Guardiões da Galáxia continua sendo o filme mais original do MCU

Roberto Honorato
Rima Narrativa
Published in
13 min readMay 25, 2018

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E, se depender de mim, o melhor.

Aí vai uma ENORME análise sobre o MCU, então nem preciso alertá-los sobre a possibilidade de spoilers.

“Guardiões é, de várias maneiras, o melhor filme da Marvel. E é estranho alguém com um ego do tamanho do meu admitir isso” (Robert Downey Jr.)

Pronto. Escrevo esse texto tendo assistido todos os filmes do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) lançados até o momento, sendo o último a culminação de anos preparando seus personagens: Guerra Infinita (a primeira parte, no caso, ainda não sei que nome a segunda levará). Então se estiver lendo depois desse ponto específico, é claro que o título da matéria pode perder o sentido, mas isso apenas se a Marvel fizer algo que supere todos os pontos que levantarei aqui. Eu tenho um certo problema com anacronismos, cronologia e coisa do tipo, não é fácil pra mim criar algo tão “temporário” (espero que não), mas vamos lá.

Se você ainda não assistiu Guardiões da Galáxia, algo pouco provável, a história é bem simples. Bem longe do nosso planeta vive Peter Quill, um caçador de recompensas diferente de todos os outros. Além de ter um senso de humor e ser muito mais descompromissado que seus companheiros da área, ele é humano, nascido na “Terra”. O responsável por algo tão incomum é Yondu Udonta, um centauriano conhecido por ser um dos maiores piratas espaciais que as autoridades já viram. Foi Yondu quem tirou Quill de seu planeta natal e o manteve por perto, sem saber exatamente o que fazer com ele. Sua relação é complicada e vai voltar depois no texto, calma aí. Depois de mais uma missão perigosa, Peter consegue um artefato misterioso, um orbe que contém algo valioso o suficiente para lhe garantir uma boa quantia de unidades (dinheiro, em outra denominação) e pessoas doidas para cortar sua garganta, entre elas uma assassina com enorme habilidade e experiência, um terrorista Kree procurando poder, e basicamente qualquer um que aparece no caminho. Pronto, esse é o máximo que posso falar sem entregar spoilers. Então para começar nossa conversa, vamos entrar em spoilers ¯\_(ツ)_/¯

“If you like Pina Colada…”

Muito se fala sobre os personagens e a música, mas a primeira coisa que destaca esse filme das outras produções da Marvel é o apelo visual. Com suas cores vibrantes que representam a proposta da Marvel em um universo galáctico populoso e diversificado, mesmo que no fim a maioria acabe falando inglês (ou Peter Quill tem um Peixe Babel no ouvido e eu não sei). É um bom contraposto com as outras produções da Marvel pelo estúdio (Disney), que antes do primeiro Guardiões não tinha uma dedicação tão grande à parte estética, com sua colorização sem identidade ou aproveitamento de sombra. Esse é um problema conhecido do público, e tem até um vídeo sobre isso que indico fortemente (links no fim da matéria) se quiser saber mais do que estou falando.

Analisando rapidamente os diretores da Marvel, podemos ver como todos focam nos personagens, o que é uma regra do MCU, e não é algo ruim, mas acaba se tornando um tipo de regra que passa por cima das outras. Nomes como Jon Favreau (de Homem de Ferro) e Joss Whedon (de Vingadores) sabem como fazer isso, e Favreau tem uma paciência enorme para desenvolver efeitos especiais convincentes. Os irmãos Russo, Anthony e Joe, tiveram a tarefa de pegar a maior quantidade de personagens até o momento e fazer com que a trama não fique desastrosa, e por serem mais que competentes, conseguiram. Mas a Marvel também teve seus erros, como contratar Kenneth Branagh e Shane Black. O problema não está neles, e sim no jeito que o estúdio tem controle sobre o resultado final e tudo precisa estar de acordo com seu “padrão de qualidade”, então os dois diretores não puderam apresentar sua visão completa do filme. Branagh é um estudioso na linguagem Shakesperiana, e Black cria sequencias de ação e diálogos incríveis, então deveriam ser as melhores escolhas para um filme do Thor e o terceiro Homem de Ferro, respectivamente. Essa intromissão, pelo visto, diminuiu um pouco com o tempo. Finalmente tivemos nomes mais autorais como Taika Waititi e Ryan Coogler, e não houveram mais casos do Joss Whedon protestando a saída de Edgar Wright da produção de Homem-Formiga (se bem que essa me dói até hoje).

Se tivemos essa mudança, ela provavelmente começou com James Gunn.

James Gunn, o objeto de estudo e babação de ovo (justificada) desta matéria.

