Preciso financiar minha startup? Parte 2

Felipe Sertorio
EquitasVC
Published in
6 min readJun 30, 2022

Na primeira parte desse texto (https://medium.com/p/b8032e7e81f6), fizemos a provocação da real necessidade (ou não) de se levantar um investimento com VCs. Se, mesmo após as provocações, você ainda deseja seguir por esse caminho, vale a pena entender quais são as principais modalidades de aporte de capital utilizadas hoje em dia e os pontos importantes para tomar cuidado. Lembre-se que, por mais pressa que você tenha, uma decisão estratégica errada pode prejudicar (e muito) o futuro de sua startup.

Dívida conversível

A primeira modalidade é a chamada Dívida Conversível. Nela, o investidor concorda em emprestar o dinheiro à sua empresa. Essa dívida será convertida em equity caso alguns eventos (triggers) aconteçam. Esses eventos podem ser (i) novas rodadas de investimento; (ii) venda da empresa; (iii) liquidação da empresa e (iv) vencimento do prazo de maturidade. Em alguns contratos, o detentor da dívida conversível, no vencimento do acordo, pode optar pelo pagamento (em dinheiro) do principal + juros em vez de participação na empresa (o que não é um bom sinal, visto que investidores de VC querem render seu dinheiro na apreciação do equity e não no recebimento de juros).

A imagem abaixo ilustra o caso de uma startup que captou dinheiro com um investidor early-stage via dívida conversível. Note que, no passo 2, há a definição dos termos de pagamento da dívida. Os principais são: (i) principal da dívida; (ii) taxa de juros que incidirá ao principal durante todo o período do contrato; (iii) prazo do contrato (geralmente 12–24 meses); (iv) valuation cap e (v) desconto para o valuation da startup no momento de conversão.

O valuation cap nada mais é do que um teto (limite superior) para o valor da empresa no momento da conversão. É uma forma dos investidores early-stage se protegerem caso haja uma precificação posterior muito acima do esperado. Por exemplo, imagine um cenário em que o investidor da dívida conversível esteja avaliando a empresa em R$10 milhões e faz o empréstimo de R$1 milhão (o que daria a ele 10% de participação na empresa no momento da conversão). Após alguns meses, a startup decide levantar capital em uma nova rodada de investimento e, os novos investidores avaliam a empresa em R$100 milhões. O que vai acontecer é que, no momento da conversão, aquele investidor inicial que tomou um risco muito maior vai ter apenas 1% da empresa (R$1 milhão / R$100 milhões, desconsiderando os juros para efeito de simplificação) vs os 10% previamente estimados.

No exemplo acima, caso o valuation cap fosse de R$20 milhões, mesmo com a empresa sendo avaliada a R$100 milhões, o mínimo de diluição do investidor early-stage seria de 5% (R$1 milhão / R$20 milhões).

No entanto, além do valuation cap, há um outro conceito que impacta diretamente no preço de conversão da dívida em equity, que é o chamado “desconto no valuation”. Nesse caso, é negociado um valor que permite ao detentor da dívida conversível converter seu investimento (mais juros) por um preço inferior ao pago pelos investidores posteriores. Estes descontos variam tipicamente de 10 a 35%. Em termos práticos, o investidor early-stage converte sua dívida ao menor valor entre valuation cap e valuation atual x desconto.

Para tangibilizar, vamos voltar ao nosso exemplo acima, em que o cap é de R$20 milhões. Supondo um desconto de 20% acordado no contrato da dívida conversível, o investidor, no cenário de uma precificação de R$100 milhões da empresa, poderia converter suas ações a um valuation de R$80 milhões. Porém, nesse caso, o que valerá será o cap de R$20 milhões.

Apesar de um contrato de dívida conversível ser relativamente simples e padronizado, é bastante importante que você entenda bem cada um dos termos acima para não ser pego de surpresa.

SAFE

A segunda modalidade bastante utilizada hoje em dia é a SAFE (Simple Agreement For Future Equity), ou seja, um acordo entre os fundadores e investidores em que há o investimento preliminar para garantir um desconto em uma rodada subsequente. A figura abaixo ilustra como funciona o acordo.

Note que, diferentemente da dívida conversível, no passo 2 do SAFE não há principal, juros e prazo. Isso ocorre pois o SAFE não é uma dívida e sim uma garantia. Por outro lado, da mesma forma que acontece com a dívida conversível, o SAFE traz consigo conceitos importantes e que precisam ser entendidos, como os já conhecidos (por nós) valuation cap e desconto para o valuation no momento da conversão.

Apesar de ser reconhecidamente simples (a modalidade foi projetada para isso), ainda sim vale tomar certo cuidado para que você não entra no modo “desespero” e feche o deal aceitando todas as cláusulas.

Além disso, outro ponto importante para ficar de olho na modalidade SAFE é que, geralmente, eventos de conversão podem ser triggados sempre que há emissão de ações preferenciais, independente do valor, ao contrário da dívida conversível, em que os eventos são melhor especificados e garantem um controle um pouco maior por parte dos empreendedores.

Por fim, mas não menos importante, na hora de negociar um SAFE, vale ter na cabeça o conceito de cap table saudável, que foi explicado no post anterior, pois como investidores SAFE não se diluem entre si (dado que investem no post-money com participações definidas), há um risco maior de poluição do cap table. A imagem abaixo mostra, novamente, um exemplo de cap table saudável.

Neste momento, acredito que você deva estar se perguntando: “ok, entendi melhor as duas modalidades, mas afinal, qual dos dois é o melhor para mim?” E a resposta é: DEPENDE. O quadro a seguir mostra um comparativo dos dois modelos.

Note que, para cada uma das variáveis, há um modelo melhor que o outro. Porém, no final, o mais importante é que você entenda muito bem cada uma das cláusulas e considere o que acontecerá com a sua empresa, principalmente nos cenários extremos: sucesso total ou fracasso total.

Infelizmente, é comum que os investidores tenham maior poder de barganha por serem os “donos do dinheiro” e acabem empurrando cláusulas que, de início, pareçam inofensivas mas que, no futuro, podem prejudicar muito a empresa (e até mesmo você, fundador, na pessoa física).

Portanto, certifique-se de que você entenda do assunto, tenha sempre uma opinião bem embasada de alguém de confiança (contratar um advogado aqui é sempre um bom caminho) e, obviamente, tenha conversas francas e “papo reto” com seu investidor. Afinal de contas, como já dizia minha vó, o combinado não sai caro.

--

--