Não era isso que primeiramente eu queria falar sobre o filme da Beyoncé

Kinaya Black
Kinaya Black
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6 min readDec 29, 2023
montagem feita por um fã.

Dia 21 de dezembro viajei sozinha para assistir o Renaissance: A Film by Beyoncé estava aguardando isso desde o primeiro anúncio na época da turnê que eu não perdia um vídeo dos shows. Cresci ouvindo essa artista e não só acompanhei sua trajetória e mudança musical como também mudei junto a sua obra.

Eu decidi ir ver o filme sozinha ou na verdade sem esperar que alguém me chamasse pois em 2023 caiu a ficha de que há coisas que só serão importantes pra mim então não posso perdê-las pq alguém não vai poder ir comigo. Afinal, nos perrengues quase sempre estive só.

Eu chorei, dancei, cantei! Foi incrível, me senti em um lugar mágico. O filme é potente e joga muitas verdades. Você vai ao cinema esperando cantar as músicas do álbum e sai dele com um monte de informações sobre pessoas negras que andaram na música pra que a gente pudesse correr.

Esse filme é atualmente a maior celebração de resgate cultural negro.

Eu fiquei emocionada de ouvir todas as pessoas ali citando e trazendo informações que não chegam até nós e a gente sabe o motivo.

Ouso dizer também que esse é o filme ou trabalho audiovisual onde Beyoncé mais fala diretamente com a comunidade negra, onde ela mais enfatiza o trabalho e a contribuição cultural negra pra indústria musical. É uma lapada, sabe. Eu acho que me emocionei mais com essa abordagem do filme do que vendo ela na telona.

E é pensando no seu povo que ela cria o Renaissance como um lugar acolhedor para todas aquelas pessoas que se sentem presas, afinal o álbum é dedicado ao seu tio Johnny e imagine um homem negro gay na época dos anos 50 onde os EUA vivia a segregação racial! Faz todo sentido a obra.

imagem divulgada pela artista

No fim do filme vejo uma notícia sobre seu possível jatinho vindo ao Brasil. E horas depois PAM! Tá ela em salvador fazendo um discurso breve mas que reconhece o estado da Bahia e o exalta.

Pode chorar São Paulo e Rio, muita gente já falou isso mas depois de ver o filme fica muito mais nítido a escolha de Salvador, a abordagem do filme é esse resgate e a Bahia precisa ser olhada com mais valorização por toda a sua importância histórica pra esse país que chamamos de nosso!

Agora vamos para alguns outros pontos: tanto dona Bey como seu marido Jay possuem negócios no Brasil, e em outros lugares. A equipe de sua empresa já tava em Salvador e já tinha passado por outros estados(não vou falar toda a tour delas pq enfim vcs podem dá um google) e isso não é de hoje.

Foi nosso presente de natal a dona Bey aparecer do nada? Claro que foi oxe! Mas isso não quer dizer que não exista uma bagagem que vem sendo construída há pelo menos 10 anos. Ela poderia não ter vindo, mas o trabalho com empreendedores negros, as bolsas de estudo e demais ações iriam acontecer do mesmo jeito! Ela pode ter vindo só pq ama o Brasil? pode! Ela pode ter vindo pra dar mais ênfase às suas negociações? Pode também.

Não é sobre o motivo da sua vinda. Ou o que isso vai causar ou “ofuscar” artistas brasileiros (que até agora só vi branco reclamando)

E sim sobre podermos enquanto pessoas negras nos ver em posições de poder também, em posições que não sejam de subalternidade como a própria indústria cultural brasileira faz conosco. Se eu vejo uma mulher negra que consegue ser artista e também empresária eu percebo que existe uma possível brecha no sistema.

Talvez a brecha no sistema da Beyoncé tenha sido através dos seguintes passos: se consolidar primeiramente como uma cantora de R&B e ao ter ali algo que já a sustentava mostrar realmente o que ele queria fazer e pra quem ela queria fazer sua arte. Se infiltrar no sistema para desmantelar o sistema. Muitos não acreditam nisso, mas pode acontecer.. Fica aqui a recomendação da sketch sobre o dia que os EUA descobriu que a Beyoncé era negra.

não achei legendado no yt sorry, mas no insta ou facebook deve ter :)

E a partir disso eu entro noutro tópico, inclusive, a partir dessa sketch a gente pode ver o quanto as mulheres negras só são aceitas enquanto seguem as regras brancas e isso vale para qualquer coisa. Enquanto eu tenho apenas a visão que me é dada por pessoas brancas (o que muitas vezes não é nenhum pouco questionável para a parte delas) eu continuo no grupinho, a partir do momento que eu acesso outras referências e que me fazem perceber que há coisas ali que me apagam muito mais do que me constroem eu viro uma inimiga.

Pra ser inimiga do feminismo branco é apenas falar.

Quando a mulher negra não fala de acordo com o que a mulher branca quer ouvir, ela se torna uma inimiga. Ela se torna a agressiva, ninguém vai mais andar com ela pelo simples fato dela falar.

Quando uma mulher negra fala, ela não fala direcionada a alguém ela fala direcionada ao sistema.

..e é isso que a gente quer que nossas amigas brancas entendam tbm :)

E aí a gente chega também na Pitty e no pacto da branquitude.

foto minha. E a melhor leitura não ficção de 2023 ❤

É muito mais fácil pra ela dizer que não tem tempo do que olhar pra si e se questionar. Pq as pessoas brancas nunca tiveram que se questionar, elas mandam no mundo, elas narram a História, elas ditam os padrões. Então elas não são acostumadas a se questionar sobre si mesmas como as pessoas negras fazem desde criança.

Eu me olho no espelho aos 10 anos de idade e digo: mãe eu quero alisar o cabelo.

Aos 10 anos de idade uma criança negra já se pergunta sobre pq nasceu assim e pq as pessoas não gostam de “como eu sou”?

Quando falamos, nós só estamos pedindo pra que vocês se olhem no espelho e pensem:

pq será? O que eu posso fazer para que mulheres ou pessoas negras se sintam mais confortáveis comigo ou com meus projetos?

Ou sendo mais descontraída: gente, será que eu sou puro suco de branquitude, menina?

E não quero nunca que a nossa luta por bem viver seja feito através de uma hierarquia de sofrimento, odeio quando as pessoas fazem esse tipo de coisa, quero que possamos enquanto pessoas negras fazer como a Beyoncé: mostrar nossos ancestrais, mostrar nossos mais velhos, mostrar que não éramos só escravizados. Mostrar aos outros quem somos para que outros possam ser também. Isso é o principal objetivo da minha escolha em trabalhar o afrofuturismo, ser para que os outros também sejam.

Não é uma briga, não é uma treta, é apenas uma mulher negra falando suas reflexões, suas preocupações com os seus.

Eu fui assistir um filme e eu queria falar sobre o quanto ele é uma inspiração para buscarmos saber sobre nossos artistas e intelectuais negros, mas eu não me aguentei e tive que vir aqui botar pra fora algumas coisas. Isso seria um carrossel no meu instagram, afinal quem vai chegar nesse link e ler meu desabafo?

Poucas pessoas vão, mas o importante é que eu voltei a falar.

Esse texto foi escrito numa lapada só, se tiver erro de português leiam com os erros mesmo :)

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Kinaya Black
Kinaya Black

Kinaya Black é o pseudônimo de Gisele Sousa Santos. Escritora desde quando se entende por gente. Mestra em Literatura Comparada e pesquisadora afrofuturista.