Como nos cabe responder?

Guilherme Lito
Escola Schumacher Brasil
6 min readMay 18, 2018

*Texto original publicado por Tim Crabtree, Professor Senior do mestrado de Economia para Transição no Schumacher College.

Se pararmos para investigar, é claro que, tanto a sociedade humana quanto o planeta Terra do qual fazemos parte estão em uma trajetória tensa(*1). Podemos ver uma crescente desigualdade de renda e riqueza, injustiça social, incluindo pobreza e exploração, e degradação ambiental devido ao esgotamento de recursos e poluição(*2).

O Schumacher College pergunta como vamos responder a essa crise crescente — qual é, em outras palavras, a nossa responsabilidade (respons-habilidade)? E.F. Schumacher, a inspiração por trás do nome do Schumacher College, questionou as respostas ortodoxas dadas pelos economistas convencionais (e políticos que são seus servos). Essencialmente o que eles propõem é que devemos “libertar” os criadores de riqueza — empreendedores individuais e corporações — o que resultaria em um nível melhor de bem-estar para todos.

Porém, está claro que a base teórica para esse argumento tem falhas profundas, ao mesmo tempo que evidências empíricas de que isso não está funcionando vêm aumentando constantemente nos últimos 30 anos. É proposto que o mercado é um sistema de equilíbrio, onde os preços refletem as decisões racionais de consumidores, investidores e produtores. Se “distorções” como a interferência do governo e sindicatos de trabalhadores são minimizados em nome do “mercado livre”, então todos os recursos serão alocados da maneira mais eficiente possível, a produção será maximizada, consumidores estarão satisfeitos e trabalhadores serão empregados.

A crise financeira de 2008 demonstrou de maneira conclusiva que a economia não é um sistema de equilíbrio como um cavalo de balanço (que se atingido por distúrbios externos logo voltará à sua posição estável), mas como sugere Andrew Haldane do Bank of England, é mais como uma manada de cavalos selvagens (mexa em um cavalo e você não terá nenhuma ideia para que direção a manada vai, nem onde ela vai parar)(*3). A economia é na verdade um sistema complexo em evolução, contendo muitos atores cujos comportamentos influenciam um ao outro de maneira não-linear. Quatro influências críticas garantem que estamos nos movendo para longe do equilíbrio num passo cada vez mais rápido: o enorme fluxo de carbono num sistema fechado (a atmosfera); a “financeirização”(*4) distorcida da economia, com transações financeiras excedendo substancialmente as transações de bens e serviços reais numa ordem de pelo menos 50 vezes; o fato de que os ricos se beneficiam de loops de feedback positivos (os ricos ficam mais ricos) enquanto aqueles que dependem de renda têm visto seus salários reais estagnarem(*5); e o impacto de novas tecnologias de informação nos empregos, na estrutura da indústria (através de retornos de escala ainda maiores — outro loop de feedback positivo)(*6).

Essa é uma lista de desafios desanimadora, e pode nos levar a sentirmo-nos perdidos em como responder. Precisamos então voltar para o básico: para que serve a economia, e o que podemos individualmente fazer em resposta, de forma a contribuir para uma transição da economia para uma direção mais benigna?

Na minha perspectiva, o propósito da economia é aumentar o bem-estar de todos, e que isso não implica uma tentativa simplista de maximizar a produção e consumo (medido em termos de Produto Interno Bruto). De acordo com o economista chileno Manfred Max-Neef, o aumento de bem-estar significa satisfazer uma série de necessidades básicas — subsistência, proteção, afeição, compreensão, participação, lazer, criação, identidade, liberdade. Essas necessidades são satisfeitas de diversas maneiras, incluindo a produção de bens e serviços econômicos.

Promotores de satisfação chave são: alimento, energia, moradia, saúde e serviços de assistência social, atividades culturais e tecnologias de comunicação. Isso nos dá uma maneira de abordar nossa “respons-habilidade” na esfera econômica, já que podemos nos perguntar se podemos atuar em um desses setores chave. Por exemplo, eu trabalhei nas áreas de alimento(*7); energias renováveis(*8); e habitação acessível(*9). Além disso, teremos que endereçar o acesso a recursos chave — incluindo terra, espaço de trabalho e conhecimento (que podem ser visto como “bens comuns”), assim como as finanças — e essas podem ser áreas para as quais as pessoas se sentem atraídas para trabalhar. Também existe um papel crucial a ser realizado na construção de um apoderamento mais democrático e a localização da economia. Estes foram resumidos por Mike Lewis e Pat Conaty no livro “The Resilience Imperative”, e no seguinte diagrama:

Acredito que o próximo passo é identificar um conjunto de influências que podem nos dar algum direcionamento para a resposta do que escolhermos fazer. Há três que eu acredito serem cruciais:

  • Aprender a partir da ecologia
  • Aprender do pensamento sistêmico e teoria da complexidade
  • Aprender das sabedorias tradicionais

Vou lidar com cada um desses brevemente.

