Leticia Frungillo
Es.piral
Published in
6 min readMay 13, 2020

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Photo by Oscar Keys on Unsplash

O futuro do entretenimento: Lives, drive-ins e outras previsões sem búzios ou tarot.

E então, tudo parou. Para mim, produtora de shows, festas e eventos com 30 datas já confirmadas para este ano ainda em março, de repente… nada.

Nunca vou me esquecer desta data, o chão começou a se abrir em uma quinta-feira dia 12 de março quando eu estava em Inhotim fazendo uma visita técnica para o MECA e soube que o Lollapalooza havia sido cancelado. O cancelamento do Lolla foi um sinal claro de que “a casa ia cair”, naquele dia já peguei o avião para São Paulo tensa e me preparei para o pior.

Então, naquela verdadeira sexta-feira 13, um a um, todos os eventos que eu tinha programados começaram a ser adiados ou cancelados.

Desde então estou em casa. Já são 60 dias pensando, processando, tentando me re-inventar, assim como a maioria dos meus amigos produtores de shows e eventos.

E veio a pandemia de lives

Neste tempo, como em um primeiro impulso de reconexão entre os artistas e o público surgiram as lives. E elas vieram como em uma pandemia. Muitas e todos os dias.

As lives tinham o intuito inicial de incentivar as pessoas a ficarem em casa e muitas delas também arrecadaram dinheiro para ajudar na luta contra o coronavírus. Mas aos poucos as lives começaram a virar super produções, cheias de produtores “invisíveis” trabalhando.

As lives tem sido um grande entretenimento dentro das limitações deste período de isolamento social. E claro que muita coisa boa e inovadora tem acontecido neste novo mercado. Muitos artistas têm aberto suas casas para seu público, e por estas janelas virtuais, temos nos aproximado como nunca da intimidade deles.

São tantas lives, que seria impossível comentar uma a uma, mas vou comentar algumas das lives brasileiras que vi refletindo sobre este novo mercado de trabalho e este novo produto.

As lives que eu mais gostei até o momento, foram as feitas de casa de verdade como a do Alceu Valença no sofá , ou a da Ivete Sangalo na cozinha com o marido limpando a pia e o filho brincando em volta. Soa quase contraditório que eu como produtora tenha gostado mais justamente das lives com menos produção. Mas como público, é justamente esta intimidade com os artistas que tem me interessado. Sei que mesmo para entregar esta simplicidade, se faz necessário um mínimo de produção, seja na contratação de um boa internet, seja no agendamento do artista e músicos. Em tempos de isolamento social, ter uma produção mínima, também significa expor menos pessoas ao risco e entregar mais qualidade sonora e visual.

A recordista brasileira de público até o momento — Marilia Mendonça, reuniu 3,2 milhões de pessoas na sua primeira live sem firulas sentada numa cadeira na sala de casa. Depois, suas lives foram ficando mais produzidas e o público diminuiu.

Nas últimas semanas as lives da Teresa Cristina têm feito bastante sucesso, além de cantar ela conversa com os fãs, incluindo Caetano Veloso que num dia desses entrou na live dela para dizer que estava adorando ouvi-la cantar. É uma live cheia de intimidade, com pouca produção e muito conteúdo.

No domingo de Dia das Mães rolaram as ainda inéditas e bastante esperadas lives, do Zeca Pagodinho , que cantou na piscina da casa dele rodeado de merchandising, e a live do rei Roberto Carlos, em um estúdio, com sua banda com todos os músicos usando máscara. Roberto mandou rosas virtuais para as mães através de um QRcode na tela. Minha mãe disse que chorou. O Zeca fez um show ótimo com repertório de sucessos e cheio de carisma no mesmo pacote, mas o excesso de merchandising me incomodou. Ja o Robertão, não fez merchand nenhum nem expôs marca no cenário. Teve apenas uma rede de supermercados citada pela apresentadora em um dos intervalos, visto que a live passou na Globo.

Além das lives de cantores e bandas, também tem rolado muitas lives de DJ. Essas, quase sempre em casa, são excelentes companhias para os dias solitários na quarentena. Muito bom ouvir os sets com calma enquanto escrevo, trabalho ou tomo um drink dançando na sala, mas confesso que me dá muitas saudades das festas que eu produzo, da animação da pista, da “craudi”, das noites em claro, de desmontar tudo de manhã sem ter dormido, mas com a sensação de missão cumprida.

