Aterciopelados: quando o posicionamento é natural

Cecilia Itaborahy
Escritas Libres
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4 min readMay 14, 2021

Desde o dia 28 de abril, colombianos de todo país vão às ruas contra o governo de Iván Duque. As manifestações vêm sendo fortemente reprimidas e já são vários relatos de pessoas desaparecidas, abuso, morte, violência e tortura. Grupos de artistas e comunicadores foram, também, perseguidos, mesmo antes das manifestações, por seus posicionamentos contra o atual governo e suas ações no país. Parece que este, afinal, é o destino dos latino-americanos: enfrentar e não temer. As veias continuam abertas.

A Colômbia vive, quase que desde sempre, enfrentando o medo do desconhecido, da morte que pode pairar em qualquer esquina. Não só pelas bombas de Pablo Escobar, pela ditadura ou por conflitos, mas, principalmente, por ações brutais vindas do próprio governo, sobretudo contra defensores ambientais, que lutam pelo território para, inclusive, sobreviver. Crescidos nesse cenário que, claro, vive belezas também, os artistas precisam se posicionar contra as atrocidades? Se cantam o que vivem, cantam, também, a violência?

Esse questionamento vem à tona sempre que episódios abaladores acontecem, principalmente nas redes sociais, em que pessoas de todos os lados cobram pela defesa ou condenação de atos — como foi o caso desses tempos de violência na Colômbia: Shakira, colombiana, foi questionada até que se posicionou. Mas o posicionamento é necessário só esporadicamente? O que isso acarreta?

Partindo daí, conheci a banda colombiana Aterciopelados. Eles responderam minhas perguntas só de ouvir as músicas e acompanhar as redes sociais. A arte, por mais que seja usada, muitas vezes, para escapar da realidade, precisa, sim, combater a realidade e ser usada como arma contra isso ou aquilo, ou a favor de pautas que precisam, sempre, ser reforçadas. Afinal, como já disse, as veias continuam abertas; e mais: são frágeis. Não pode ser à toa que artistas incomodem tanto aqueles que possuem poder — vide ditaduras militares e censura.

Mas, então, que Aterciopelados, essa banda de nome difícil, surgiu em 1992 e é composta por Andrea Echeverri e Hector Buitrago. Eles já até ganharam Grammy por melhor grupo de rock em 2001 e em 2018 na categoria Melhor Álbum Alternativo com Claroescura. Ou seja, me chama atenção que eles são reconhecidos também, até internacionalmente (apesar de pouco falados no Brasil). Fui procurar sobre o que eles falam e é Andrea quem me responde, em uma entrevista a um canal colombiano. Ela conta que suas canções são feministas e antibélicas, que apoiam a luta pela terra e a busca pelo ancestral. Hector completa que, além disso, falam da natureza, sobretudo sobre água e mata.

Fui ouvir seus álbuns. Eles falam sobre isso tudo mesmo, mas não só nas letras. Aterciopelados é uma banda de rock alternativo, punk às vezes, que mistura, em outras, reggae e, o que me pegou: folclore colombiano. Ou seja, a formação, como um todo, fala sobre essas lutas que eles levantam. E, ainda mais, Andrea tem uma voz doce e é potente — ainda mais para uma rockeira colombiana. Isso é um sincretismo, no sentido de misturar origens, pautas e gêneros, que nada mais é do que um retrato nítido da América Latina e da Colômbia em si, demonstrando origem, desenvolvimento social, histórico e, porque não, caminhos de influência que foram sendo incorporados. O próprio rock em si, como gênero, passou por tantos caminhos que, muitas vezes, foi denominado alienado. Mas acaba sendo tomado pelo artista qual rumo percorrer e o que traçar, principalmente aos olhos e ouvidos de quem ouve: no fim, são eles que definem tudo isso.

Falei sobre isso tudo para entender que é esse caminho contínuo, traçado desde o início, que faz diferença e dá voz aos momentos, que impulsiona e, então, revoluciona. É por isso, também, que Aterciopelados é conhecido pelo mundo todo como uma banda com voz ativa, com voz de luta. Até, porque, foi isso que eles quiseram fazer: usar a música como ponte entre o que vivem e o que o mundo vê; fazer e mostrar a Colômbia aos estrangeiros; levar isso ao Grammy.

Posicionamento, ainda mais quando se fala de arte de vanguarda ou à margem do que é dado, do que não está no mainstreaming, deveria ser o mínimo, principalmente se pensarmos no que aconteceu para a popularização de ritmos e manifestações culturais. Estar à frente de ações contra o brutal, o genocídio, a repressão e censura é a natureza da arte, sendo ela política desde sua conecpção à sua produção de sentido. Artistas são reprimidos por isso e, apesar da censura, a arte, por mais perseguida que seja, não será apagada. Na Colômbia de hoje, que se manifesta agora, os artistas precisam de se posicionar até para o serem no futuro. Aterciopelados sabe isso desde sua origem.

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Cecilia Itaborahy
Escritas Libres

Entusiasta das histórias, do contato e das percepções.