Inestimável — George Monbiot

A agenda do “Capital Natural” é moralmente errada, intelectualmente vazia e, acima de tudo, contraprodutiva.

Guilherme Lito
Escola Schumacher Brasil
5 min readJul 10, 2018

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Por George Monbiot, publicado no The Guardian 15 Maio 2018. Versão original no seu site

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Pouco importa que o novo cão de guarda ambiental não terá dentes. Pouco importa que o governo planeja remover a proteção de reservas naturais protegidas …. Pouco importa que o plano ambiental do governo para os próximos 25 anos é de muita fala e nenhuma ação. Nós não precisamos mais de regras. Nós temos um pó mágico que podemos botar em todo problema e fazê-lo desaparecer.

Esse pó é a avaliação monetária do mundo natural. Através da magia dos mercados, podemos evitar conflitos e decisões difíceis, leis e políticas, ao substituir decisões políticas por cálculos econômicos.

Quase todos os documentos oficiais em relação a temas ambientais estão agora cheios de referências ao “Capital Natural” e ao Natural Capital Committee (Comitê de Capital Natural), o corpo Lapuciano que o governo criou para dar preço ao mundo vivo e desenvolver uma série de “Contas nacionais de capital natural” . O governo admite que “no presente não conseguimos dar valor a tudo que queremos de maneira robusta; a vida selvagem sendo um desafio em particular.” Eles esperam que isso possa ser resolvido, para que possamos saber, em breve, exatamente quanto vale a flor Prímula.

O governo argumenta que, se não há um preço para a vida no mundo, não damos valor a ela, e por isso decisões irracionais são feitas. Ao dar custo para a natureza, garantimos que ela comande os investimentos e proteções que as outras formas de capital atraem.

Esse pensamento é baseado em uma série de equívocos extraordinários. Até o próprio nome revela uma confusão: capital natural é uma contradição em termos. O Capital é entendido corretamente como a parte da riqueza feita pelo ser humano que é investida em produção para criar mais retornos financeiros. Conceitos como capital natural, capital humano ou capital social podem ser usados como metáforas ou analogias, mas podem ser enganosos. Mas o plano de 25 anos define capital natural como “o ar, água, solo e ecossistemas que sustentam todas as formas de vida”. Em outras palavras, a natureza é o capital. Na realidade, a riqueza natural e o capital produzido por humanos não é nem comparável nem intercambiável. Se o solo é lixiviado da terra, nós não conseguimos cultivar alimento numa cama de derivativos.

Uma falácia similar se aplica aos preços. A não ser que algo seja resgatável/trocável por dinheiro, uma etiqueta com libras ou dólares na sua frente não faz sentido: o preço representa uma expectativa de pagamento de acordo com as taxas de mercado. Ao dar o preço para um rio, uma paisagem ou um ecossistema, ou você está botando ele a venda, que seria pavoroso, ou você não está, o que seria um exercício sem sentido nenhum.

Ilusão maior ainda é a expectativa de que conseguimos defender o mundo vivo através do mindset que o está destruindo. As noções de que a natureza existe para nos servir; que o seu valor consiste nos benefícios instrumentais que conseguimos extrair; que esse valor pode ser medido em termos de dinheiro; e que o que não pode ser medido não importa, se provaram letais para o resto da vida no planeta. A maneira como damos nome às coisas e pensamos sobre elas — em outras palavras os modelos mentais que usamos — nos ajudam a determinar a maneira como vamos tratar as coisas.

Como o linguista cognitivo George Lakoff aponta, quando você usa os modelos e linguagens dos seus oponentes, você não os persuadia a adotar seu ponto de vista. Você é que adota o ponto de vista deles, enquanto aumenta a resistência deles aos seus objetivos. Lakoff argumenta que é chave para o sucesso político que se promova seus próprios valores, ao invés de apaziguar o modelo mental que você contesta.

A agenda do capital natural reforça a noção de que a natureza não tem valor a não ser que você possa extrair dinheiro dela. Dieter Helm, que lidera esse comitê absurdo do governo, deixa esse ponto bem explícito: a ideia de que a natureza tem valor intrínseco, independente do que os humanos podem tirar dela, ele afirma, é “perigoso”. Mas essa ideia perigosa tem sido a força por trás de todas as campanhas ambientais bem sucedidas.

A resposta mais comum ao ponto que estou expondo é de que podemos usar tanto os valores intrínsecos como extrínsecos para proteger a natureza. A agenda do capital natural, seus defensores dizem, é “uma arma adicional na luta para proteger o campo”. Mas ela não adiciona, ela subtrai. Como o filósofo Michael Sandel argumenta em `O que o dinheiro não pode comprar`, valores de mercado expulsam/substituem os valores que não são de mercado. O mercado muda o significado das coisas sobre as quais discutimos, substituindo obrigações morais por relações comerciais. Esse processo corrompe e degrada nossos valores intrínsecos e esvazia a vida pública de argumento moral.

Além de tudo, seu exemplo mostra, é também contraprodutivo: incentivos financeiros enfraquecem nossa motivação para agir para o bem público. “Altruísmo, generosidade, solidariedade e espírito cívico são… como músculos que se desenvolvem e crescem na medida em que exercitamos. Um dos defeitos da sociedade dirigida pelo mercado é que ela deixa essas virtudes definharem.”

Então quem vai resistir a essa mentalidade destrutiva e ressecada? Ao que parece, não serão os grandes grupos de conservação. Nesta edição da revista BBC Wildlife, Tony Juniper — que em outros momentos é um defensor admirável do mundo vivo — revela que ele usará sua nova função como líder de campanhas da WWF para promover a agenda de capital natural.

Talvez ele não esteja ciente de que em 2014 a WWF comissionou uma pesquisa para testar essa abordagem. A pesquisa mostrou que quando as pessoas são lembradas dos valores intrínsecos da natureza, é mais provável que eles defendam o planeta vivo e apoiem a WWF do que quando são expostos a argumentos instrumentais e financeiros. A pesquisa também descobriu que quando os dois argumentos eram usados juntos, produziam o mesmo resultado de quando usavam só o argumento financeiro: a agenda do capital natural, em outras palavras, enfraquece a motivações intrínsecas das pessoas.

Isso foi esquecido? As vezes me pergunto se algo foi aprendido em termos de conservação, ou se toda grande ONG vai para sempre estar destinada a seguir um caminho circular, repetindo seus erros para sempre. Ao invés de contribuírem para a alienação e desencantamento que a mentalidade comercial alimenta, elas deveriam nos ajudar a enriquecer nossa relação com o mundo vivo.

A agenda de capital natural é a expressão definitiva de nosso desengajamento do mundo vivo. Primeiro perdemos animais selvagens e maravilhas naturais. Depois perdemos a conexão com o resta da vida na terra. Depois perdemos as palavras que descrevem o que uma vez soubemos. Depois o chamamos de capital e damos um preço. Essa abordagem é moralmente errada, intelectualmente vazia, emocionalmente alienante e autodestrutiva.

Àqueles que estão motivados pelo amor que tem pelo planeta vivo não deveriam hesitar em dizê-lo. Nunca subestime o poder dos valores intrínsecos. Eles inspiram todas as lutas por um mundo melhor.

www.monbiot.com

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Exploraremos essas e outras questões relacionadas a um empreender a partir do que está vivo dentro e fora de nós durante o Empreendedorismo Vivo que acontecerá de 17–21 Out. Mais informações nesse link.

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