Como a Brex está construindo o futuro das finanças

Samuel de Siqueira
EquitasVC
Published in
10 min readFeb 4, 2022

Fundada em 2017, na YCombinator, em São Francisco (EUA), pelos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi, a Brex é uma fintech que está revolucionando o setor financeiro com um sistema operacional para empresas de alto crescimento.

Logo no início, quando se juntaram, rapidamente encontraram um problema. Eles solicitaram um cartão de crédito corporativo para ajudar a financiar despesas com softwares entre outras e foram negados.

Não foram só eles que tiveram esse problema. Eles descobriram que, embora os primeiros fundadores de startups tivessem acesso a produtos de pagamento de alta fidelidade como a Stripe, obter acesso a produtos básicos de gerenciamento de caixa e crédito era uma experiência terrível para todos. Mesmo com dinheiro em caixa, o limite de crédito de uma startup não é suficiente para cobrir software, marketing e outras despesas.

Os cartões são particularmente obrigatórios para empresas em sua fase inicial, porque os grandes fornecedores não costumam aceitar ACH e outras formas de pagamento alternativo dessas startups.

ACH — Automated Clearing House — É por meio da ACH que os bancos norte-americanos são capazes de processar as transferências interbancárias (sistema equivalente ao que confere as operações via TED ou DOC no Brasil).

Na prática, isso leva os fundadores a recorrerem ao uso de seus cartões de crédito pessoais para assinaturas de SaaS ou marketing digital e apresentarem reembolsos regularmente.

Embora produtos como Stripe e Square tenham empurrado drasticamente as transações business-to-consumer (B2C) para cartões de crédito, a penetração de cartões business-to-business (B2B) permaneceu baixa. O mercado de pagamentos B2B dos EUA é três vezes maior do que o mercado B2C, mas a penetração de pagamentos digitais B2B é de 36%, metade do B2C (67%). A adoção do cartão de crédito B2B é especialmente baixa, representando apenas 4% do mercado.

A penetração extremamente baixa de cartões de crédito no espaço B2B é um resquício histórico da indústria. Os cheques continuam sendo o canal de pagamento mais popular, porque além de simples e praticamente gratuitos, eles existem há mais tempo. O ACH veio em seguida na década de 1970 e agora representa metade do volume de pagamentos em cheques (principalmente em pagamentos recorrentes, como folha de pagamento e faturamento).

Enquanto isso, a adoção do cartão é de apenas 4% não por falta de demanda, mas por causa do atrito significativo na acessibilidade, integração e utilidade do produto. A maioria dos bancos e provedores de cartão pedem documentação excessiva, leva de 3 a 5 dias para integrar os clientes e exige uma garantia pessoal dos founders.

Mesmo assim, os limites de crédito que esses provedores oferecem são mínimos, pois são baseados no histórico de crédito pessoal do founder e não na saúde do negócio. Além disso, outro obstáculo é a barreira de informações da maioria dos sistemas de planejamento de recursos empresariais (ERP) que dificulta a integração imediata de novas soluções de pagamento com o software de contabilidade de uma empresa, adicionando custos administrativos às reconciliações e tornando o custo total de introdução de um novo sistema de pagamento incrivelmente alto para pequenas empresas.

Para abordar essa enorme oportunidade de mercado, Henrique e Pedro construíram a Brex. Eles tiveram o benefício de terem fundado anteriormente uma empresa de pagamentos — Pagar.me que foi vendida para a Stone em 2016 — quando eram adolescentes no Brasil. Eles escalaram essa empresa para mais de US$ 1 bilhão em volume de pagamentos anuais e depois a venderam. Já tendo desenvolvido uma compreensão da infraestrutura de cartões necessária para construir a Brex, eles conseguiram se mover rapidamente e lançaram seu primeiro produto em seis meses.

O produto inicial era um simples cartão de débito de 30 dias para startups com limite de crédito baseado no saldo de caixa. A proposta de valor era clara: os fundadores não precisavam garantir pessoalmente, o processo levava menos de 24 horas para serem aprovados e as empresas podiam acessar limites de crédito 10 a 20 vezes maior, já que a subscrição era baseada no saldo de caixa.

A Brex deu aos founders uma visão diária das despesas acumuladas do mês. Eles tornaram a forma de arquivar despesas 10x mais fácil, pois sempre que um funcionário usava seu cartão Brex para pagar algo, ele instantaneamente recebia uma mensagem de texto que permitia que ele enviasse imediatamente o recibo (em vez de ter que salvar todos os recibos e arquivá-los no final do mês).

O product-market fit da Brex foi instantâneo, e o produto se espalhou rapidamente entre as startups apoiadas por empreendimentos. Cinco meses após o lançamento, a Brex cresceu de 100 para 1.000 clientes e em menos de três anos desde o lançamento, cresceram para mais de 20.000 clientes.

