Pivot — Quando fazer e exemplos reais

Felipe Ganem Mansano
EquitasVC
Published in
10 min readJun 23, 2022
“Melhorar é mudar, então para atingir a perfeição é necessário mudar com frequência”

Atualmente estamos passando por um momento de menos empolgação nos investimentos em startups: seguindo o movimento inflacionário americano, houve uma redução dos patamares de valuation, diminuição da velocidade de investimento e uma preocupação sobre a viabilidade econômica de modelos de negócio.

O que antes era um grande foco em crescimento de receita, agora parece estar sendo substituído por um equilíbrio entre crescimento de receita e unit economics positivos (com bastante foco na margem de contribuição, que equivale à receita líquida subtraída dos custos e despesas variáveis).

Independente do momento de mercado, uma verdade se mantem: a maior parte das startups infelizmente não dá certo. A análise abaixo, feita pelo pessoal do CBInsights, detalha os principais motivos de morte das startups:

Em primeiro lugar com 42%: startup resolvia um problema que não existia

O “elefante na sala” está na primeira posição da pesquisa acima: a startup resolve um problema que não existe. A melhor maneira de mitigar esse risco é fazer um processo de discovery muito bem feito. O processo de discovery deve sempre focar nas dores do cliente, para depois haver uma discussão posterior sobre as soluções. A melhor hora para fazê-lo é, naturalmente, no começo da jornada: atacar um problema que existe é o início mais certeiro para construir uma startup de sucesso. Infelizmente a pesquisa acima mostra que essa disciplina em relação ao processo de discovery ainda não existe.

Após lançar uma versão inicial do produto, é comum o time de fundadores se deparar com uma resposta morna de seus potenciais clientes. Vendas tímidas, baixo engajamento, falta de foco no processo de onboarding. Após algum tempo, a empolgação dos fundadores diminui, a falta de dinheiro começa a machucar, o custo de oportunidade começa a ser levado mais em conta. É um ciclo que se repete com bastante frequência, e é nessa hora que geralmente surge a discussão sobre pivotar. O pivot pode ser uma mudança na solução (ou seja, atacar o mesmo problema) ou, mais radical, um pivot de problema (ou seja, atacar um novo problema, praticamente começando do zero).

Essa é uma fase muito estressante para os founders. Além da pressão financeira e da falta de certezas, ainda há a gestão da equipe: pessoas que acreditaram no projeto, que vieram de outros empregos, e que agora estão vendo que o plano não está saindo conforme planejado e que os fundadores estão batendo cabeça. Não é uma fase fácil, mas vale a pena tentar comunicar com clareza para a equipe, de maneira a não deixá-los no escuro.

A lista a seguir mostra alguns pivots feitos por empresas que (hoje) tem sucesso. Como você verá a seguir, o caminho é incerto. Muitas vezes o pivot que levou a startup ao sucesso decidiu por atacar um problema muito diferente do que a startup inicialmente escolheu:

Twitter

Odeo, ou o Twitter antes do pivot, era uma plataforma focada na descoberta de novos podcasts

Proposta inicial

Por incrível que pareça, o Twitter começou com um outro nome (Odeo) e com uma proposta de valor totalmente diferente: ser uma rede social para ajudar o público a descobrir e assinar podcasts.

Por que não funcionou?

Excesso de concorrência. Com o lançamento do Itunes em 2006, e a expansão da Apple para áudio (incluindo podcasts), ficou claro para os founders que eles perderiam a corrida para se tornar a plataforma principal de podcasts.

Pivot bem sucedido

Os fundadores deram aos funcionários 2 semanas para que eles tivessem ideias para salvar o negócio. Uma dela vingou: se tornar uma plataforma de micro-blogging. O resto é história, com o Twitter se tornando a principal fonte de propagação de notícias em vários países, e sendo inclusive alvo de proposta de aquisição pelo Elon Musk (pelo menos à data da publicação desse artigo :)

Starbucks

Proposta inicial

Inicialmente a Starbucks era uma operação 100% B2B, focada no fornecimento de máquinas de cafés e de cafés especiais. A empresa operou nesse modelo por mais de 10 anos, entre 1971 e 1983.

Por que não funcionou?

A Starbucks originalmente vendia café para ser moído em casa, pelos próprios consumidores. A parcela do público que tinha o hábito de moer café era uma fração do público total consumidor. Além de ter uma margem menor (dado que interagiam com lojistas e outros revendedores), a Starbucks operava em um mercado de nicho, com tamanho limitado.

Pivot bem sucedido

Após uma viagem à Itália em 1983, o fundador da Starbucks decidiu montar cafeterias que tivessem a mesma experiência nos Estados Unidos. O crescimento foi exponencial: em 1996 operavam 1000 lojas; em 2005, 10 mil lojas; em 2020 atingiram quase 17 mil lojas. Esse número se refere apenas às lojas próprias. Considerando lojas próprias e franquias, o total já ultrapassa 32 mil lojas no mundo todo.