  1. Aprender da ecologia: Sistemas ecológicos são geralmente abertos (primordialmente para a energia do sol), modulares, diversos e em rede. Transferir o entendimento dos princípios ecológicos para a esfera econômica pode significar entender a abordagem da economia circular, explorar como podemos atingir resiliência a partir da descentralização, diversidade e auto-organização, e perguntando como um setor em particular pode buscar um caminho de transição para o não crescimento ou decrescimento.
  2. Aprender da complexidade. Como foi dito acima, a economia está começando a ser entendida como um sistema complexo em evolução. Insights de pensadores sistêmicos como Donella Meadows (*11) ou teóricos da complexidade como W. Briand Arthur podem ser valiosos em identificar como podemos intervir. Porém, cabe ressaltar que há sempre o perigo de focar nas representações de sistemas, ao invés de cultivar a sensibilidade para as dinâmicas dos sistemas complexos — aqui o trabalho da Patricia Shaw, entre outros, tem sido importante para focar nos “processos complexos responsivos de relacionar-se”, ao invés de focar em modelos de sistemas computacionais (*12)
  3. Aprender com sabedorias tradicionais. Economistas convencionais sugerem que devemos todos seguir nossos interesses pessoais e competir uns com os outros, mas essas visões são poderosamente desafiadas por tradições que enfatizam o altruísmo, a compaixão, colaboração e comunidade.

Essas três maneiras de pensar e agir têm sido importantes influências para movimentos sociais recentes, incluindo novos movimentos na economia. Esses incluem o código aberto, peer-to-peer (P2P) e iniciativas de bem comum, uma nova onda de negócios cujos donos são os funcionários e cooperativas, decrescimento econômico e iniciativas de transição e o movimento de finanças sociais.

Conclusão

Temos uma “respons-habilidade” de agir no mundo, de endereçar as muitas crises sociais e ambientais que vivemos, e há muitos setores econômicos nos quais podemos intervir. Temos uma série de influências que podem nos guiar — princípios ecológicos, teoria da complexidade e sabedorias tradicionais. Também podemos nos inspirar em novos movimentos econômicos. Contudo, na minha experiência, isso não é o suficiente. Pode ser um bom ponto de partida criarmos em nossas mentes um modelo — uma “treliça” — que pode guiar nosso trabalho. Combinando o trabalho de Conaty e Lewis com os pensamentos de Satish Kumar (um dos fundadores da Schumacher College), que fala da necessidade de nos re-conectarmos com nós mesmos, com o meio ambiente e com as outras pessoas, a treliça se pareceria com algo assim:

Precisamos lembrar, contudo, que toda iniciativa ou empresa com a qual escolhermos trabalhar é uma entidade viva, composta por múltiplos relacionamentos que evoluem o tempo todo. Uma treliça pode prover uma estrutura e suporte, mas não determina para que direção a planta irá crescer. Por isso precisamos focar no processo contínuo de “formação” e “cultivo”. Tudo começa com uma semente, por isso precisamos nos perguntar como podemos cultivar essa semente na medida em que ela cresce e evolui com o tempo? Como está a forma aparecendo e evoluindo num processo sem fim, não só representada em nossos planos e estratégias? Que espaço precisamos criar para permitir que o “sistema” vivo possa crescer? Como vamos tomar a liderança, ao mesmo tempo em que reconhecemos que tudo no futuro é incerto? Qual é a qualidade da mente que precisamos cultivar para que continuemos verdadeiros às nossas intenções iniciais? Essas são perguntas que podem nos guiar conforme vamos “respondendo” às crises à nossa volta.

Referências:

*1: Veja por exemplo: https://www.theguardian.com/environment/earth-insight/2014/mar/14/nasa-civilisation-irreversible-collapse-study-scientists

*2: Veja por exemplo: http://www.kateraworth.com/doughnut/ e http://www.stockholmresilience.org/research/planetary-boundaries.html

*3: https://www.mckinsey.com/global-themes/long-term-capitalism/redefining-capitalism

*4: Veja http://neweconomics.org/2014/12/inequality-and-financialisation/

*5: http://piketty.pse.ens.fr/fr/

*6: https://www.youtube.com/watch?v=WQ6ppznYl-Q e http://tuvalu.santafe.edu/~wbarthur/

*7: https://www.sustainweb.org/publications/local_food_links_the_first_10_years/ ; http://www.localfoodlinks.org.uk/

*8: https://www.dorsetcommunityenergy.org.uk/

*9: https://wessexca.co.uk/community-land-trusts-bbcs-countryfile/

*10: Lewis, M. and Conaty, P. 2012. The resilience imperative: Co-operative transitions to a steady-state economy. Gabriola Island, British Columbia: New Society Publishers.

*11: https://en.wikipedia.org/wiki/Twelve_leverage_points

*12: https://odneurope.wordpress.com/2013/04/15/the-importance-of-changing-conversations-in-organisations/

 by the author.

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