A visão de Henrique e Pedro para a Brex não é apenas emitir cartões de crédito para startups — é se tornar o sistema operacional financeiro para negócios em crescimento. Provavelmente, a experiência da Brex representa a próxima grande mudança nas transações financeiras globais B2B.

O começo: removendo o atrito para desbloquear a demanda

Desde o início, a Brex entendeu que remover o atrito dos produtos financeiros poderia diferenciá-los significativamente. A percepção inicial foi simples: “Você deve ser capaz de se inscrever para um cartão de crédito e outros serviços financeiros com a mesma facilidade com que configura um endereço de e-mail — em minutos, tudo online”. Uma vez que eles começaram a integrar os clientes, a Brex descobriu que a demanda por financiamento era ainda maior do que eles haviam imaginado inicialmente.

Para fornecer o serviço moderno e contínuo que eles imaginavam, a Brex construiu um sistema de avaliação de risco que era fundamentalmente diferente do modelo tradicional de cartão de crédito. Eles removeram a burocracia do tradicional KYC e implementaram processos e sistemas que podem coletar e verificar informações comerciais críticas em segundos.

A abordagem digital da Brex permitiu que eles incorporassem instantaneamente clientes com limites de crédito 10 a 20 vezes mais altos do que os incumbentes eram capazes de oferecer. Esses métodos provaram ser altamente eficientes: as perdas de crédito da fintech foram menores do que as da AMEX e do Silicon Valley Bank, mesmo incluindo o impacto da pandemia.

Todos os meses, mais de 10.000 empresas estavam se inscrevendo. Mas como seu sistema foi construído para startups de tecnologia, a Brex estava recusando mais de 80% desses clientes em potencial. No final de 2020, a startup decidiu reformular seu sistema para atender outras personas.

De olho nesses clientes em potencial, a empresa lançou um novo sistema de risco que poderia integrar instantaneamente qualquer negócio legítimo a uma conta de gerenciamento de caixa e a um cartão de débito no mesmo dia (um produto semelhante a um cartão de débito). Essa mudança permitiu que a Brex aumentasse dez vezes o número de novos clientes mensais e conseguiu manter aprovações instantâneas no mesmo dia para 80% desses clientes. No primeiro trimestre de 2021, a Brex integrou mais clientes do que em toda a história da empresa. Hoje, mais de 70% dos novos clientes são pequenas e médias empresas.

O próximo ato da fintech foi lançar produtos financeiros e de software complementares além dos cartões de crédito. Em 2020, lançaram um serviço que transformou a trajetória de sua plataforma: o Brex Cash. O Brex Cash foi pensado como um produto de substituição de contas bancárias que permitiria que a Brex atendesse as empresas antes mesmo delas se qualificarem no processo de crédito. Também era uma maneira dos clientes enviarem cheques, ACH e pagamentos por transferência eletrônica para fornecedores e terceiros que não aceitavam cartões de crédito (lembre-se, 96% dos pagamentos B2B nos EUA não são feitos com cartão).

Mas o Brex Cash não é apenas um produto complementar. É uma solução profundamente integrada que reimagina e agiliza os fluxos de trabalho para várias formas de pagamento. O Brex Cash foi projetado para ser o centro das operações financeiras de uma empresa, em vez de uma conta usada exclusivamente para serviços financeiros. Isso significava que o produto tinha que ser intuitivo e projetado para uso diário.

A Brex removeu todas as taxas de ACH e transferências eletrônicas, melhorou a velocidade de pagamento (o início de pagamento da Brex é 40 a 50 vezes mais rápido que o dos concorrentes) e incorporou integrações além dos serviços financeiros. Por exemplo, eles reduziram drasticamente as cargas de trabalho de contabilidade dos clientes integrando o Cash em sistemas de contabilidade de terceiros. Essas integrações possibilitaram que pequenas e médias empresas economizassem de 20 a 30 horas por semana que antes gastavam baixando extratos bancários e fazendo reconciliação manual.

O Futuro: Finanças All-in-one

Com mais e mais empresas usando o Brex Cash, a fintech está a caminho de se tornar a primeira plataforma de finanças completa. Historicamente, software de operações financeiras e produtos financeiros existiam separadamente. O sistema incumbente envolve três “pilhas” principais. A primeira pilha é a infraestrutura de pagamentos (cheques, ACH e redes de cartões) que processa as transações. A segunda são os provedores de acesso à infraestrutura subjacente — instituições como Amex e Chase que gerenciam o armazenamento e a movimentação de fundos. Finalmente, há a pilha de serviços de valor agregado, composta por produtos que lidam com tarefas administrativas de back-office (como Intuit, Bill.com e Concur).

