Larissa Rainey: Falando sobre saúde mental

wigvan
Escritas da vida
Published in
7 min readMar 6, 2016
Larissa Rainey, 23 anos, São Paulo.

Nesta conversa, Larissa Rainey fala sobre psicofobia, transtornos alimentares e a representação de doenças mentais em obras audiovisuais. Para ler mais sobre esses e outros temas, você também pode visitar seu site “Falando Sobre Saúde Mental”: http://falandosobresaudemental.com.br/.

WP: Você pode traçar um percurso entre o momento em que você começou a se interessar pelo estudo da saúde mental ao momento em que decidiu estudar Psicologia, passando pelo momento em que resolveu criar o seu site (Falando Sobre Saúde Mental)?

Larissa: Na verdade eu sempre pesquisei muito sobre meus próprios sintomas na internet, sempre procurei dicas pra melhorar meu quadro.
Mas eu só comecei a me interessar de verdade depois de um desabafo que fiz no facebook. Eu percebi que não tinha problema em contar pras pessoas que eu tomo remédio para a tireoide desde os 13 anos, mas sentia vergonha em tomar estabilizadores de humor.
De repente, aquilo não fez mais sentido… os dois são remédios, eu não precisava me envergonhar. Escrevi essa reflexão e eu vi pessoas que eu jamais imaginava que tb tomavam remédios, que tbm sentiam o peso do julgamento. Então eu percebi que era necessário um espaço para falar sobre esse assunto e debater a psicofobia.
Aí a pesquisa ficou mais intensa, porque esse é um assunto muito sério que não pode ser tratado de maneira rasa. O que me surpreendeu — e surpreende até hoje é a resposta das pessoas em relação ao blog.
De alguma maneira, as minhas experiências as representavam, em níveis diferentes. E quanto mais eu escrevo, mais eu percebo isso. Na época eu trabalhava numa agência de publicidade, e um dia eu (no meio de uma crise) decidi faltar no trabalho.
Sentei num Starbucks e comecei a pensar em pautas para o blog, comecei a pesquisar artigos no meu celular mesmo e aí veio o clique de “putz, eu tô na área errada. Eu preciso ser psicóloga”.

Eu vi na Psicologia e na sua premissa uma maneira de fazer algo que faz toda a diferença pra mim — contribuir, ser útil a alguém. Eu sentia que meu trabalho como social media era vazio. E a cada aula que eu frequento eu percebo que enfim achei minha área e finalmente achei meu chamado. Minha vida se torna vazia se eu não puder, mesmo que por um segundo, confortar alguém. Sinto também que é uma maneira de eu retribuir todas as pessoas que passaram pela minha vida e me ajudaram para eu estar aqui, hoje, viva.

WP: Você já me falou sobre o preconceito sofrido por quem foi diagnosticado com alguma doença mental. Qual a importância de se repensar esse preconceito?

Larissa: O grande problema da psicofobia é que ela exclui quem é neuroatípico. Nos tornamos “o outro”, o “problema debaixo do tapete”.
Nos amar se torna inconcebível, nos tornamos um perfil profissional a ser evitado. Tratamento então? Ah, isso é coisa “De louco”, isso é frescura

A psicofobia faz com que pessoas que precisem de acompanhamento sofram sozinhas e sem compartilhar com alguém o que elas passam. Isso é cruel. Estamos falando de pessoas que já lidam com muitas questões internas, e cada vez que elas são excluídas ou julgadas ou tratadas de maneira negativa, isso contribui para um agravamento do quadro.

Afinal de contas, é mais alguém dizendo que não somos bons o suficiente, ou que se estamos assim a culpa é nossa. O preconceito espalha desinformação, abre barreiras para charlatões se aproveitarem dessas pessoas, evita uma conversa saudável entre família e paciente, evita que essa conversa seja tida nas empresas, entre chefes e funcionários.

WP: Já vi muitas vezes associarem as redes sociais ao “aparecimento” de doenças mentais, responsabilizando-as por compulsões e por agravarem quadros de ansiedade e depressão. Como você pensa isso? E, por outro lado, você avalia que as redes sociais podem trazer algum benefício para quem sofre alguma doença mental?

Larissa: Esse é um assunto controverso.
Sim, eu acredito que pode haver uma relação entre ansiedade e depressão e uso de redes sociais pelo seguinte motivo: no Instagram e no Facebook, mostramos nossos melhores momentos.
Mostramos os pratos legais que comemos, os dias que estamos arrumados, fotos de formatura, de perda de peso, de coisas novas que compramos. Para a pessoa que está vendo tudo isso, pode se tornar um grande tapa na cara. “Olha ali o fulano, ele está de carro novo e eu não. Ele conseguiu uma promoção e eu não. Olha a fulana ali, como ela está sempre magra e bonita”.

