os malabares da espera sem fim

pietra inácio
Epifanias de Saturno
3 min readJan 15, 2018
Ilustração de Alexandra Levasseur

É muito difícil ser presença. Penso enquanto faço malabarismos carregando minhas malas pelo aeroporto e desisto um pouco mais a cada passo, escorregão e tropeço, de tentar ser presente pra você. Não por falta de vontade, mas por falta de um coração quente o suficiente pra aceitar esse desafio e esse compromisso com o espaço que você tem guardado e destinado à mim. Não me sinto engrandecedora e nem completa o bastante para preenchê-lo pra você. Ou talvez eu seja apenas grande demais, com tudo aquilo que você não sabe por nunca ter me enxergado de verdade e eu apenas sei que não seremos presença porque não vamos ser peças que se encaixam. Ouso dizer que não te amo, mas não o digo por efetiva falta de amor por você, mas sim, por falta de amor por mim. E ser presença de alguém é muito difícil pra quem nunca teve isso pra aprender como se faz.

Arranjo e rearranjo desculpas enquanto parte de mim duvida da sua existência e parte de mim tem certeza que você não existe. Por meses eu abri as janelas, acendi incensos e pensei nas melhores cores pra parede do quarto no qual dormiríamos juntos nos domingos de ressaca. Pensei em qual vaso se adaptaria melhor à flor que você me daria num dia qualquer de primavera, um daqueles dias em que você saberia que tudo o que eu estaria precisando era um pouco de cor e de vida. Passei horas e horas pensando em qual esquina eu teria mais prazer de esbarrar com você, e chegando a nenhuma conclusão decidi que esbarraria em você em todas. Troquei os móveis de lugar e te senti ao meu lado tentando descobrir se aquele sofá fica melhor na parede da janela ou do quadro. Por meses eu deixei portas abertas e, achando que você chegaria, arrumei todas as fachadas, em cada um desses dias, no aguardo infinito pela tua presença. Você nunca apareceu.

Por alguns outros meses eu deduzi que você não chegava porque eu deixava tudo tão arrumado que me esquecia de lidar com o caos e com a sujeira que escondia no guarda-roupa. Arrumei meus trapos, organizei os compartimentos internos de todas as minhas bagagens e fiquei confiante de que agora sim, com o caos reconhecido e rearranjado, você chegaria, talvez até pra me ajudar a lidar com ele. Mas você nunca apareceu.

Aí, hoje, eu decidi que meu erro era esperar. Talvez você tivesse descido no ponto errado ou se perdido no caminho e era meu dever te encontrar mais do que ser encontrada. Talvez você precisasse mais de mim do que eu de você pra achar um norte e desvendar onde deveria estar. Fiz as malas e saí a tua procura, com o coração aberto e convicto de que eu reconheceria os teus olhos e teus sonhos em qualquer lugar da Terra. Ouvi os sonhos de muitos, conheci os olhos de outros tantos e continuei convicta de que nenhum era o seu. Vim parar no aeroporto achando que você podia estar no lugar óbvio, no setor de desembarque com um papel e o meu nome. Andei por todos os portões, passei em todos os cafés no desespero profundo de que dessa vez você me reconheceria, me enxergaria e finalmente estaria tudo bem no fim da nossa história que eu jurava já ter começado há milênios, quando alguma explosão cósmica nos separou e colocou em ciclo e busca constante um pelo outro, assim como pelas outras partes e sentidos de nós. De novo, você nunca apareceu.

Ainda estou fazendo malabarismos pra carregar minhas bagagens até o carro e acredito ter entendido finalmente que não sou presença pra você e nem você pra mim. Me encaro no espelho retrovisor e me vejo seca, cansada e incapaz de te achar. Incapaz, por isso, de continuar te procurando, de me deixar ser amada e de me deixar ser amor. Desisto, enfim, de ser presença e desisto da lenda de que você existe. Desfiz as malas e reprojetei minha casa, minha vida e embora uma parte de mim ainda sinta e grite que sua energia está por aqui, perto o bastante pra opinar sobre os móveis e as paredes, eu aceito que você é das minhas confusões a maior de todas. Porque você nunca apareceu pra dizer o contrário e eu, desisti de te encontrar.

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pietra inácio
Epifanias de Saturno

chegou um tempo em que a vida é uma ordem - sem mistificação.