Gunn dirigiu alguns filmes independentes bem divertidos, como Seres Rastejantes e Super, e vale mencionar os curtas hilários de PG Porn, onde ele reproduzia cenas comuns de filmes pornográficos, mas tirava o sexo e criava situações absurdas, como um mecânico profissional demais ou musical como preliminar (tem episódio liberado no Youtube, vai lá ver — depois de ler o texto, claro). Vai entender o que a Marvel viu nele para fazer seu primeiro filme que apresentaria o universo galáctico do estúdio. Super tem um protagonista com “toques heroicos”, se veste como um justiceiro e tudo, mas é uma história mais contida sobre donzelas em perigo e cartéis de droga, mesmo que uma cena tenha o personagem de Rainn Wilson tendo um tipo de contato imediato… Mas esse não é o foco, e nenhuma de suas outras produções indicavam que Gunn era a pessoa certa para adaptar os Guardiões da Galáxia. Foi um enorme risco do estúdio, que apostou em um diretor acostumado a pouco orçamento e humor negro.

Como já sabemos, a aposta compensou qualquer preocupação. Guardiões da Galáxia foi um sucesso de crítica e bilheteria, e por mais que esteja inserido na sequência de filmes do MCU, se diferencia deles facilmente. Não só na ambientação espacial, mas o tom é muito mais jovial e despretensioso, e isso em um universo habitado por Tony Stark. Esse humor é uma marca registrada de Gunn, algo que trouxe de seus trabalhos anteriores; Mas agora que tem um orçamento maior e expectativa do público, ele tem várias tarefas para cumprir.

A primeira é encontrar um bom elenco.

Esq. para direita: Zoe Saldana, Chris Pratt, Bradley Cooper (voz), Dave Bautista, Vin Diesel (voz)

Todos sabem que a Marvel preza seus personagens SEMPRE, é o foco deles, está ligado diretamente ao tal “formato” que costumam mencionar sobre os filmes do estúdio. E se tem um filme que acertou nesse departamento, Guardiões toma facilmente essa posição. Fale o que quiser sobre a união em Vingadores: Guerra Infinita, ou até mesmo o primeiro Vingadores, mas ambos tiveram a vantagem de usar personagens famosos do público, e ainda por cima, já estabelecidos pelos próprios filmes anteriores. Em contramão, o grupo de saqueadores espaciais sequer era famoso entre os leitores de quadrinhos, imagina o grande público. Gunn reuniu um elenco impecável (sem querer soar hiperbólico, mas é um elenco certeiro!), e desenvolveu cada um dos seus personagens principais de uma forma que você só encontra em franquias como Star Wars, e nem lá eles acertam muito — a não ser que o monólogo de Hayden Christensen sobre areia tenha te emocionado. Se for o caso, retiro o que disse. E por falar na franquia do sabre de luz, todos sabem da influência que o filme tem até hoje em histórias de aventura espacial, então nem preciso falar muito sobre isso.

Voltando aos personagens, temos Chris Pratt como Peter Quill, e eu fui um dos que ficou impressionado com a perda de peso do ator (Parks and Recreation para sempre); Zoe Saldana é Gamora, a guerreira assassina; Dave Bautista é Drax, o sádico que procura vingança pela morte de sua família; E para completar o time, temos a dupla formada por Rocket e Groot, dublados por Bradley Cooper e Vin Diesel, respectivamente. Rocket é um guaxinim criado em laboratório, resmungão e bom de tiro; Já Groot é um pouco mais atrapalhado e inocente, tirando a parte que ele é uma árvore grande e forte (não tão grande mas não menos forte quando chegamos no “segundo volume” da franquia). E sobra espaço para o pirata espacial com a arma mais legal do mundo (uma flecha comandada por assovio), Yondu, interpretado com todo o charme de Michael Rooker, com quem Gunn colaborou em quase tudo que fez na carreira.

É evidente que seria difícil acreditar nessa combinação, e se não fosse a química entre os atores e a forma convincente que representam a personalidade forte de seus personagens, essa parte essencial do filme seria prejudicada. Gunn dá espaço para todos os seus personagens, e se algum pareceu pouco aproveitado, ele compensa criando todo um arco na continuação, intitulada Vol. 2. Um exemplo disto é a ciborgue Nebula (Karen Gillan), irmã de Gamora, que a odeia por todas as coisas que passou nas mãos de Thanos, o titã louco. Se no primeiro filme, Nebula pode ser resumida em um antagonista com sede de vingança, em retrospecto a continuação abraça o passado da ciborgue e vale-se de seus temas mais complexos para justificar as ações de alguém que no final só queria provar seu ponto, mesmo que utilizando armas e espadas, que nunca pôde ter uma irmã de verdade.