Não se vê o outro lado. Nós temos a tendência a nos comparar e isso nos coloca em comparação constante. Daí a razão pela qual eu acho que agrava casos de ansiedade e depressão.
Também existe a glamourização da automutilação e de transtornos alimentares — muitos adolescentes usam as redes para se conectarem e trocarem figurinhas entre si que dificilmente são benéficas.
De repente, aquilo se torna cool, aquilo te inclui num grupo — justamente numa fase onde o grupo é o que importa. Agora, por outro lado, as redes sociais conectam experiências e dicas — e isso é muito importante, principalmente para pessoas que sofrem de ansiedade social.
Para muitas pessoas, sair de casa e contar coisas tão íntimas pode ser muito difícil. E aí entra o benefício da internet — existe a possibilidade de criar espaços seguros onde a pessoa pode falar sem ser necessariamente julgada. Existem grupos de apoio maravilhosos onde as pessoas de fato se ajudam e tentam lidar com seus problemas de maneira coletiva. E isso pode fazer uma diferença enorme.

WP: Como você vê a relação entre aquilo que é produzido e veiculado pelas grandes mídias e as doenças mentais? Há uma representação adequada da depressão, por exemplo, nas obras audiovisuais, telenovelas, clipes, músicas? Você nota algum tipo de “estímulo” aos transtornos alimentares nesses veículos?

Larissa: Nas músicas, eu acho que é tratada de maneira aceitável. É uma expressão artística válida e que serve de consolo para muitas pessoas. Normalmente, quem escreve sobre isso sabe de alguma coisa — nesse caso eu lembro de Ana’s Song, do Silverchair. O Daniel Jones sofre de anorexia e essa música fala sobre sua batalha com essa doença.

Agora, quando você vê a representação em filmes, aí eu me incomodo um pouco. Os exemplos mais claros de depressão (ou algum outro distúrbio) são sempre ligados à personagens femininas, magras, brancas, ricas. São poucos os exemplos (como My Mad Fat Diary) que as personagens fogem desse arquétipo. Nos tornamos as donzelas frágeis que gritam para chamar a atenção. Estamos tristes e deprimidas mas chorando de calcinha e sutiã, com a maquiagem levemente borrada.

Ninguém mostra o desleixo, os dentes sem escovar, a falta de higiene que acompanha essas crises. Ninguém mostra possíveis infecções que você pode ter ao se cortar. A garota ansiosa é vista como “cool”, como “alternativa”. A garota genial se corta antes de dormir e vive a base de pílulas.

Essas representações não são reais porque somos pessoas complexas e diversas. Doenças mentais não escolhem biotipo. QUALQUER PESSOA pode sofrer de uma doença mental e essa representação pode fazer alguém pensar que “depressão é coisa de menina branca e rica, não sou assim, então não tenho depressão”.

E ainda nesse assunto, sim, eu acredito que essa representação inadequada pode estimular transtornos alimentares. Como eu disse, as meninas depressivas sempre são muito magras. E, bom, se ela não come e fica assim, por que eu não tento também? Não é à toa que a Cassie, personagem de Skins, acaba virando referência. As falas dela, ao invés de serem vistas como preocupantes, são reproduzidas inúmeras vezes. Existe uma parcela de identificação? Claro, existe. Mas também existe aquela parcela de “se a Cassie não comeu por dois dias para ficar adorável, eu também vou”.

WP: O que você diria para uma pessoa que está sofrendo com algum transtorno alimentar, mas que ainda não pode ou não quer procurar ajuda de um psicólogo?

Larissa: Procure grupos de apoio online. Não tenha medo de pedir ajuda — para quem quer que seja. às vezes, o maior apoio vem de onde menos se espera.
Tente se lembrar que é uma batalha, e que em alguns dias você ganhe e em outros você perde. Não se culpe por perder algumas batalhas, só assim a gente aprende a ganhar.
Ter um transtorno alimentar é complicado e bastante sério — a recuperação é lenta, exige esforço mas vale a pena. E sim, você consegue. Apesar de tudo dentro da sua cabeça que diz que você não é capaz, você é.
Saiba que você não precisa ficar em solidão durante esse processo. Procure pessoas com quem você possa falar durante uma crise, mesmo que seja em grupo de facebook. Existem pessoas dispostas a te ouvir e a te dar uma força.

WP: Você recomenda algum livro ou site sobre esses assuntos para quem queira aprender um pouco mais e não sabe por onde procurar?

Larissa: Existem muitos sites de Associações Brasileiras dedicadas a distúrbios mentais. De cabeça me vem a ABRATA, que é uma Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos http://www.abrata.org.br/new/ que tem sempre informação confiável e relevante. Normalmente sites como esse são feitos por profissionais que entendem do assunto. Agora, livro eu não sei… Já me recomendaram O Demônio da Meia Noite que é sobre depressão, mas não li.

WP: Você pode me indicar uma música como tema para esta conversa?
Larissa:
Tenho algumas hahaha Johnny Cash — Hurt; Tori Amos — Crucify; Fiona Apple — Paper Bag e também da Fiona Apple — Every Single Night. E Precious Things da Tori Amos também (apesar de ser trigger meu).

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