A volta do mercado de eventos pós-pandemia: Mais do que quando, a pergunta é como?

Leticia Frungillo
Es.piral
Published in
6 min readMay 27, 2020
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Uma reflexão sobre a paralisia do mercado e como voltaremos

E em meio ao congelamento do mercado de entretenimento ao vivo gerado pela pandemia, o que mais tenho escutado nas lives que discutem o futuro deste mercado, ou nos grupos de produtores é: “Mas afinal, quando voltaremos?”.

Existe uma óbvia ansiedade para que possamos voltar a trabalhar porque, claro, toda a cadeia de produção está parada, sem trabalho e muitos passando reais necessidades.

Mas mais do que pensar em QUANDO voltaremos, acho que vale a reflexão de COMO voltaremos.

Muito dinheiro, muitos empregos e muita informalidade

O mercado de eventos movimenta 4% do PIB nacional e gera 7 milhões de empregos diretos e indiretos por ano.

Mas, apesar destes números tão relevantes, é um mercado extremamente informal.

Falando especificamente da área de produção de eventos, sabemos que 80% dos profissionais não têm carteira assinada e na maioria das vezes, nem sequer um contrato de trabalho. Não existe um sindicato que nos garanta nenhum direito, não existe uma tabela de cachês que regulamente a profissão e os profissionais da área não possuem nenhum benefício. Nem férias, nem 13º, nem licença maternidade, nada. Ainda assim, são profissionais que trabalham um mínimo de 12 horas por dia, muitas vezes 7 dias por semana, sendo comum virar noites trabalhando.

A realidade dos profissionais do mercado é bastante injusta se comparada ao volume de dinheiro movimentado.

E em meio a pandemia, está bem claro o quanto os profissionais informais do entretenimento estão sendo abalados. A maioria não possui caixa para se sustentar pelos meses que ainda serão necessários para o mercado voltar a funcionar e o governo brasileiro não lançou nenhum plano de assistência voltado a esta área. Com isso, muitos amigos estão tendo que criar alternativas de renda. Tenho amigos vendendo pão, bolo, quentinha, fazendo entregas por aplicativos…

Além disso, estamos ajudando uns aos outros. Já estão rolando muitas vaquinhas para ajudar os produtores desempregados. “Ajude um freela”, ou “backstage invisível” são algumas delas e estão funcionando bem ao que parece, pelo menos para o básico que é garantir comida.

A festa Carlos Capslock está fazendo uma campanha para tentar arrecadar fundos para pagar o cachê de toda equipe, da limpeza à produção, das 3 festas do ano que foram canceladas.

Não sei se um sindicato resolveria este problema, mas talvez nos desse força para falar mais alto aos governantes em busca de algum tipo de ajuda neste momento, se não fosse financeira, que fosse ao menos de isenção de impostos, contas ou no mínimo cestas básicas.

O lado negro do mercado

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O mercado de eventos é extremamente abrangente e cada segmento tem seu próprio modus operandi. Talvez nem todos precisem mudar sua maneira de operar e se relacionar após a pandemia, mas há um mercado que certamente precisa ser revisto, e este mercado é o mercado de eventos corporativos.

Neste mercado, agências participam de concorrências para ganhar um projeto sendo que ganha a agência que apresentar o melhor projeto pelo menor custo. Até aí, seria uma saudável concorrência pelo melhor custo benefício, mas a situação saiu do controle já faz algum tempo. Na pressão por ganhar, as agências passaram a cobrar cada vez menores honorários, chegando a 5% ou menos.

Mas óbvio que cobrar menos não fecha a conta, então para recuperar a receita perdida criou-se o BV. Uma comissão que a agência cobra do fornecedor pelo projeto e que é a abreviação de “bonificação por volume”. Esta comissão era inicialmente de 10% do valor do orçamento do fornecedor, mas já é comum vermos BVs de 20, ou 30%. Assim, uma agência que aceita executar um evento com honorários baixos de um lado, garante 20 a 30% de rentabilidade no projeto através de taxas cobradas de seus fornecedores do outro.

