15 mulheres que escrevem livros de terror — e escrevem muito bem…

Jéssica Reinaldo
Escotilha NS
Published in
9 min readMar 31, 2020
Ann Radcliffe é considerada a primeira mulher a escrever romances góticos. Ela não só conseguiu "ganhar dinheiro" com isso como ajudou a popularizar o gênero e a desenvolvê-lo. Isso abriu as portas para o que hoje chamamos de terror.

Podemos dizer que o terror e o horror são “primos” mais novos bastante próximos do gênero gótico. Mas o que isso tem a ver com as mulheres? Absolutamente tudo! É graças a uma mulher, chamada Ann Radcliffe, que todos esses gêneros se desenvolveram e ganharam notoriedade. Neste texto, vamos conhecer um pouco dessa trajetória, descobrir um pouco da diferença entre terror e horror e ainda elencar algumas das principais mulheres autoras desses gêneros — elas ajudam a moldá-los até hoje.

A diferença entre horror e terror

Como nos conta Alberto Manguel, em Contos de horror do século XIX, foi Ann Radcliffe, também, que começou a construir uma diferenciação entre horror e terror. A autora afirmou que há uma diferença entre ambos:

Um dilata a alma e suscita uma atividade intensa de todas as nossas faculdades, enquanto o outro as contrai, congela-as e de alguma maneira as aniquila. […] Onde situar, então, essa importante diferença entre terror e horror senão no fato de que este último se faz acompanhar de um sentimento de obscura incerteza em relação ao mal que tanto teme?

No entanto, há similaridades entre os dois gêneros também, obviamente. E, por isso, não é de se espantar que Radcliffe, uma grande autora de romances góticos, também tenha se aventurado com histórias de horror. Afinal de contas, o gótico trabalha com o medo de maneira muito próxima em suas narrativas, nem sempre como elemento principal, é verdade, mas sempre como uma peça essencial para as histórias.

Folha de rosto da edição original de "Romance siciliano", publicado em 1792. Agora, a obra ganha uma edição inédita no Brasil, enviada aos assinantes da Escotilha.

O terror e as mulheres

Tendo em vista esse cenário de protagonismo de Radcliffe não apenas na popularização dos gêneros em que escrevia, mas também em sua visão essencial para o desenvolvimento deles, não são compreensíveis a resistência e a incredulidade de muitas pessoas sobre a inerente ligação entre as mulheres e o terror.

Ainda hoje é possível ver por aí a surpresa estampada no rosto de quem questiona “como uma mulher pode ter escrito algo tão violento e aterrorizante?”. Pois bem, o gênero nasceu, cresceu e tem se desenvolvido constantemente — nas mãos de mulheres! Mesmo que muitos não percebam, a lista de autoras, diretoras, produtoras, ilustradoras… é enorme.

Em alguns casos, mesmo que o terror e o horror não sejam o tipo principal de narrativa, os elementos ligados ao gênero estão lá. Peguemos como exemplo “O papel de parede amarelo”, de Charlotte Perkins Gilman, que apresenta uma mulher fragilizada, presa em um quarto, aterrorizada por um papel de parede amarelo. Ainda hoje o conto figura entre listas de melhores histórias de terror, além de ter sido adaptado algumas vezes para outras mídias.

Temos também autoras que escrevem contos estranhos, com aquele clima de que algo está errado, repletos de situações desconfortáveis, que podem ou não ser considerados de terror por seus leitores, como Carmen Maria Machado, Samanta Schweblin, Liudmila Petruchévskaia, Mariana Enriquez e Kristen Roupenian.

Temos mulheres que procuram recontar histórias, a partir do ponto de vista de personagens femininas secundárias, como A sombria queda de Elizabeth Frankenstein, de Kiernan White, que refaz os escritos de Frankenstein; ou Mary Reilly, de Valerie Martin, que conta novamente, de outra maneira, a história de O médico e o monstro.

