Como gerenciar pessoas depois da transformação ágil
Reduzir o microgerenciamento e propiciar o exercício da autonomia são os principais desafios
Cada vez mais se ouve falar em transformação ágil no ambiente corporativo. Primeiro, restrito ao campo do desenvolvimento de softwares e restrito às equipes de TI, o framework ágil está se alastrando agora pelas veias das empresas.
Na edição de Julho/18, a McKinsey Quarterly publicou o artigo — "O gerente ágil" — de Aaron de Smet, em que buscar desmistificar a questão da gestão x autonomia, que é realmente uma das grandes questões acerca desse tema nas companhias.
O paradigma é: como gerenciar um colaborador que está alocado por projeto, com base em suas competências. Essa flexibilidade, que pode trazer tanta eficiência e produtividade às empresas é uma dor de cabeça para as organizações mais tradicionais.
No artigo, Smet sugere que a gestão seja organizada em três níveis para viabilizar o trabalho no framework ágil. Em tradução livre, seriam o líder da seção, o líder da tribo e o líder do time. No formato, se aproxima dos departamentos que temos hoje — de hierarquia vertical — , porém o conceito de papéis de cada líder é diferenciado.
Para começar, é importante entender que um time no framework ágil é uma equipe multidisciplinar com muita autonomia para resolver um problema, com o objetivo de responder prontamente às rápidas mudanças no ambiente de negócios. O resultado é aumento no desempenho geral das equipes.
Com esse entendimento, partimos para definir o que muda no papel dos líderes de cada nível. Basicamente, se estabelece uma hierarquia de formação, que é de longo prazo e seria a base de longo prazo do colaborador na empresa. A outra hierarquia é a de comando, estabelecida no projeto atual do colaborador, para reportar o valor que está sendo criado naquele momento.
O líder de seção é o que está mais afastado do dia-a-dia do trabalho, ficando responsável com questões mais macro da gestão de pessoas como contratar, demitir, desenvolver talentos, avaliar e promover pessoas. É quem deve dar o tom do “como” fazer o que precisa ser feito. Esses líderes não verificam ou aprovam o trabalho de seus membros, e não fazem microgerenciamento, nem fornecem supervisão diária.
Desobrigados da supervisão direta, os líderes de seção ganham tempo de qualidade para investir na gestão de oportunidades de negócios e na construção de um ambiente propício para o crescimento e formação dos talentos, por exemplo.
Aqui começa o mantra "let it go" usado na imagem de abertura: é um dos grandes desafios dos gestores tradicionais: abandonar o microgerenciamento para atuar em atividades mais nobres de liderança.
O líder da tribo está mais ligado a "o quê" deve ser feito para trazer resultado financeiro e entregar valor aos clientes. As tribos são como unidades de negócios. No Scrum, o líder da tribo seria o P.O. (Product Owner), focado em definir prioridades baseado no que tem maior valor para o cliente.
Estes também administram menos e lideram mais, a fim de desfazer silos, permitir a colaboração além dos limites organizacionais. O maior desafio aqui também é sair do microgerenciamento para o desenvolvimento de estratégias para o negócio. Let it go.
Por último, vem o líder do time ou da equipe, com a função de ajudar no planejamento para execução das tarefas. Este deve fornecer inspiração, treinamento e feedback para os talentos do time e fazem reportes do progresso da equipe e desempenho das pessoas para os líderes da seção e da tribo.
O papel do líder do time pode ser mais ou menos formal e pode até mudar com o tempo, dependendo do trabalho que a equipe está desenvolvendo. Mais uma vez o desafio é liderar sem exercer um controle oneroso sobre as pessoas e processos.
Se esses três níveis de liderança atuarem de forma eficaz e não intrusiva, a empresa "desfrutará do melhor dos dois mundos: os benefícios de tamanho e escala tipicamente realizados em grandes organizações, bem como os benefícios de velocidade e agilidade frequentemente associados a pequenas empresas iniciantes" conclui Aaron de Smet.
É preciso falar de encarreiramento
Em grandes empresas, o desafio de implementar a matriz ágil também passa por romper com o formato tradicional de encarreiramento. Embora atualmente essa estrutura já não esteja mais tão rígida quanto antigamente, justamente pela necessidade de adaptação para as transformações no mercado de trabalho, que incluem o perfil diferenciado da geração y.
Para os colaboradores, o ambiente ágil possibilita a alocação por habilidades (ou skills, em inglês), o que geralmente proporciona maior motivação para trabalhar naquilo em que se é bom e, consequentemente, maior realização pelos resultados alcançados. Isso funciona bem para profissionais auto-motivados.
Nesse ponto, as grandes empresas precisam repensar as recompensas para os colaboradores com base nos resultados/desempenho. Isso ocorre tradicionalmente para as equipes de vendas, onde é mais fácil medir as entregas.
O novo formato de gestão (seções, tribos, squads) tende a distanciar o colaborador do líder que tem o poder decisório para concessão de bônus, promoções ou similares. Além disso, a alocação por projetos pode dificultar a consolidação de um talento, pois a liderança muda constantemente.
Aqui é importante lembrar que existem os talentos expoentes, que se destacam e toda a empresa vê, mas existem também aqueles colaboradores que fazem ótimas e consistentes entregas, porém não estão em evidência sempre.
Apesar das alegrias da auto-motivação, de trabalhar pela entrega de valor, propósito e resultados, ao longo do tempo a falta de reconhecimento pode culminar na redução de produtividade ou na evasão de talentos.
Por seu enorme potencial transformador e potencializador de resultados, o framework ágil tem chegado às empresas e isso é uma ótima notícia. Agora é fundamental que os demais processos também se agilizem para que a captura de valor seja plena nas organizações.