as pessoas que já participam da ballroom chamando outras que elas conhecem — mas não necessariamente alguém que vá participar ativamente da cena. Qualquer pessoa pode contribuir com algo, seja comprando algum ingresso da ball, seja divulgando para as pessoas que ela conhece, e assim vamos fazendo essa rede de contato. Outra forma que temos é lembrar que a ballroom é uma projeção artística e cultural, e tentar ocupar espaços gerais de cultura, e não só lugares alternativos. Você vê a ballroom acontecendo na cultura pop, pessoas querendo realizar eventos em espaços gerais, como a Casa da Pólvora, Usina Cultural Energisa etc.

Falta de visibilidade e investimento para o movimento é palco para diversos debates. Como lidar com isso?

É muito complicado esperar apoio dessas pessoas. Quando a gente se depara com situações de negociação, ou então, por exemplo, quando há editais, quem [são as pessoas que] julgam? Infelizmente, muitas das vezes, a ballroom vai passando pelo apagamento constante. As pessoas do movimento têm consciência de que muitas não ganham um salário mínimo, que não se sustentam apenas de arte. De maneira geral, uma ferramenta muito grande de resistência é a questão de fazer o dinheiro circular dentro das pessoas da ballroom. Uma pagando pela arte, pelo espaço, pelo equipamento da outra. É um consumo consciente do que cada pessoa na cena pode oferecer, e de como ela pode colaborar.

Como vocês, no modo geral, reagem às críticas e à descriminação em torno do movimento?

Boa parte das pessoas já está acostumada a lidar com descriminação, porque é o que a gente passa constantemente, por conta das minorias sociais que cada pessoa faz parte. Como a ballroom visa lidar com isso, temos momentos de roda de conversa, de como funciona a hierarquia de cada casa, de precisar de pessoas que sejam um pouco mais velhas, que às vezes pode ser alguém mais novo, mas que está em um momento diferente. Existem essas pessoas que são significativas, que chamam as outras para conversar, para entender o que acontece. E é muito legal a gente ver esse acolhimento individualizado. Esse acolhimento individual sobre cada um e cada tópico é a grande potência da ballroom.

O que significa o termo ‘Vogue’, dentro da ballroom?

O Vogue representa muito do que são os corpos que estão na ballroom. Ele foi construído desde o início da comunidade, e hoje em dia representa muito do que é essa configuração física. Existem três estilos de Vogue, que são: Old Way, Nee Way e Femme. Representa muito sobre você, em algum momento você vai se encontrar e achar seu estilo. Dentro da ballroom, o Vogue é uma das categorias mais visadas, mais desejadas. É supercompetitivo, é quase um esporte. A performance das pessoas é algo que transmite uma grande energia, é um grande momento de comunidade. Vem a ser muito mais do que uma dança.

Como surgiu a cultura ballroom na Paraíba e o começo da visibilidade?

Em 2018. As pessoas foram se organizando e já tinha um coletivo, a Casa da Baixa Costura que nasceu em 2016, em Campina Grande (PB). E junto com outras pessoas que já eram do cenário alternativo, da cultura de rua, da eletrônica, elas foram se organizando e foram dando início ao que viria ser a ballroom na Paraíba. O momento em que a ballroom começou a ter um pouco mais de projeção foi no início de 2020. Depois veio o hiato da pandemia, em que [o movimento] veio a focar em questões pessoais. E no momento em que a ballroom volta a ferver na Paraíba, lá para outubro de 2021, começam a acontecer as balls, treinos com frequência e o surgimento de novas casas. Temos cinco casas, com seus próprios integrantes, ideais individuais e políticas internas.

Como ocorrem os treinos e oficinas da ballroom?

Os treinos geralmente são em espaços públicos, em praças ou no Espaço Cultural. As oficinas possuem um preço acessível, visando as condições financeiras das pessoas da ballroom. Elas são divulgadas com um tempo de antecedência (um mês ou duas semanas). O ideal é de que, quem dê a oficina, independentemente de ter formação em Dança ou Educação Física, que seja reconhecida por fazer alguma coisa na cena. Isso é bem mais importante do que educação formal. Num todo, a ballroom ainda é uma cultura de rua. A gente não pode esperar que as pessoas tenham diploma para passar o conhecimento. Essa pessoa que tem reconhecimento, estudos para compartilhar, ela já é considerada apta para dar oficinas.

Embora seja um símbolo de resistência e manifesto cultural, existe falta de apoio e incentivo das pessoas da própria comunidade para fazer o movimento ganhar mais notoriedade no cenário paraibano?

Talvez, em alguns momentos, exista uma falta de apoio das pessoas da comunidade, mas isso não é algo que seja ou deva ser visto como negativo. Porque, se uma pessoa da ballroom de repente não consiga se dedicar, o ideal é que a comunidade enxergue isso e pare para pensar se essa pessoa precisa de ajuda, e não só cobrar a participação dela. A gente possui títulos, mas não tem cargos. Não é uma empresa. A comunidade precisa ter uma visão acolhedora com as pessoas que não conseguem estar participando sempre das coisas.

Apesar do pouco tempo desde o surgimento na Paraíba, houve algum crescimento entre o número de participantes? Como é a relação entre vocês?

Houve um crescimento muito grande. Em 2020, éramos em torno de 60 pessoas. Hoje em dia, a gente vê balls com cerca de 200 pessoas. Não necessariamente pessoas ativas da cena, mas com certeza a gente teve um crescimento muito grande de gente que está indo para as balls, assim como para os treinos. A relação, no geral, é muito boa. Enxergo políticas muito positivas. Conversamos sobre coisas necessárias, conseguimos estruturar bem os eventos. Talvez tentar participar de editais maiores, realizar eventos maiores e, além disso, permanecer com as políticas internas de acolhimento.

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Conteúdo jornalístico desenvolvido pelo curso de Comunicação Social da Uninassau João Pessoa