Isso não quer dizer que seja um gênero fácil, simples de se flertar. Mas isso mostra, principalmente, como mulheres têm se aventurado nesse local assustador desde sempre, o cantinho sombrio da mente humana, e não têm recebido metade do respeito que deveriam. Mostra também como é um gênero imenso, com tantos elementos a serem aproveitados. Logo, é evidente que existem histórias de todos os gostos sendo contadas por várias pessoas por aí, inclusive por mulheres. E é importante conhecê-las.

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Hoje, o gênero do terror é imenso. Os temas que podem ser trabalhados com elementos aterrorizantes são dos mais variados, de monstros a perseguidores, passando pela própria personalidade humana ou algo irreal que pode nos perseguir no escuro. E as autoras que têm trabalhado com esses temas também são várias. Algumas delas foram listadas a seguir, para que você, leitor, possa conhecer um pouco mais, ler novas histórias, citar novos nomes.

Mary Shelley

Não é exagero dizer que o terror como conhecemos hoje tem muita da responsabilidade de Mary Shelley. Em 1818, ao publicar, sem seu nome, Frankenstein, Shelley alterou os rumos das narrativas fantásticas. Sua criação, que intercalou dois gêneros muito novos, o terror e a ficção científica, é tratada muitas vezes como o marco inicial do horror moderno. Antes dele, o horror se aproximava muito mais ao gótico e às criações de Ann Radcliffe e Horace Walpole, O castelo de Otranto. Shelley tinha apenas 21 anos ao publicar a obra e após Frankenstein novos rumos foram explorados, com livros de menos renome, mas tão importantes quanto, como O último homem e O olho maligno, e que também valem muito a pena serem conhecidos.

Caitlín R. Kiernan

Apesar de não se considerar uma autora de terror, como consta em seu próprio site, Caitlín R. Kiernan flerta bastante com o gênero e trabalha com elementos caros para a ficção de horror: a morte, a angústia, o desespero, o que é real e o que não é, entre tantas outras pequenas coisas que fazem o terror ser tão imenso.

Shirley Jackson

Autora de obras como Assombração da casa da colina e Sempre vivemos no castelo, Shirley Jackson foi uma das maiores autoras de terror de todos os tempos e influenciou mestres do gênero, como Stephen King e Neil Gaiman. Suas histórias têm uma visão peculiar sobre o medo, com personagens carismáticas, mas nem de longe extremamente puras ou boas. Suas preocupações e reações diante do mundo são extremamente humanas.

Lois Duncan

Poucos sabem, ou ignoram o fato, de que Eu sei o que vocês fizeram no verão passado, que foi dirigido por Jim Gillespie e lançado em 1997, é adaptado da obra de uma mulher, chamada Lois Duncan. Duncan publicou o livro em 1973 e logo após escreveu Down a Dark Hall, que também virou filme em 2018, dirigido por Rodrigo Cortés. Além desses dois, Duncan também escreveu o livro Summer of Fear, em 1976, que Wes Craven adaptou como filme em 1978. Muitos de seus livros contam com temática adolescente e foram um sucesso de crítica e vendas.

Sarah Waters

Com uma série de romances publicados — dentre eles alguns adaptados para o cinema, como Na ponta dos dedos, cuja adaptação, A criada, foi dirigida por Park Chan-Wook em 2017, ou Estranha presença, adaptado por Lenny Abrahamson no filme The Little Stranger, de 2018 –, Waters é um nome pouco comentado dentro do horror, mas que utiliza elementos do gênero em suas obras como poucos. Toda a aura de estranheza que perpassa suas histórias são capazes de nos transportar como espectadores a locais horríveis e que não gostaríamos de observar.

Angela Carter

Com histórias assustadoras que evocam os contos de fadas, ou vice-versa, Angela Carter foi poeta e autora de histórias de realismo mágico e ficção científica, além de escrever não ficção. Colaborou no roteiro do filme A Companhia dos Lobos (The Company of the Wolves, lançado em 1984), de Neil Jordan. Carter recebeu vários prêmios ao longo de sua carreira, e ficou conhecida por suas histórias de cunho feminista, reinterpretando contos que conhecemos tão bem e são tão antigos, como o da Chapéuzinho Vermelho.

