pietra inácio
Epifanias de Saturno
2 min readMar 29, 2020

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mapa do reencontro de si 🌙

não quero mais ser outra que não eu mesma. creio que me encontro finalmente dissociada daquele verso da hilda que diz exatamente o contrário. agora me sinto como sobrevivente da armadilha de moldar essência-corpo-existência para servir a limitações alheias ou satisfazer, de maneira estática e passiva, anseios que sequer são meus.

na tradição xamânica das tribos indígenas norte-americanas, e também em muitas culturas ao redor do mundo, a avó Lua simboliza a energia feminina, a Deusa e o lado feminino do Grande Espírito. representa espiritualidade, sensibilidade, criatividade, fertilidade e intuição.

nossa Avó tem seu ciclo dividido em quatro fases que produzem influência nos demais fenômenos da natureza. em 28 dias ela transita em volta da Mãe Terra sendo nova, crescente, cheia e minguante. nosso ciclo de mulheres concentra suas fases também em 28 dias. e, quando estamos livres de qualquer influência artificial, podemos observar que nossa menstruação [muito provavelmente] vai chegar na Lua Nova e nosso período fértil, na Lua Cheia.

essas tradições são muito antigas e, como eu disse, se encontram espalhadas pelo mundo, às vezes com nomes diferentes, às vezes praticamente iguais. acontece que com a ascenção do capitalismo fomos “convidadas” a silenciar nossos instintos e vimos muito do conhecimento e da sabedoria ancestral ser alvo de perseguição. milhares de mulheres foram chamadas de brujas, queimadas em fogueiras que ardiam com o ódio produzido por um falso-deus que pregava não o amor e a paz, que eu acredito ser o cerne de qualquer caminho espiritual, mas a destruição e a morte em prol da acumulação.

nossos ventres passaram de sagrados a sujos e fomos condenadas por práticas pagãs, desaprendendo todos os caminhos que nos levam para nós mesmas. o útero, como explica silvia federici, foi reduzido a uma máquina para a reprodução do trabalho – nas mãos da profissão médica e à serviço do Estado que se consolidava como capitalista.

a verdade é que hoje eu pretendia escrever sobre outras coisas e pretendia guardar outras tantas no meu bloco de notas, mas decidi fugir do script e sair da reclusão na qual sinto que já passei tempo demais tentando integrar e significar outros ciclos de vida-morte-vida que vieram me atravessando nos últimos meses.

nós precisamos do mergulho e do resgate daquilo de que realmente somos feitas no dilema da descida ao río abajo río, onde somos capazes de buscar energia para a libertação psíquica. retornar ao lar sendo capaz de se colocar e se ver no mundo a partir de si mesma e dos próprios limites é um movimento tão importante quanto qualquer outro ciclo da natureza.

hoje eu enfim não quero ser outra que não eu.

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pietra inácio
Epifanias de Saturno

chegou um tempo em que a vida é uma ordem - sem mistificação.