Granjas do Terror: os paióis da tortura na Paraíba

Ítalo Rômany
E Outras Coisas
Published in
3 min readSep 16, 2017

Em julho de 1974, João Dantas percorreu no escuro os 4,5 km que separam o 31º Batalhão de Infantaria Motorizada de Campina Grande (120 km de João Pessoa) da região dos Cuités e Jenipapo, na Estrada do Cardozo, na Paraíba. Encapuzado, conseguiu mapear o trajeto mentalmente porque morava próximo do quartel.

Graças a essa memória, o então ator e diretor de teatro identificou o paiol da empresa Casa B. Bezerra, espécie de armazém de produtos de caça e pesca. Era uma das Granjas do Terror, apelido dado aos aparelhos usados pela repressão em Campina Grande, por onde passaram ao menos dez presos políticos entre 1973 e 1974. Cedidas por empresários da cidade, as granjas ficavam afastadas do centro. Eram lugares aparentemente normais, mas que tinham uma estrutura para abrigar os presos políticos e equipamentos de tortura.

Militante da Ação Popular, Maura Ramos era vigiada desde que voltou a Campina Grande após ser presa em 1968 no congresso clandestino da UNE (União Nacional dos Estudantes), em Ibiúna (SP). Em 29 de abril de 1974, foi abordada por três homens quando saía do trabalho. Encapuzada e algemada, foi jogada dentro de uma Kombi e levada para a granja. Os interrogatórios eram seguidos por agressões físicas, como choques elétricos. Queriam saber sobre os arquivos da AP. Maura foi torturada durante uma tarde inteira até ser levada para o DOI-Codi do Recife, onde permaneceu por 12 dias. Lá, era interrogada a qualquer hora do dia, privada de banho, água e comida.

Em junho de 1992, o médico e professor Firmino Brasileiro confirmou a existência de uma granja na região de Jenipapo, que era usada para abrigar presos políticos em Campina Grande. Em carta enviada ao jornal “A Palavra”, Firmino declarou ter sido chamado pelo major Antônio de Paula Câmara, comandante da guarnição federal do Exército na região, para atender um paciente gravemente ferido nessa casa. Acusado de acompanhar os interrogatórios, o médico negou pertencer a qualquer esquema militar de repressão.

As vítimas de tortura ouvidas pela CEV-PB (Comissão Estadual da Verdade da Paraíba) reconheceram o sargento Francisco de Assis Oliveira Marinho, o sargento Marinho, como um dos torturadores. Ele era subordinado ao major Câmara, que morreu em setembro de 1974 em acidente de carro na BR-101, no Rio Grande do Norte. Hoje com 75 anos, ele vive na cidade de Aquiraz (36 km de Fortaleza). É conhecido como Doutor Marinho. Em 2012, foi candidato a vereador — obteve apenas 41 votos. Marinho não foi localizado pela reportagem para falar sobre a Granja do Terror.

A Comissão Estadual da Verdade não tem provas que as Granjas do Terror usadas por militares em Campina Grande pertenciam a comerciantes da cidade. Dantas, sobrevivente das torturas nesses aparelhos clandestinos, diz não ter “nenhuma dúvida” sobre a propriedade dos imóveis, atribuída aos donos das empresas B. Bezerra Caça e Pesca e Manoel Ferreira Comércio, ambas abertas durante o período militar. Para ele, as relações envolviam a negociação de armas e explosivos. “Eram pessoas que tinham uma ligação forte com o Exército, no sentido de ter alguma proteção ao comércio que eles desenvolviam”, afirma.

Manoel Bezerra, um dos donos da B. Bezerra Caça e Pesca e apontado como proprietário da granja, morreu em 2004. Seu filho Emannuel Bezerra vive em Maceió (AL), onde tem uma loja de caça, pesca e camping. Ele confirmou que a família tinha um sítio na região de Cuités que foi vendido há mais de 40 anos. Emannuel disse que desconhece a relação do seu pai com o regime militar e que não sabe se o local era usado para realização das torturas.

Texto publicado no UOL TAB, na reportagem especial O Mapa da Morte, da equipe Eder Content. Confira o texto completo em: https://tab.uol.com.br/mapa-da-morte-3/#tortura-maxima

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