Instagram

Burbn, o Instagram antes do pivot, era focado em check-ins e achievements

Proposta inicial

Apesar da história exponencial de crescimento, o Instagram também passou por um pivot significativo. Originalmente a proposta de valor era muito diferente, e com outro nome: Burbn. A proposta de valor era próxima ao de Foursquare, de fazer check-ins em locais físicos. Além disso, a experiência incorporava alguns elementos do jogo Mafia Wars, além do compartilhamento de fotos dos locais visitados.

Por que não funcionou?

A proposta de valor era complicada, misturando elementos de geo-referenciamento, com gamificação e compartilhamento de experiências. Logo na fase inicial de lançamento, o CEO ficou receoso de não conseguir tracionar, dada a complexidade excessiva do produto.

Pivot bem sucedido:

Analisando os dados dos usuários iniciais (os early-adopters), os fundadores chegaram a uma conclusão interessante: quase ninguém estava usando a funcionalidade de check-ins, mas muitas pessoas estavam compartilhando fotos. Não era a proposta inicial, mas era assim que as pessoas estavam interagindo com o produto. De posse dessa informação, os fundadores reconstruíram o app focando apenas no compartilhamento de fotos. A partir daí, o crescimento foi exponencial.

Pinterest

Proposta inicial

Fundado em 2009, o Pinterest tinha outro nome: Tote. A proposta de valor era fazer com que os usuários visitassem suas lojas virtuais favoritas, marcando os itens que mais gostavam. Quando esses itens entravam em promoção, os usuários eram avisados pela Tote.

Por que não funcionou?

Similar ao que aconteceu com o Instagram, os fundadores da Tote perceberam que os usuários estavam usando o produto de maneira diferente daquele previsto pelos founders. As pessoas estavam montando coleções pessoais de itens, e compartilhando essas coleções com seus amigos. O interesse era muito mais de acumular referências do que de fato comprar.

Pivot bem sucedido:

Observando esse comportamento, a Tote pivotou para Pinterest, um site onde o usuário poderia marcar (”pin”) os seus temas de interesse (”interest”). O pivot aconteceu em 2010, quase 2 anos após o lançamento da empresa. O crescimento foi exponencial. Seis meses após o relançamento, o site já possuía mais de 80 mil coleções. Hoje o Pinterest é uma empresa listada na bolsa, com valor de mais de USD 12 bilhões (em junho2022).

Netflix

Galpão da Netflix, quando a empresa ainda operava no sistema de envio de DVDs pelos correios

Proposta inicial

Inicialmente, a Netflix funcionava como uma operação de envio de DVDs pelos correios. Por uma mensalidade fixa, os clientes recebiam um número limitado de filmes mensalmente. A empresa operou nesse modelo por quase 20 anos (!), entre 1997 e 2006.

Por que não funcionou?

A proposta original funcionou, mas a tecnologia evoluiu. E, ao contrário de alguns de seus concorrentes mais famosos (sim, estamos falando da Blockbuster), a Netflix conseguiu evoluir e não deixou o dilema da inovação afetar a empresa.

Pivot bem sucedido

Netflix é um caso de empresa que opera em um mercado de fronteira tecnológica, e foi bem sucedida em evoluir seu modelo de negócio ao longo dos anos. Em resumo, é uma empresa em que houve diversos pivots: entre 2007 e 2012 a empresa mudou seu foco para streaming, pois a partir de 2005 a velocidade de internet comercial viabilizou a transmissão de vídeo com uma qualidade adequada. A partir de 2013, a empresa focou muito em conteúdo próprio, ao perceber que não havia mais diferencial tecnológico (hipótese confirmada pela proliferação de diversos outros streamings concorrentes). A partir de 2017, o foco passou a ser de produções internacionais. E, a partir de 2021, a empresa começou uma expansão para games. Olhando à posteriori, é seguro afirmar que a empresa não teria sobrevivido se não tivesse pivotado seu modelo de negócio diversas vezes.

AirBnb

Proposta inicial:

O foco inicial do AirBnB era muito mais específico do que substituir hoteis: inicialmente a solução era focada para viajantes que frequentavam conferências de negócios, e que precisavam de uma acomodação barata. Geralmente a “acomodação” era um colchão de ar em alguma residência, e é essa a razão do nome da empresa (!)

Por que não funcionou?

O modelo não era sustentável: a empresa gastava muito dinheiro para adquirir os clientes, mas a recorrência era muito baixa. Dado que a maior parte das conferências acontecia com frequência anual, o usuário médio utilizava a plataforma com uma recorrência muito pequena.

Pivot bem sucedido

O pivot foi expandir o serviço para viajantes em geral, com a proposta de viver uma experiência real na cidade (ao contrário de ficar hospedado em um hotel, que seria uma experiência artificial). Através de diversos canais de aquisição, e muita resiliência dos fundadores, a empresa se tornou um sucesso. Curiosamente, a empresa passou por um novo pivot em 2020, às vésperas de seu IPO, por causa da pandemia de Covid-19. E novamente passaram por essa desafio com sucesso.

Youtube

Incrivelmente, esse vídeo de 19 segundos foi o primeiro do Youtube após abandonarem o modelo de site de namoro

Proposta inicial

A plataforma foi lançada no dia dos namorados de 2005 (Valentine’s Day) com uma proposta bem diferente: ser um site de namoro, em que os pretendentes se apresentavam por vídeo.

