a internalização dos sentires.

Beatriz Klein
Epifanias de Saturno
3 min readMay 16, 2019
foto por @manuellasecco de @beatrizzklein

fuga do presente. para qual período temporal?

fuga do momento, possivelmente para nenhum espaço-tempo definido. existo, nem de corpo nem de alma. sem objetivo, sem motivação. por quê?

por que o espaço vazio tomou conta de mim tão rapidamente? o que alterou no balanço inconstante dos meus (des)alinhamentos internos para tal acontecimento? possivelmente porque o incômodo - preenchimento do vazio meu- não fora sanado.

faço um exercício constante de comparação com os outros e de fuga da minha mente. espelho-me pelo comportamento de alguém, e quando atinjo uma proximidade ínfima de mim, corro. fujo. habito outro plano espaço-temporal. uso da tecnologia e das redes sociais para viver o outro e não pensar em mim.

a presença de outros me força a dar atenção, a sair da zona de conforto neutra e inóspita para uma em que devo me dedicar a alguém e extrair energia de mim, para entregar ao outro.

Quando não pratico o carinho por mim, entregá-lo a alguém, que está lado-a-lado, traz duas possibilidades: a raiva, as palavras duras e cruéis ou; a tristeza, o frio e a fugacidade. Ambos resultados da negatividade que há em negligenciar a si.

Fico raivosa, cruel e grossa pois comparo-me à felicidade do outro, diminuo-me frente as diferenças de estágios evolutivos de vida e, principalmente, me culpo. Isso, me culpar, faz parte de mim há anos. Internalizei tamanha necessidade de me ver em pé de igualdade com - ou melhor que- alguém que, quando confronto-me com a hipocrisia que há em mim (de saber que não preciso fazer o que o meu coleguinha faz mas precisar ser tão boa quanto), desmonto-me em frustração.

A cobrança interna é gigante. tão gigante que não me move. é como um grande auditório, em que eu me encontro no centro, exercendo meu cotidiano, estando repleto de pessoas na plateia, coberto por vozes vindas de todos lados. Algumas, no andar de cima, possivelmente no fundo, sem conseguir me ver, me impulsionam. clamam pelo meu sucesso. gritam tão alto que eu consigo ouvir seus ruídos. Mas, por outro lado -ou por vários outros-, há confusão, desordem. há vozes e ecos me diminuindo, me comparando, falando que não sou suficiente.

a cobrança interna é esse público, que desiste de gritar com o personagem principal, e decidem apenas

atormentá-lo. acorrentá-lo. ensurdecê-lo.

esse espetáculo, há tantos anos em cartaz, já me foi benéfico e eu não pretendo tirar seus méritos. Algumas vezes me tirou da zona de conforto e me fez ser melhor. me sacudiu de tamanha forma que transformei-me em uma nova personagem e obtive meus aplausos de aprovação.

hoje, no presente momento, ele é apenas um grande ruído que faz com que eu fuja de mim, me frustre, me negue carinho, colo, atenção. é meramente uma ferramenta para fazer minhas ações convergirem com os xingamentos feitos pelas vozes internas. E eu, sinceramente, cansei de colocá-lo dentro de uma caixa e fingir que ele não está ali.

o exercício de acessar minhas sombras e negações é trabalhoso, e infindável. retirá-las do canto escuro em que as coloquei levará tempo. E levará mais tempo ainda resolvê-las e transformá-las em motor impulsionador.

mas dessa vez tenho acesso a novas ferramentas. sou uma nova personagem. tenho direito a ter tempo.

dessa vez, quero ser gentil com minha lentidão. quero não cobrá-la para andar no mesmo passo que minha ansiedade. quero encontrar o amor que há em mim, e dá-lo a mim.

quero ser gentil comigo, me dar colo, carinho, tempo, liberdade para errar. Principalmente, coragem para fazer.

minha cobrança já me tirou muitas coisas. e eu não quero mais ficar amarga quanto a isso.

farei o meu melhor para dar meu amor e carinho sem entrar na defensiva, com medo de mim. Farei meu melhor para me enfrentar e permitir que os outros tenham o que eu não dou à mim.

eu gosto de mim, da minha companhia. quero estar presente em mim.

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