Isso “não seria um problema da minha área” não fosse o fato que quem faz este trabalho sujo para as grandes agências é o produtor, é ele quem liga para o fornecedor e diz: “Recebi seu orçamento, você considerou 20% para a agência?”. Sim, somos "obrigados" a fazer o trabalho sujo…

Existem agências onde o produtor tem o compromisso de entregar uma meta de rentabilidade com BVs. Para piorar, estas metas têm que ser alcançadas em planilhas que muitas vezes já estão com valores subestimados pois foram feitas para ganhar a concorrência. Para atingir as tais metas muitos produtores acabam "esfolando" fornecedores até que alguns praticamente pagam para trabalhar, para não “perder”aquela agência como cliente.

O mercado corporativo nas grandes agências se tornou um ambiente tenso e muitas vezes tóxico, pois cada vez mais a conta não fecha e muitas vezes é como se o produtor tivesse que salvar uma matemática falida.

Para piorar, a maioria dos clientes sabe de tudo isso, mas finge que não sabe. E é assim que este mercado opera.

Não seria melhor tabelar os honorários de forma que a conta feche e jogar limpo sem comissões escusas? Este mercado repete os erros da velha política e a meu ver, isso precisa ser mudado.

Mas, ha esperança!

Há esperança para os eventos corporativos e ela esta nas novas agências que têm surgido no mercado. Agências menores, com custos mais enxutos e com políticas de cobrança mais transparentes, como a minha agência a Lets Produções. ❤

Ser uma agência pequena, não é demérito, e sim estratégia.

É possível funcionar on demand e montar equipes dedicadas aos clientes de acordo com o que ele quer ou pode pagar.

No formato clássico, e a meu ver já antiquado, os clientes são obrigados a pagar por uma equipe de 200 funcionários sendo que às vezes apenas 3 ou 4 pessoas trabalham para o projeto.

Os clientes já estão percebendo que as agências menores além de mais baratas são tão ou mais eficientes, mais ágeis, jovens, descoladas e modernas.

Meu palpite aqui é: O futuro é das pequenas!

Agência não é banco

Outro ponto que precisa mudar, é que um dos fatores que os clientes buscam nas grandes agências é o fluxo de caixa.

Muitos dos maiores clientes do mercado pagam as agências com prazos de 60, 90, 120 ou ate mesmo 180 dias. Como é possível realizar um evento recebendo 180 dias depois? A resposta é simples, não é! Alguns fornecedores conseguem aguardar este prazo, mas seria justo pedir para um carregador, limpeza ou segurança que ao trabalhar por 1 dia ele aguarde por 6 meses para receber?

A boa notícia é que parte deste movimento de mudança também já está acontecendo!

A AMBEV, um dos maiores clientes do mercado, se posicionou semana passada aceitando a diminuição dos prazos de pagamento, que eram por praxe de 120 dias para 30 dias.

O posicionamento é um retorno a pressão criada pela AMPRO que além da redução dos prazos de pagamento criou o movimento#jobentregueéjobpago, se posicionando contra o desgaste das concorrências entre agências. Estas concorrências, movimentam de 3 a 5 agências, que por sua vez movimentam de 5 a 10 profissionais cada, para levantar projetos que não vão ganhar mas vão dar muito trabalho sem receber nada por isso. E ainda, parte das ideias dos projetos que não ganharem, muitas vezes serão usadas… Estas concorrências são mais um ponto a se pensar, são realmente necessárias? Se sim, precisam ser mais éticas e talvez remuneradas.

Temos muito a melhorar no nosso mercado. Melhorar processos, regulamentar profissões, repensar a forma.

O mercado do entretenimento ao vivo, certamente voltará em breve.

Muitos têm dito; “Voltaremos mais fortes”.

Eu tenho pensado que precisamos voltar melhores.

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