E seguiremos vendo lives no futuro?

Eu acho que as lives vieram para ficar. Não como substituta dos shows com público, mas como um complemento do relacionamento entre o artista e fã. Acho que essa janela agora aberta trouxe uma nova possibilidade de intimidade com os artistas que os shows ao vivo não podem propiciar.

Acredito que mesmo quando os shows presenciais voltarem, as pessoas poderão comprar ingressos para ter momentos mais intimistas com os artistas, tais como um ensaio ou para vê-lo tocando entre amigos em casa. Certamente este é um novo produto, com grande interesse de público e grande potencial de monetização.

É por isso, por acreditar que o mais legal da live é a intimidade, que eu não acho que faz sentido as lives em suas versões “superprodução”. Gosto de ver como é a sala da casa dos artistas de quem sou fã, vê-los na intimidade do seu lar. Se for pra ver live super produzida eu prefiro procurar por um baita show gravado ao vivo, super produzido de verdade.

E para além das lives, o que mais nos aguarda no entretenimento em tempos de pandemia?

Um amigo me disse que para responder a esta pergunta todos nos tornamos videntes… Um bando de mãe Dinah tentando prever o futuro.

De qualquer maneira, alguns caminhos já despontam no horizonte e é possível enxergá-los sem a necessidade de búzios ou tarot. Um deles é o resgate dos drive-ins.

Em virtude da necessidade de distanciamento social, assistir um filme de dentro dos carros tem sido uma possibilidade de entretenimento fora de casa em tempos de isolamento.

Os Estados unidos, como berço dos drive-ins clássicos dos anos 50, foram os primeiros a resgatá-los. Desde então, eles têm se espalhado pelo mundo, inclusive no Brasil, com sessões já programadas no Allianz Parque, na Praia Grande, no Rio, e ainda com outros projetos em fase de comercialização em andamento. Encontramos no passado uma solução para um problema presente.

Pegando carona nessa ideia, um artista dinamarquês não muito famoso chamado Mads Langer foi o primeiro a fazer um drive-in concert na Dinamarca. A empreitada viralizou e a ideia se espalhou em poucos dias. Seguindo esta onda, na semana seguinte, um clube alemão fez uma drive-in rave chamada Autodisc. O artista americano Marc Rebillet anunciou a primeira turnê de show drive-in da América. A própria Live Nation já anunciou que estuda produzir shows neste formato.

Seguindo por outra linha, um evento que provavelmente acontecerá nesta semana no Temple Live, no Arkansas, será um bom teste para novas possibilidades na área. O artista Travis McCready fará o que está sendo chamado do primeiro show a era pós Covid19. O show com uma série de normas de distanciamento social, acontecerá em uma casa com capacidade para 1.100 pessoas, mas com apenas 229 ingressos em assentos espaçados disponíveis para venda. Além disso, o evento contará com controle do fluxo de pessoas em rotas únicas, controle de acesso aos banheiros, torneiras e sabonetes acionados por sensores, uso obrigatório de máscaras e medição de temperatura nas entradas.

Os ingressos, com valor simbólico de US$ 20, estão 80% vendidos e tem causado grande polêmica com as autoridades locais, que consideram ser uma atitude ainda precoce, conforme matéria do New York Times.

“Achismos” e certezas finais

Por hora, como produtora de eventos, lives e eventos dentro de carros são tudo que consigo enxergar como possibilidades de trabalho a curto prazo.

Os possíveis shows com distanciamento social e normas sanitárias, devem ser uma solução a médio prazo de modo geral. Mesmo que aconteçam outras experiências pontuais como a do Arkansas, nao vejo este formato se disseminado a curto prazo. Até porque shows com baixa capacidade e ingressos baratos não “fecham a conta”.

O que sei para além disso, são muitos achismos que tenho escutado de produtores, promotores e clientes em lives-debates que têm acontecido diariamente para discutir esse tal futuro do entretenimento pós-pandemia.

Ouço opiniões que vão desde “o mercado volta acanhado no 2º semestre” até “não vai ter trabalho na área até 2022”. No fundo, ninguém sabe.

Seja como for, eu acredito no potencial do mercado se adequar durante e após a pandemia.

As lives e os drive-ins são os primeiros exemplos de que o mercado nunca vai parar completamente. Tenho certeza que continuaremos nos re-inventando criando novos produtos, formas e possibilidades. Depois da tempestade, sempre vem a bonança.

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