Lições de globalização com as startups israelenses

Guilherme Melo
EquitasVC
Published in
6 min readNov 4, 2022

Quando os líderes de pequenas e médias empresas que estão superando seus mercados domésticos pensam em expandir para o exterior, a perspectiva de ter que lidar com dois conjuntos de potenciais concorrentes muitas vezes lhes é o suficiente para não executarem o plano. Um conjunto são as empresas multinacionais, que possuem amplos recursos, marcas fortes e economias de escala. O outro são os players locais nesses mercados estrangeiros, que têm uma compreensão íntima das necessidades dos consumidores, sabem como operar em seus ambientes regulatórios e desfrutam de relações estreitas com fornecedores, distribuidores e varejistas. Tentar encontrar o ponto ideal entre os “gigantes” e os “locais” pode ser assustador para empresas com recursos limitados. E se os líderes não forem prudentes na busca, eles podem colocar suas empresas em risco.

No entanto, as mais de centenas de empresas israelenses que, nos últimos anos, se transformaram em players globais com centenas de milhões (ou até bilhões) de faturamento provam que isso pode ser feito. A abordagem: Concentrando-se em países e regiões que oferecem uma oportunidade que as multinacionais não acham atraente e as empresas locais não conseguem abordar adequadamente e, em seguida, penetram nesse meio termo de maneiras que não desencadeiam imediatamente uma resposta desses dois concorrentes.

Tel Aviv, Israel (2018)

Vale ressaltar que as empresas israelenses não tiveram muitas outras opções para buscar o crescimento. Com uma população menor do que a cidade de São Paulo (8,6 milhões de habitantes, contra 12,3 milhões de São Paulo), o mercado doméstico era pequeno demais e as oportunidades de expansão para os países vizinhos do Oriente Médio são severamente limitadas — dado os conflitos existentes na região. Assim, os líderes empresariais — e Israel é abençoado com uma abundância deles — tiveram apenas duas opções para maximizar o potencial de crescimento de suas startups: ser adquirido por uma multinacional ou explorar o “meio termo” em outros mercados.

Não é por acaso que os executivos israelenses se sentem confortáveis em manobrar em campos de batalha competitivos: a grande maioria deles serviu como oficiais ou em outras funções fundamentais nas Forças de Defesa de Israel (IDF), os serviços militares do país, onde tiveram experiência em primeira mão com métodos bem sofisticados de manobras militares.

Desde a criação do Israel moderno, em 1948, as IDF tiveram menos pessoal e armas do que as forças armadas dos países vizinhos. A maioria das guerras que travaram envolveu batalhas simultâneas em várias frentes. Por exemplo, durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, as forças israelenses assumiram os egípcios ao sul, os jordanianos ao leste e os sírios ao norte. Os líderes militares tiveram que descobrir como reunir recursos escassos e preciosos nas zonas de batalha. Não era incomum uma unidade lutar em um campo de batalha um dia e em um totalmente diferente no outro.

Consequentemente, as IDF tiveram que se destacar na orquestração das batalhas — determinando constantemente onde concentrar os esforços militares e reagir rapidamente aos seus desdobramentos. Oficiais israelenses são instruídos a identificar e explorar as fraquezas e pontos cegos do inimigo, lançando ataques quando se é menos esperado e com força máxima, realizando missões furtivas e usando táticas para surpreender o oponente.

Numa análise da consultoria Shaldor, com mais de 30 empresas israelenses de sucesso, um ponto em comum entre elas é empregar essas táticas originalmente de guerra para realizar grandes manobras de globalização.

Essa tática, aplicada para o mundo de empreendedorismo, pode se desdobrar nos seguintes pontos:

Identificando o “meio-termo”

O cerne da abordagem das empresas israelenses é encontrar uma oportunidade que esteja em um espaço de mercado entre o que os gigantes globais acham atraente e o que as empresas locais acham viável. Envolve duas avaliações.

  1. A oportunidade permanecerá desagradável para os gigantes por tempo suficiente para estabelecermos uma posição de mercado defensável? A resposta provavelmente será sim se uma ou mais das seguintes condições existirem:
  • O potencial de mercado é pequeno demais para atender às metas de crescimento dos gigantes.
  • Os gigantes consideram muito caro personalizar sua oferta para atender às necessidades locais ou preferem oferecer soluções amplas ou integradas.
  • Eles não acham que o produto ou serviço personalizado exigido pelo mercado se encaixaria em sua imagem de marca global.