O que me traz a mais um ponto importante dos dois primeiros filmes da equipe, envolvendo seus temas sérios e delicados sobre família e aceitação, mesmo que cobertos por várias camadas de piada. E acredite, esse é o caminho mais inteligente a se seguir nesse caso.

“Você só queria ganhar. Eu queria uma irmã!”

Muitos filmes gostam de explicitar como falam sobre “família”. Velozes e Furiosos é uma franquia que já usou essa desculpa até cansar. Você vai continuar vendo, assim como sempre viu, em todo filme ou série, um grupo de personagens chegando a conclusão de que, depois de passar por algum acontecimento dramático, tornaram-se uma família. Ou você segue o rumo de algo bagunçado e sem qualquer ligação com a trama, como a maioria dos filmes fazem, ou você pode realmente usar esse debate sobre família e a importância disso, ligando o tema com elementos do filme, como Guardiões da Galáxia faz.

Eu não disse antes, mas Nebula e Gamora sequer são irmãs de verdade, e sim adotadas desde pequenas por Thanos. Ele as tratou de maneira abusiva, fez com que lutassem constantemente, e a perdedora receberia uma punição. Gamora venceu todas as batalhas, mas Nebula era montada e desmontada, perdendo e ganhando peças sua vida inteira, então não acho difícil compreender seu comportamento raivoso. A relação das duas envolve a negligência de um membro considerado da família, mas que sempre esteve lá, as atormentando, como a figura paterna que ninguém quer. Com isso, é oportuno que a trama de Peter Quill esteja no sentido contrário da de Gamora e Nebula.

Quill foi abduzido por Yondu quando criança, mas antes de ser levado passou pela experiência mais traumática de sua vida: ver a morte de sua mãe por conta de um tumor cerebral. É uma dor grande demais para um garoto, e continua sendo depois de anos, como se espera de qualquer um. Quando finalmente descobre que seu pai biológico está vivo e é uma entidade cósmica poderosa, Quill recebe a notícia com alegria, mas também reserva. Que tipo de homem abandonaria alguém que ama tanto?

Guardiões da Galáxia Vol. 2 usa a maior parte de seu tempo debatendo questões como esta. Quill e Gamora tem uma atração evidente, e poderíamos entrar na questão filosófica e psicológica dessa relação, mas tenho medo de entrar em áreas profundas demais que não são meu departamento ou não fazem sentido nesse texto. Seguindo em frente, temos Rocket e Groot, que já funcionam como um tipo de pai e filho também. Aí está mais uma conexão com o argumento principal do filme, tudo está ligado ao que consideramos a nossa família, e as vezes a melhor que temos é aquela com um guaxinim que briga com você e “rouba baterias que não precisa”.

Pode parecer que esqueci Drax, mas isso porque eu o considero outra peça na discussão, uma bem importante. Ele foi o único do grupo que realmente teve uma família antes dos acontecimentos do primeiro filme. Somos lembrados sempre de como ele amava sua esposa e filha, então quando ele diz que os Guardiões são a sua família, não está mentindo.

E chegamos em Yondu, a figura paterna que Quill nunca imaginou que poderia ter. Eles podem se desentender de vez em quando, mas sabemos a importância de um na vida do outro. Yondu engloba todos, ele é uma figura paterna imperfeita, como Thanos (se bem que ninguém é tão ruim quanto Thanos), e se vê através de todos os comentários sarcásticos que Rocket usa para afastar as pessoas, porque ele faz a mesma coisa. Ele pode ser arrogante e criminoso, mas precisa do coração para disparar a flecha.

Yondu é o início de toda a jornada do Senhor das Estrelas, por isso nada mais justo que termina-la com fogos de artifício e muitas lágrimas.

E ainda temos a música. Quill carrega um walkman com as músicas favoritas de sua mãe em uma fita intitulada Awesome Mix Vol. 1. Ele as escuta o tempo inteiro e arrisca a vida em certo ponto do filme para poder recuperar seu aparelho. Essa é outra ligação emocional com o tema principal do filme.

Nem preciso mencionar como a dança é uma parte importante do filme também, é a coisa mais terapêutica para Peter e a razão de usar isso como arma mais de uma vez, seja para derrotar um vilão ou conquistar a confiança de alguém.