Anne Rice

Autora de Entrevista com o vampiro, Príncipe Lestat, Pandora, entre tantos outros romances, Anne Rice é uma das mulheres que ajudou a mudar a concepção de vampiro que temos hoje. Se o Drácula é a grande inspiração do século 20 para a criatura vampiresca, Rice moldou essa ideia para ficar ainda mais moderna, pós-anos 1960, com uma criatura de novos ideais e novas idealizações. Anne Rice atualizou o mito, mantendo uma identidade com elementos construídos desde o século 19.

Gillian Flynn

Autora de sucessos como Garota exemplar e Objetos cortantes, ambos adaptados em respeitáveis filme e minissérie de TV, respectivamente, Gillian Flynn pode ser considerada um dos grandes nomes do horror. Mesmo que muitos não considerem suas obras como típicas do gênero, é necessário observar quão bem a autora faz uso de elementos como o crime, a personalidade problemática, a própria propensão humana ao erro, e o quão bem essas obras dialogam com a aura de suspense do horror. Flynn tem histórias incríveis a serem contadas, e acompanhar o drama de suas personagens e todas as suas questões nos arrasta para cantos sombrios da mente, como só uma boa história de horror pode fazer.

Helen Oyeyemi

Escritora de novelas e contos, Oyeyemi é uma autora bastante premiada. Seu primeiro livro, e o único em português até agora, A menina Ícaro, conta a história de uma garotinha de oito anos um pouco estranha e que se sente perdida até ir para a terra natal de sua mãe, na Nigéria, e descobrir alguns mistérios inquietantes. Oyeyemi é uma autora contemporânea a ser observada, pois seu trabalho merece ser acompanhado de perto.

Jennifer McMahon

McMahon é uma autora com poucos livros publicados no Brasil, mas com uma competência instigante. Em Prisioneiros do inverno, McMahon narra com propriedade uma série de segredos escondidos e uma busca implacável para que eles sejam descobertos, tudo isso em meio a um cenário frio e assustador. Em A torre do terror, a autora leva o conceito de casa assombrada até um hotel, com mortes e locais assustadores dentro das paredes de um local familiar. McMahon é uma das grandes escritoras de horror, e tem uma incrível capacidade de narrar histórias assustadoras.

Lauren Beukes

Autora premiada, Beukes teve um único título publicado no Brasil: As iluminadas, livro que acompanha a história de um serial killer capaz de viajar no tempo e sumir com as possíveis pistas deixadas para trás. Beukes foi premiada por sua obra, e tem uma série de outros romances e contos publicados pelo mundo.

Susan Hill

Autora de A mulher de preto, que rendeu uma adaptação cinematográfica em 2012 dirigida por James Watkins, Hill tem uma série de obras de ficção e de não ficção publicadas, com muitos elementos góticos em suas narrativas, além de uma série de livros que acompanha o detetive Simon Serrailler, ainda não publicado no Brasil.

Elizabeth Kostova

Utilizando-se de elementos históricos e de uma boa quantidade de mistérios, Kostova é autora de O historiador, que conta a história de uma garota e a descoberta de um segredo de família ligado a um antigo mal, e de Os ladrões de cisnes, sobre uma série de coincidências e terrores ligados a obras de arte. Kostova mescla dois gêneros interessantes ao escolher caminhar por esses caminhos da arte e da história com elementos assustadores.

Tabitha King

Tabitha é uma excelente escritora: seus enredos são interessantes e pouco convencionais, porque apesar de trabalharem temas já conhecidos pelo público de horror e elementos comuns nas narrativas, ela apresenta ideias completamente novas. Com uma única obra publicada no Brasil, Pequenas realidades, já podemos perceber o potencial da escritora. O fato de ser casada com Stephen King e ser mãe de Owen King e Joe Hill, todos inseridos até o último fio de cabelo na ficção de horror, é um mero detalhe diante de sua própria escrita.

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Jéssica Reinaldo
Escotilha NS

Formada em História. Pesquiso e escrevo sobre terror.