Rafaela Vitória: “Vegano não pode”

wigvan
Escritas da vida
Published in
5 min readMay 14, 2016
Rafaela sendo finíssima enquanto toma um chá, toda delicada com um lenço de caveirinhas.

Conheci Rafaela porque é esposa do Michel Domenech, meu querido amigo virtual de anos. Aliás, a Rafaela contribuiu para que ele deixasse de ser um amigo virtual e resolvesse superar a timidez e me conhecer de verdade.
Rafaela foi dirigindo de Brasília até à cidade onde trabalho — e se perdeu, tadinha — para que pudéssemos tomar um breve banho de chuva e uma garrafa de água em um dos meus intervalos.
Ela é uma dessas pessoas com quem a gente pode conversar a vida inteira e ainda vai ter assunto. Ela tem um entusiasmo na fala que vai deixando a gente entusiasmado também.
Nesta conversa, ela fala sobre veganismo. Mas ficou me devendo uma conversa sobre SUS, sobre feminismo e sobre saúde mental.

=)

WP: Vamos começar por um comentário que vi em uma foto sua em seu facebook: “Vegano não pode: ser pobre. Sad but true?”Como você vê isso? Acha que realmente ser vegano exige tempo e dinheiro? Ou apenas uma mudança de comportamento em relação à comida?

Rafaela: Ser vegano exige uma conscientização quanto ao impacto da indústria de exploração animal, seja de carne, ovos, mel, leite e derivados.

De fato, a relação com a comida é uma das primeiras coisas a mudar, visto que é uma atividade que realizamos cotidianamente, mas eu não diria que demanda mais tempo e/ou dinheiro. Sou vegetariana há 6 anos e estou em transição pro veganismo há 4 meses, e pra me ajudar nesse processo comecei a entrar em fóruns e grupos no facebook sobre Veganismo, Veganismo Popular e Musculação Vegana e o que percebi é que veganos aproveitam muito mais os alimentos, usam casca de banana para fazer biomassa (que depois a gente junta com cacau em pó e vira um lindo brigadeiro vegano ou adiciona em bolos pra dar consistência), água de cozimento de grão de bico para fazer um tipo de chantilly vegano, frutas verdes (como jaca e umbigo de banana) para cozinhar, desfiar, temperar e colocar em recheios de pães e salgados e que esse negócio de comer soja e tofu todo dia não existe pra maioria das pessoas. Leites vegetais caseiros, como o de côco, que é o meu preferido, chegam a custar um real por litro, enquanto os leites animais em mercado custam entre 2 e 3. Para tanta criatividade, gasta-se um pouco mais de tempo na cozinha sim, mas nada muito significativo, pois sempre cozinhei minha própria comida no que sobra do dia de uma trabalhadora formal, que viaja e faz academia e nos últimos 4 meses não tenho me exaurido de cozinhar.

Eu diria que uma alimentação saudável (que pode incluir carnes e derivados de animais) exige tempo e dinheiro. Pessoas que se propõem a comer somente orgânicos, integrais, sem açúcar etc, gastam mais, e quando cozinham seus próprios alimentos despendem mais tempo. O veganismo é uma filosofia de não exploração dos animais, o que pode ser feito comendo batatas fritas e comidas industrializadas todos os dias, por exemplo, não tendo ligação direta com comida saudável.

No meu instagram eu respondo alguns mitos e coloco fotos das minhas comidas numa série que carinhosamente apelidei de “Veganos não podem”, baseada em perguntas que me fazem repetidamente, pois é uma maneira de respondê-las com relatos semanais.

WP: Na sua festa de casamento, o buffet foi vegetariano? Se sim, como foi a recepção das pessoas? Houve estranhamento?

Rafaela: Sim, na minha festa de casamento o buffet foi vegetariano e a maioria dos salgados foram feitos por mim, meu marido, irmã e mãe. No começo fiquei receosa de ter investido tanta energia em algo para as pessoas falarem mal, tanto que não contei para ninguém o que teria no buffet, mas, no dia do casamento uma colega de trabalho veio me ajudar com a maquiagem e o cabelo da minha madrinha que acabou comentando o quanto achava legal eu fazer isso.

A notícia foi recebida com muito espanto pela minha colega de trabalho que depois comentou que naquele momento achou uma falta de cordialidade com os convidados restringir o cardápio, afinal, moro no interior do Rio Grande do Sul, em que a atividade principal é a pecuária e aqui vegetarianismo/veganismo é moda de cidade grande (sempre ouço isso).

Durante e depois da festa eu não recebi nenhum comentário negativo, pelo contrário! Muita gente não sabia bem o que estava comendo e perguntava de que eram feitos os salgados, pedia as receitas e, inclusive, uma outra colega de trabalho que esteve no pronto socorro na noite anterior com uma infecção intestinal disse que havia comparecido à minha festa sem esperanças de comer nada, mas que quando viu que era tudo muito leve, comeu, adorou e pediu receita. Esse acontecimento mudou bastante a relação dos colegas de trabalho comigo, pois pude apresentar a eles diversos sabores acessíveis e até então desconhecidos e eles passaram a pensar em opções vegetarianas quando me convidam para churrascos.

WP: Quais os motivos levaram você a repensar seus hábitos alimentares e investir, como você disse, em conhecer outras possibilidades de alimentação saudável?

Rafaela: Eu tive três momentos até chegar aonde estou hoje. O primeiro foi aos 6 anos, quando eu vi minha vó matar um porco pro almoço da família e comecei a me perguntar se ela era uma pessoa boa. Depois, na adolescência, as mulheres da minha família estavam sempre de dieta, e eu com 12 anos e 60kg também tive que fazer. Aos 16 estudava para o vestibular e li um artigo (que hoje acho duvidoso) falando sobre o impacto da carne vermelha nos neurônios humanos, que se assemelhava ao uso de maconha. Queria passar no vestibular e parei de comer carne vermelha por 6 meses, com isso veio a preocupação de muita gente com a minha saúde e eu tive que ler bastante pra me explicar. A transição pro vegetarianismo veio depois disso. Ler sobre abate, impacto ambiental da produção de carne, especismo etc foi o que precisava para cortar todas as carnes da minha dieta. Depois de 6 anos de vegetarianismo veio à tona a consciência de que a indústria do leite e dos ovos é a mesma da carne, era ilusão pensar que as vacas leiteiras eram felizes vivendo no pasto quando na verdade elas são mantidas grávidas repetidamente para dar leite, muitas vezes levadas à exaustão e, quando já improdutivas, vão para o abate. Em geral, veganos se preocupam e pesquisam muito mais sobre alimentação, assim, muitos acabam preferindo opções mais saudáveis, sem açúcar hiperprocessado, sem gordura etc, o que, creio, é um movimento cada vez mais forte não apenas entre vegetarianos e veganos, mas também entre onívoros.

WP: Você pode indicar uma música como tema para esta conversa?
Rafaela:
Animal Kingdom — Prince

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