Lembra daquele orbe que Quill tenta vender? Ele acaba sendo o MacGuffin do filme, ou seja, aquele objeto que serve de motivação mesmo tendo pouco impacto narrativo, ele meio que está lá. É uma coisa comum de filmes onde o herói precisa seguir uma missão (jornada do herói, claro). Mas o maior mistério é o presente ainda embrulhado que Peter mantém guardado em sua nave por todos esses anos. Só descobrimos ser uma Awesome Mix Vol. 2 quando o personagem aceita sua realidade e confronta seu passado.

Muito é dito sobre a falta de trilhas sonoras memoráveis no MCU, e Guardiões também sofre com isso, mas como as músicas do toca-fitas são tão boas, a gente releva. E já falaram tanto sobre essa parte do filme que nem preciso explicar. Eu quero é sentar com vocês e falar sobre a comédia do filme.

Temos que deixar uma coisa bem clara aqui antes, que Guardiões da Galáxia é uma comédia. A função do gênero é fazer rir, mas também questionar porque está rindo, coisa que muitos fazem involuntariamente, e onde o filme se apoia. Eu entendo como uma piada ou outra estraga o tom sério de uma cena, mas na maioria das vezes elas caem melhor que imagina, e não adianta querer que algo seja mais sombrio ou mais leve de acordo com seu gosto, você tem que entender a proposta do filme, e se não foi feito do jeito certo, podemos reclamar — caso contrário, é uma crítica desnecessária.

Vejo reclamações do Pacman gigante durante a batalha contra Ego e dizendo que “veio do nada”, mas esquecem que o próprio Quill menciona no começo do filme, como tudo que consegue pensar é em fazer uma estátua gigante do personagem. E, mais uma vez, é outra ligação de Quill com seu planeta. Pode parecer só uma piada na superfície, mas não é só pela risada, é para reforçar a ideia do que está acontecendo ali. No fim temos consequências definitivas, ao contrário de outros longas onde nada parece ter peso.

E Drax, o mais trágico de todos. Você pode achar que ele ficou mais engraçado no segundo filme, mas ele era assim desde o começo, era até conhecido como um sádico que não para de rir. Fica bem claro nos filmes que o humor é usado para cobrir o trauma dos personagens, o que é mais do que aceitável já que a comédia é uma clássica ferramenta de negação. E se acha que Guardiões não tem momentos de introspecção, perdeu a cena em que Drax lembra de sua filha e o choro de Mantis (Pom Klementieff) ao sentir toda a dor que ele esconde.

Tem todo um debate diferente sobre comédia que eu ainda quero trazer pra cá, então podemos seguir em frente.

Claro que não é um filme perfeito, poucos são. O vilão do primeiro filme, Ronan (Lee Pace), entra na linha de antagonistas pouco aproveitados do MCU. Ele pode até passar batido por ser uma ameaça genérica e o filme brincar com sua própria existência (Thanos e Nebula jogam isso na cara dele), então não fica ruim dentro da proposta do filme, que é zombar desse tipo de personagem. Uma pena que no fim Ronan fica sem ter muito o que fazer e vira só um obstáculo inconveniente mesmo, ao contrário de Ego, que tem um desenvolvimento e propósito narrativo.

Guardiões da Galáxia tem ótimo elenco e música, uma história cativante e divertida na superfície, com temas muito mais sérios no fundo. E voltamos para o começo, sobre o diferencial do filme. Esse é um dos poucos que tem roteiro e direção da mesma pessoa, o que mostra que essa é a visão de Gunn. Até mesmo as ligações diretas obrigatórias com o resto do MCU são bem aproveitadas, aqui é Thanos, apenas uma ameaça para os Vingadores, mas para os Guardiões, ele entra na complicada teia de relações entre seus personagens.

Por ser um filme mais contido, também pode experimentar mais com os conceitos do universo Marvel, inserindo os Vigias ou aparições de Howard, o Pato (personagem que adoro e infelizmente não ganhará destaque tão cedo. Obrigado, George Lucas por produzir uma das piores coisas de 1986 ¬¬ ).

A contribuição de James Gunn para o MCU é a minha favorita, e a explicação está em todos os personagens, mundos e cores que o filme trouxe, e não é à toa que depois tivemos tanta produção tentando imitar o formato que Guardiões trouxe de volta para uma industria cada vez mais monótona. Não é nada muito novo, mas faz tudo com tanta graça e honestidade que, se for pra seguir esse rumo, eu sigo sem problemas.

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Links:
- Sobre colorização nos filmes do MCU: Why do Marvel Movies Look Kind of Ugly: https://www.youtube.com/watch?v=hpWYtXtmEFQ

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Roberto Honorato
Rima Narrativa

"Mad Mastermind". Eu gosto de misturar palavras e ver no que dá. Escrevo sobre ficção científica para o Primeiro Contato e cinema para o Rima Narrativa 📼