Devido à forma como esse sistema é projetado, SMBs usam em média pelo menos seis provedores de software e serviços financeiros diferentes para gerenciar seus negócios. Uma empresa de comércio eletrônico típica pode usar o Chase para armazenar capital, American Express para gastos com viagens e software, Bill.com para gerenciar contas a pagar, Expensify para gerenciar gastos de funcionários, Quickbooks para contabilidade, Shopify ou Stripe para aceitar pagamentos e um credor terceirizado para um produto de financiamento de capital de giro de longo prazo.

Embora todas essas soluções tenham a capacidade de conversar entre si, não existe uma única entidade que tenha uma visão holística das operações financeiras do negócio.

A Brex está mudando o cenário ao combinar produtos financeiros e software em uma única plataforma. A empresa passou os últimos dois anos construindo sua infraestrutura de processamento de cartões e gerenciamento de caixa, que por sua vez alimentará seu software. Habilitada por sua infraestrutura financeira, a Brex está construindo o “sistema operacional financeiro” para empresas em crescimento, permitindo que gastem e rastreiem pagamentos através de todos os meios.

Já estamos vendo como a integração está permitindo maior acesso a recursos financeiros e a tendência é que esses recursos melhorem à medida que a Brex se aproxima de uma verdadeira plataforma financeira All-in-one.

Por possuir software e infraestrutura financeira, a Brex é capaz de:

  • Aproveitar os dados dos clientes para oferecer melhores produtos financeiros do que os concorrentes: quando os clientes fazem da conta gratuita do Brex Cash sua conta operacional principal, a Brex ganha visibilidade total da saúde financeira de seus clientes.
  • Gerar valor profundo para os clientes por meio do software: as integrações de fluxo de trabalho de pagamento que acompanham o software de gerenciamento de gastos entregam efetivamente um produto que não é apenas um sistema de registro, mas também um sistema de engajamento para os clientes. Isso gera um valor imenso não apenas por meio de taxas mais baixas, mas também pela economia de custos e operações mais eficientes em todos os setores.
  • Criar produtos financeiros exclusivos: Com base em seu posicionamento como fornecedora de software e serviços financeiros, a Brex pode oferecer produtos que não estão prontamente disponíveis nas empresas estabelecidas.
  • Reduzir o custo para os clientes: como provedora de serviços financeiros e empresa de software, a Brex está revolucionando os modelos de precificação existentes de soluções pontuais em ambas as camadas. Ao monetizar os clientes por meio de taxas de troca de cartões, a Brex consegue precificar o software muito mais baixo do que um concorrente de SaaS puro pode cobrar.
  • Lançar produtos centrados no cliente mais rapidamente: ao limitar a dependência de terceiros, a Brex pode criar e lançar produtos mais rapidamente. Em menos de dois anos, a empresa conseguiu expandir rapidamente de uma empresa de um único produto para uma empresa de vários produtos (cartão, dinheiro, pagamentos instantâneos, pagamento de contas e gerenciamento de despesas).

À medida que a Brex cresce, seu algoritmo de subscrição baseado em dados se beneficia imensamente, pois os dados da base de clientes em expansão retroalimentam os modelos da empresa. Com o tempo, isso deve gerar uma carteira de crédito com menor inadimplência. Por outro lado, a diversificação da carteira de crédito e o tempero entre os períodos econômicos devem render custos de capital mais baratos ao longo do tempo, o que se traduzirá em margens mais altas para a Brex e/ou preços mais baixos para seus clientes

As vantagens financeiras de um sistema integrado são significativas. A infraestrutura geral e a facilidade do uso criam mais capital para empresas pequenas e em crescimento. A digitalização das finanças B2B pode mudar completamente a trajetória de um negócio.

Conclusão: A inevitabilidade dos pagamentos digitais B2B

Na última década, vimos o surgimento de grandes players que reduziram o atrito e permitiram a digitalização de pagamentos de consumidor para empresa (C2B), ajudando os consumidores a pagar digitalmente (Cash App e PayPal) e ajudando os comerciantes a aceitarem pagamentos digitais (Square and Stripe). Enquanto isso, os pagamentos B2B representam quase 3x o volume de C2B e a penetração do pagamento eletrônico é fracionária em comparação. A digitalização dos pagamentos B2B será inevitável nas próximas décadas.

Não há apenas uma maneira de digitalizar os pagamentos B2B, o mercado tem um espectro de casos de uso que precisam ser abordados. Este também não é um jogo de soma zero, pois o mercado de pagamentos B2B de US$ 25 trilhões é grande o suficiente para dar suporte a várias empresas.

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