Por que não funcionou?

Apesar de oferecerem USD 20 para usuárias subirem vídeos na plataformar, o conceito nunca decolou. As pessoas, especialmente do sexo feminino, não engajavam.

Pivot bem sucedido

Após alguns meses rodando sem tração, os fundadores decidiram deixar de lado o foco em namoro, e focar em vídeos em geral. Um vídeo postado por um dos fundadores, tirando sarro do tamanho da tromba de um elefante, iniciou um foco maior em vídeos de humor, o que acelerou a adoção da plataforma. Vale dizer que o timing foi perfeito: em 2005 houve um aumento progressivo da banda de internet, viabilizando a popularização dos conteúdos em vídeo.

Segment

Proposta inicial

Inicialmente, a proposta de valor da Segment era ser uma ferramenta para melhorar a comunicação entre alunos e professores. A ferramenta permitia que os estudantes avisassem ao professor em tempo real se eles estavam perdidos ou confusos. Ao compilar os dados de diversos alunos, o professor teria clareza se a turma estava aprendendo, e quais tópicos estavam sendo mais desafiadores para a classe.

Por que não funcionou?

Em um clássico exemplo de tentar resolver um problema que não existe, a startup teve baixíssima tração. As pessoas simplesmente não tinham o problema: em caso de dúvida, os alunos perguntavam ao professor diretamente. Não havia necessidade de uma interface adicional

Pivot bem sucedido

Depois de 18 meses tentando achar algum produto viável, o dinheiro da startup estava quase terminando. Já sem ideias do que fazer, eles decidiram open-source uma biblioteca de Javascript que haviam desenvolvido, e que era focada em coletar as informações da plataforma educacional e alimentar diversas ferramentas de analytics (Google Analytics, Kissmetrics, entre outras). Curiosamente (e também inesperadamente), essa biblioteca teve adesão da comunidade. Era algo que as pessoas precisavam. E assim a história continuou: hoje a empresa tem mais de 20 mil clientes, e o foco é conseguir padronizar diversas fontes de informação, e alimentar diversos serviços de analytics. A empresa foi comprada pela Twilio em 2020 por USD 3,2 bilhões

Slack

Acredite ou não, o Slack (uma empresa que foi vendida por USD 27bi) surgiu desse jogo

Proposta inicial

Originalmente, o Slack era uma empresa de games (!), chamada Tiny Speck, que estava desenvolvendo um jogo multiplayer chamado Glitch. O jogo foi lançado em setembro de 2011, mas teve acesso restrito por excesso de bugs em novembro de 2011.

Por que não funcionou?

A proposta do jogo era ambiciosa: multiplayer massivo, com foco em criar uma experiência social (mais ou menos similar ao que Roblox se tornou atualmente). O desenvolvimento se mostrou extremamente desafiador, e eles tiveram que lançar prematuramente, pois o dinheiro da empresa estava acabando. O lançamento foi um fracasso.

Pivot bem sucedido

Durante o processo de desenvolvimento do jogo, os fundadores desenvolveram uma ferramenta interna de comunicação. O nome, Slack, veio de uma abreviação: Searchable Log of All Conversation and Knowledge. Observando a utilização interna, decidiram disponibilizar o app como uma unidade de negócio apartada, focando no modelo de product-led growth (o produto inicial era, e ainda é, freemium). Os números são incríveis: 8.000 clientes se inscreveram nas primeiras 24 horas após o lançamento em agosto de 2013. Em fevereiro de 2015, a empresa informou que aproximadamente 10.000 novos usuários ativos diários se inscreveram a cada semana e tinham mais de 135.000 clientes pagantes espalhados por 60.000 equipes. No final de 2015, o Slack ultrapassou mais de um milhão de usuários ativos diários. Em maio de 2018, o Slack tinha mais de 8 milhões de usuários diários, 3 milhões dos quais tinham contas pagas. No momento do IPO, o Slack possuía mais de 10 milhões de usuários ativos diariamente. A empresa foi comprada pela Salesforce em 2021 por USD 27 bilhões, uma das maiores transações do ano.

Alguns dos pivots (Instagram, Twitter, Netflix) acima surgiram por busca ativa dos seus fundadores, ao observarem que a proposta de valor inicial não estava funcionando. Outros vieram pelo engajamento dos clientes em partes dos produtos (Slack, Segment, Youtube) e, ao observarem o comportamentos dos usuários, os fundadores pivotaram com sucesso.

Uma constante se mantem: toda startup é uma empresa, e toda empresa resolve um problema de um cliente pagante. O foco no problema, e a busca incessante por uma solução satisfatória, é o que aumenta a chance de uma startup no estágio inicial.

O ideal é não precisar passar por um pivot mas, caso seja inevitável, vale a pena ter clareza sobre qual o problema que está sendo atacado. Muito pior é insistir em uma proposta de valor que não está funcionando. O objetivo é sempre um só: construir algo que as pessoas queiram!

O logo do YCombinator é levado a sério pela equipe de EquitasVC: o objetivo é construir algo que as pessoas queiram!

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