Afetividade, Sexualização e Solidão: As agulhas que costuram a Identidade Negra Feminina.

Kinaya Black
Kinaya Black
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3 min readJan 26, 2019

Não foi me embranquecendo que consegui superar meu sentimento de inferioridade em relação às mulheres brancas. Tornar-se o outro é uma atitude radical, impulsionada por muitos motivos, como a falta de compreensão, respeito, direitos sociais e também amor. Mulheres negras têm suas liberdades roubadas desde crianças: na escola, nas brincadeiras, nas ruas. São proibidas de viver a infância como as outras, rejeitadas pelo seu tom de pele, rejeitadas pelo seu crespinho, seja de que classe socioeconômica elas venham, o racismo sempre está nos olhos, nas palavras e nos atos do opressor. E assim as mulheres crescem, pensando que não poderão viver sua negritude.

Nos embranquecem durante toda a vida, nos fazem pensar que somos menores, nos fazem querer ter o corpo atraente. Nos fazem cair na grande ilusão de que ao atingir o estereótipo do corpo negro, a famosa “negona”, seremos amadas. Uma mentira construída no período escravocrata, que diz que nosso corpo é exótico, devendo ser explorado, mas o grande ponto não nos contam, não éramos amadas, éramos estrupadas pelo senhores de escravos, ou por qualquer outro homem, que contribuiu para que até hoje nós, mulheres negras, sejamos símbolos sexuais e não afetivos, pois as brancas são para casar!

O racismo é um sistema de opressão presente em todos os lugares e na afetividade, ele acaba que influenciando nas escolhas afetivo-sexuais das pessoas. Segundo Elza Berquo, que escreveu Nupcialidade da população negra no Brasil, as mulheres pretas e pardas, de acordo com o censo do IBGE de 1980 na Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, concentram um número maior de solteiras em relação às mulheres brancas, ou seja, mulheres negras estão atrás das brancas e das pardas na escolha afetiva e matrimonial. A pesquisa foi realizada apenas em quatro estados brasileiros, o que nos faz olhar para outros campos em que o preconceito racial é explícito e amplamente divulgado.

Qual é o padrão de mulher que vemos casando, trabalhando em cargos altos, curtindo em lugares luxuosos na mídia? Não é comum vermos mulheres negras representando esses papéis, não falo apenas do cinema e da televisão, mas também das propagandas de publicidade. Como é a maioria das famílias que aparecem nos porta-retratos das lojas de 1,99? Claro que há famílias afro centradas, atrizes negras, modelos, médicas, arquitetas, advogadas, empregadas domésticas. O que essas mulheres têm em comum? Todas em algum momento da vida têm mais chances de serem oprimidas, têm mais chances de serem violentadas, devido o sistema racista perpetuado em nossa sociedade, que denominou às mulheres negras ao estereótipo do trabalho subalterno e sexual.

Durante o descobrimento do ser mulher negra, enfrentamos diversos desafios, os quais conseguimos ao longo da resistência desconstruir e tirar de dentro de nós. O desafio da busca por um relacionamento afetivo, é influenciada pelo padrão de vida e beleza tido como ideal pela sociedade, desse modo as mulheres negras reproduzem o racismo duplamente, no ato do embranquecimento para tentar encontrar um parceiro(a) e ao rejeitar parceiros(os) negros(as) que as procuram.

O maior motivo para mulheres negras serem procuradas apenas para momentos passageiros, é o mito de que nosso corpo é diferente do das mulheres brancas, somos selvagens, somos primitivas, somos sexualizadas pelo homens. Essa construção sexista se tornou tão forte na sociedade patriarcal que chegamos a ser sexualizadas por homens negros, que também têm seus corpos sexualizados, que vieram juntos de nós ao Brasil com a promessa de trabalho e melhoria de vida, ao invés disso, os brancos construíram o racismo e deixaram de presente para seus filhos a ideologia sexista em cima de nossos corpos.

Ainda não somos livres das construções racistas de nossa sociedade, ainda vemos mulheres negras sendo pressionadas à negação de suas identidades, sendo submissas aos seus parceiros brancos, por se acharem menores, sendo deixadas após o fim do prazer masculino, sentindo-se sozinhas. As mulheres negras precisam se aproximar, se unir, resistir juntas.

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Kinaya Black
Kinaya Black

Kinaya Black é o pseudônimo de Gisele Sousa Santos. Escritora desde quando se entende por gente. Mestra em Literatura Comparada e pesquisadora afrofuturista.