Vamos reinventar o jornalismo em um protesto? Pode ser que sim

simone cunha
escola de jornalismo
3 min readOct 15, 2015

Depois de uns dez anos como repórter, virei editora-educadora na Énois e, com o aumento da idade penal batendo à porta, resolvi acompanhar os jovens repórteres que quisessem ir a um protesto contra a medida.

Seria uma aula prática. Jornalismo se faz fazendo e estar ali com dois jovens repórteres — o Tiago Tuiuiú, que está no começo da faculdade; e a Maryane Silva, que está estudando pra entrar nela - seria ajudá-los a ir mais um pouquinho informação à dentro.

Tiago Tuiuiú com a mão na massa na cobertura.

Só que eu vi mais. Vi o processo jornalístico acontecendo, se (re)democratizando e se fortalecendo com seriedade.

Eu já cobri protestos não porque o editor me mandou, mas porque eu “vendi” a importância de dar voz ao questionamento social. Vejo que a mobilização é importante e decidi, como jornalista, dar voz a alguma insatisfação coletiva para que ela fosse conhecida e discutida — não vendida para ou comprada por quem se informa.

Só que nunca consegui fazer isso numa redação grande. Ali o processo de produção jornalístico tem cada vez menos espaço para o diálogo no dia a dia das pautas, poucas vezes é construído do reportariado pra chefia. O sentido geralmente é inverso.

É isso que vi acontecer — e tomei consciência — naquele protesto com o Tiago e a Mary.

Eu soube da manifestação e perguntei aos repórteres quem queria ir. Os dois quiseram. Eu os ajudei a montar uma estrutura de texto porque minha função na Énois não é só editar, é ensinar. Eu editei o texto para que ele ganhasse uma narrativa mais coerente e interessante (a matéria deles está aqui).

Ou seja, não foi um discurso só deles, foi meu também. Mas foi um discurso, uma descoberta, um aprendizado e uma decisão da Mary e do Tiago: do reportariado e da periferia, de onde eles são.

A gente transforma o jornalismo quando dá poder a quem faz reportagem — e a consciência e responsabilidade desse poder de falar.

Mary entrevistando outros jovens no meio da manifestação.

Jornalismo é feito de escolhas: a gente escolhe falar de algumas coisas e de outras não. Definimos o que vira reportagem, como ela é feita e até quem faz. E transformamos o jornalismo mais ainda quando nos damos conta disso e temos voz de gente diversa.

Na Énois a gente tem a pretensão de ajudar a reinventar o jornalismo com esse modelo de agência escola que está se estruturando desde 2009. Não temos um plano infalível nem muito concreto para isso, mas dar voz e consciência ao reportariado certamente é um passo nessa direção.

Ainda quero levar essa e outras duplas a vários outros protestos — e lugares sobre os quais eles queiram falar. E enquanto oriento e acompanho as descobertas deles, vou pensando: será que eles entenderam tudo isso? Imagino que até mais do que eu.

Mostramos a eles as “fórmulas” do jornalismo e pedimos pra que eles nos ajudem a derrubá-las pra melhor.

Texto publicado originalmente no Brasil Post, em julho de 2015.

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