O dom de atrair sorte

Felipe Sertorio
EquitasVC
Published in
6 min readNov 17, 2022

Diariamente lamentamos por incidentes que acontecem em nossas vidas e, de uma hora para outra, mudam todo o planejamento que havíamos feito com tanto cuidado. Um carro quebrado no dia de uma reunião importante, uma gripe em um feriado cheio de atividades programadas, a derrota do time na final do campeonato e por aí vai.

Eu, como um bom engenheiro, gosto de ter minha semana toda organizada. Todo domingo, sento algumas horas do dia para planejar os to-dos semanais, separar por dias de entregas e estimar quantas horas irei focar em cada tarefa. Na maioria das vezes, essa rotina funciona bem. No entanto, sempre que algo “sai do meu controle”, sinto que fico bastante abalado e, em um ambiente menos controlado, tenho dificuldade em operar.

No meu caso, inclusive, essa necessidade de saber o que vai acontecer é ainda mais incentivada no trabalho. Como investidor de VC, estou o tempo todo analisando os possíveis cenários, extrapolando a realidade incerta para planilhas de Excel, conversando com clientes e especialistas de setor, estudando tendências, melhorando nossos processos de diligência, etc. Sempre no intuito de reduzir a probabilidade de ocorrência e impacto do “desconhecido conhecido”, os famosos fatores de riscos e mitigantes que aparecem em qualquer análise de investimento.

Porém, e quando se trata do “desconhecido desconhecido”, isto é, os chamados cisnes negros, que tendem a rondar nossa vida? Por exemplo, crise imobiliária americana em 2008, Covid-19, Guerra Rússia x Ucrânia. Bom, nestes casos, é praticamente impossível que a gente consiga prever e se preparar adequadamente para estes eventos, por mais organizados e diligentes que possamos ser.

Confesso que isso sempre foi (e continua sendo) um problema para mim. O fato de viver constantemente à mercê do aleatório me traz uma insegurança enorme e, por mais que eu tenha crescido em uma casa bastante religiosa com a mentalidade de “Coloca nas mãos de Deus que ele sabe o que faz”, ainda assim tenho dificuldades de admitir que, no final, nem tudo está sob o meu controle.

Por isso, recentemente, comecei a estudar mais sobre como operar em um “ambiente de caos”, ou ainda, em situações inesperadas. Até porque se não consigo prever e me preparar para tudo o que vai acontecer em minha vida, ao menos posso aprender a como agir melhor nessas situações e, se possível, extrair o máximo dessas experiências. Como diz a frase: “Não há limões tão azedos que não se possa fazer uma boa limonada”, também não há eventos tão ruins que não possam ser utilizados a nosso favor.

Há um conceito popular chamado “Antifrágil”, que ficou conhecido após o livro Antifrágil, do Nassim Taleb. Basicamente, ser antifrágil significa conseguir crescer / evoluir e se beneficiar em ambientes de estresse / mudanças. O gráfico abaixo ilustra bem o termo.

O que me chamou bastante atenção neste conceito é que eles traz para nossa vida a aleatoriedade de uma forma mais natural e, inclusive, como algo benéfico. É a criação da consciência de que existem fatores externos e inesperados e, independente de quão planejado eu esteja, eventos ocorrerão e eu poderei utilizá-los a meu favor.

Como exemplos de indústrias antifrágeis, temos a aviação comercial. Quando um avião cai, as falhas são analisadas, com o intuito de evitar que próximos aviões sofram do mesmo problema. Vejo nosso fundo também como antifrágil. Frequentemente analisamos nossas decisões, tanto de investimento que fizemos quanto de investimentos que não fizemos e, ao identificar erros, voltamos para os nossos processos para entender onde foi que falhamos e evitar que os mesmos erros sejam cometidos. É o nosso famoso valor de melhoria contínua.

Dentro ainda deste contexto de antifragilidade, há uma analogia que eu gosto bastante, que é a de pequenos incêndios em florestas. Pequenas queimadas em florestas são algo positivo, pois elas queimam, em pouca quantidade, materiais inflamáveis e, apesar de causarem um pouco de dano, estes pequenos eventos evitam o acúmulo de maior quantidade de material inflamável, o que poderia causar um grande incêndio, de consequências muito mais graves.

Trazendo o exemplo das pequenas queimadas na floresta para minha vida, enxergo que pequenos erros cometidos, tanto no trabalho quanto na vida pessoal, são na verdade ótimas oportunidades de aprendizado, que me ajudarão a crescer e a melhorar como pessoa e evitar que erros maiores (e de consequência mais graves) sejam cometidos. Para isso, é muito importante estar cercado de pessoas que estejam sempre dispostas a dar o papo reto (olha aí, mais um valor de EquitasVC aparecendo) e estar aberto a críticas, por mais duras que possam parecer.

Um aliado que tem sido muito forte nessa busca pela antifragilidade é o estoicismo. Inclusive, deixo uma indicação de um ótimo livro que recebi de presente do Felipe Mansano, chamado Um Café com Sêneca. De acordo com a filosofia estoica, a melhor maneira de sermos felizes é entendermos que nem tudo está sob nosso controle (btw, este é outro conceito estoico muito forte) e que nem todos os nosso desejos serão realizados, mesmo que eles pareçam fazer muito sentido para o contexto em que vivemos atualmente.

Note que, isto não significa que você não possa melhorar sua situação. Ex: se você quer aprender a falar francês, ficar reclamando que você não consegue passar um ano morando na França não vai te ajudar em nada, pelo contrário, pois você só vai gastar energias e o objetivo ficará cada vez mais distante. Por outro lado, se você focar no que realmente controla, como fazer um curso de francês ou ler livros, ficará cada vez mais perto do seu objetivo.

Para finalizar, ao incorporar essa mentalidade de que eventos inesperados necessariamente trarão algo de bom, me deparei com outro conceito bastante interessante, Serendipity. De maneira simplificada, seria “o dom de atrair sorte”. No entanto, seu significado vai muito além disso. É a arte de encontrar soluções criativas e oportunidades em contextos inóspitos. O famoso “Eureka”. Descobertas como Penicilina, Raio-X e Post-its são ótimos exemplos de inovações que foram resultado de experiências que, “por sorte”, levaram a um cenário muito melhor do que o previsto.

Mesmo com todos os aprendizados que obtive nos últimos tempos, para mim ainda é difícil lidar com situações inesperadas do dia a dia. No entanto, acredito que já melhorei bastante (e acreditem, nas últimas semanas fui bastante testado, rsrs). Como tudo, a prática leva à melhoria. Ter os conceitos por trás de cada situação tem me ajudado bastante e já consigo identificar pequenas melhorias nos resultados de minhas ações. Afinal, se eu controlar a forma que reajo a qualquer tipo de cenário, independente de qual seja, estarei preparado para todos eles.

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