As multinacionais geralmente buscam oportunidades que possam dar uma contribuição significativa para seus resultados superiores e financeiros de forma relativamente rápida (dois a quatro anos) e que lhes permitam aproveitar suas vantagens competitivas. Em suma, as características que tornam os gigantes globais tão poderosos muitas vezes os impedem de ir atrás de certos países e segmentos.

2. As empresas locais terão desvantagens substanciais em relação à nossa empresa? A resposta pode ser sim se um ou mais dos seguintes itens forem verdadeiros:

  • Os habitantes locais usam tecnologia mais antiga que a nossa ou não é adequada para o aplicativo previsto.
  • Seu know-how ou práticas operacionais são significativamente mais fracos do que o nosso.
  • Eles podem usar apenas recursos financeiros limitados (incluindo subsídios do governo) para revidar.
  • Os reguladores locais não lhes dão tratamento especial.

Mesmo que a tecnologia em questão não seja tão sofisticada, ou os habitantes locais possam reunir mais capacidade técnica para desenvolvê-la rapidamente, o player estrangeiro ainda pode ter a vantagem. Ele pode ter maior experiência em produzir a oferta, por exemplo. Se estiver atacando alguns países simultaneamente, pode ter economias de escala que os locais não conseguem igualar.

Depois de identificar um meio-termo viável, o próximo passo é entrar e assumir o controle decisivamente dele. Três estratégias eficazes podem ser usadas, individualmente ou em combinação: evitar os gigantes, disfarçar-se de local e focar nos pontos fracos.

Evitando os gigantes

Quando aqueles concorrentes de maior preocupação são multinacionais, o objetivo não é despertá-los. As empresas podem conseguir isso concentrando-se em clientes cujas necessidades não são atendidas adequadamente pelos produtos e serviços que os clientes convencionais exigem. A chave é selecionar segmentos que são muito “nichos” para interessar os gigantes, mas quando amarrados em vários locais globais, constituem uma oportunidade considerável.

Disfarçe-se como um local

Quando os concorrentes a serem observados são empresas locais menores, a estratégia envolve assumir o disfarce de um player local e, em seguida, criar ofertas personalizadas que atendam às necessidades do mercado melhor do que aquelas que as pequenas empresas estão fornecendo. Para que isso funcione, a oportunidade em questão deve ser desagradável para as multinacionais — seja porque está fora de sua competência principal ou porque elas se dedicam a fornecer uma proposta de valor diferente.

Concentre-se em pontos fracos

O objetivo desta estratégia é ser melhor do que os gigantes e os locais ao abordar uma parte estreita e bem definida de um problema mais amplo. Considerando que a estratégia de evitar os gigantes se aplica a situações em que grandes players não podem efetivamente atender segmentos de nicho com sua tecnologia existente e, portanto, optam por ignorá-los, essa estratégia é tipicamente relevante para atender aos clientes convencionais quando os gigantes se dedicam a fornecer de um tamanho único toda a sua solução. Uma empresa que adota essa abordagem seleciona um mercado onde os gigantes estão oferecendo soluções de plataforma diversificadas ou aplicativos integrados, e se concentra em obter um conhecimento mais amplo das necessidades dos clientes para um aplicativo ou componente específico do que os gigantes ou os locais possuem e acabam desenvolvendo uma expertise técnico no atendimento a essas necessidades.

Uma vez que as empresas tenham garantido o meio-termo nos mercados estrangeiros, o jogo está longe de acabar. A pesquisa de Shaldor descobriu que dois novos desafios quase sempre surgem:

Descobrir se, quando e como se aventurar além do “meio-termo” original

Os fundadores da startup naturalmente vão escolher entre expandir o mercado ou criar novos produtos para os clientes já existentes. Ambos os movimentos normalmente envolvem novos recursos de P&D / marketing e estão repletos de riscos. O sucesso é mais provável se o novo espaço também tiver um meio termo viável e se a credibilidade que a empresa construiu no espaço original puder ser alavancada no novo.

Preparando-se para a batalha inevitável

Uma vez que uma empresa de pequeno ou médio porte entra no “meio-termo” como pioneira e começa a se desenvolver em um mercado lucrativo, o relógio começa a correr. Em algum momento, os gigantes provavelmente perceberão a oportunidade e decidirão persegui-la. Em vez de descansar sobre os louros, as empresas devem fortalecer continuamente suas posições intermediárias.

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