Homem-Aranha 2 | A força do personagem

Roberto Honorato
Rima Narrativa
Published in
7 min readMay 10, 2017

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Estamos em uma época maravilhosa para os fãs de quadrinhos.

Na última década tivemos algumas adaptações e produções originais de qualidade. A Marvel já nos surpreendeu com Soldado Invernal e Guardiões da Galáxia, além de Vingadores, obviamente. A Fox, mesmo recebendo muita reclamação, é responsável por alguns bons X-Men, além do divertido Deadpool e o surpreendente Logan, que deixou muitos fãs chorando na saída do cinema. E a DC, por mais que tenha alguns filmes de qualidade discutível, é responsável por aquele que é considerado por muitos como O maior filme baseado em quadrinhos do cinema: The Dark Knight.

Mas eu queria dedicar esse tempo com vocês para debater um que, mesmo sendo bastante adorado, não parece receber toda a atenção que merece: Homem-Aranha 2.

Esse é o filme que melhor representa para mim o que chamados de “filmes de super-herói”, e posso arriscar dizer que é o meu favorito de todas as adaptações de quadrinhos.

Eu vou explicar.

Lançado em 2004, Homem-Aranha 2 é uma das melhores continuações de uma franquia no cinema. Com personagens envolventes, ótima ação e um enredo ainda melhor (mesmo toda a franquia tendo uma premissa parecida).

Conte quantas vezes você não olhou para relógio em vários filmes esperando as cenas de ação e o personagem uniformizado te salvar daquela trama chata. Na maioria das vezes, isso acontece porque você não se interessa o suficiente pelo personagem, o filme não tenta criar uma conexão forte entre a pessoa e o herói, e na maioria das vezes, quando cria uma, ela é bem rasa e não sai do roteiro, empaca quando o ator não se esforça para convencer. Mas Homem-Aranha 2 é sobre Peter Parker, ele é o verdadeiro herói, com ou sem o uniforme.

No filme, Parker está tendo problemas para separar todas as vidas que vive. Ele trabalha entregando pizzas, é freelancer para o Clarim Diário, precisa dedicar mais tempo para os estudos e… claro, é o amigão da vizinhança.

Ao longo do filme, vemos Peter ficando cada vez mais desmotivado, tendo que lidar com o ódio de seu melhor amigo pelos acontecimentos do primeiro filme, e Mary Jane parece um sonho cada vez mais distante. Além disso, sua tia May sente o peso da perda de seu marido. Peter decide largar o seu lado Aranha e aceita que só poderá ser completo se focar no lado Parker. O filme toma seu tempo e dedica uma boa parte na vida dele.

Enquanto muitas adaptações por aí tentando fugir do formato estabelecido pelos quadrinhos, Homem-Aranha 2 abraça todas as coisas mais inocentes e até um pouco bregas das revistas e mantém no filme. Frases de efeito, vilões exagerados e momentos absurdos. O que impressiona é que tudo isso funciona aqui.

O longa abre com uma sequencia perfeita ilustrada por Alex Ross (sim, se liga no nível) com a trilha de Danny Elfman. Aqui temos um dos melhores trabalhos de Elfman, e a melodia é tão boa que você reconhece nos primeiros segundos.

Esta abordagem mais inocente não compromete o drama e os momentos mais sérios, e por isso o enredo é um ponto alto. O filme também se arrisca bastante, não só aceitando estes elementos exagerados, mas também experimentando e brincando com o formato.

Um grande acerto do filme foi manter Sam Raimi na direção. Raimi sabe bem como é ter que ser criativo com pouco orçamento. Responsável por filmes como a trilogia Evil Dead e Darkman, ele se mostrou um daqueles diretores para se ficar de olho. E seu trabalho com o Aranha foi provavelmente o melhor de sua carreira, foi onde mostrou tudo que aprendeu ao longo dos anos.

Raimi tem um estilo único, principalmente a forma como usa a câmera. Ele é um dos poucos que consegue colocar uma cena dessas em um filme cheio de comédia e aventura.

Mas a maior vitória de Raimi foi com os personagens. O filme valoriza cada interação e diálogo. Algumas cenas chave entregam o coração do filme.

Uma das minhas favoritas é quando Peter tem seu primeiro encontro com Otto Octavius para conversar sobre sua pesquisa. A principio é apenas uma parte do filme que serve para apresentar Otto e sua esposa, mas para Peter, este é um dos momentos mais importantes. Ele não está por conhecer seu ídolo, mas também é a primeira vez que ele consegue conversar com alguém que o entende, e a cena é toda montada como se fosse um jantar de família, não apenas um encontro casual. Peter se sente bem naquele meio, ele nunca chegou a conhecer seus pais e seus pais não tiveram a oportunidade de ver Peter crescendo.

Aqui Otto é a figura paterna que Peter sempre quis ter, alguém para motiva-lo. Ele chega até a dar bronca em Peter sobre a quantidade de faltas na faculdade e dá conselhos amorosos para o jovem. Esse tipo de interação, por mais simples que pareça, é necessária e uma das que faz o filme muito mais humano e convincente. Quando você percebe o que Otto representava para Peter, a sua despedida no último ato tem um sentido ainda maior.

Sua relação com MJ também está diferente. Ela precisa de Peter do seu lado, ela dá várias chances para que ele se esforce mais. E é bem claro que ela não está feliz na sua relação atual. Ela chega a tentar reencenar com seu namorado o beijo que teve com o Aranha no primeiro filme, mas não sente a mesma coisa.

Enquanto isso, Peter está se esforçando bastante para voltar a ser quem era.

O filme dá espaço para desenvolver todos os personagens e o drama pessoal de cada um.

Já é triste ver a tia May forçando Peter a aceitar o dinheiro que não tem, e fica ainda mais doloroso quando vemos o que acontece com o dinheiro: o senhorio do apartamento onde Peter mora arranca da mão dele (vale mencionar que o nome do senhorio é Ditko. Boa referência ali). Este é o tipo de decisão narrativa que evidencia ainda mais como Peter anda se sentindo. Todas as poucas alegrias que ele tem vão embora como se ele nem estivesse ali. É só lembrar das cenas onde ele vai comprar as flores para a peça de MJ ou tentar pegar uma taça de bebida na festa.

São estes pequenos momentos que fazem o filme mais humano, estas pequenas decisões que transcendem o personagem para algo mais convincente. Ver a evolução de Peter Parker, de um jovem cheio de duvidas para um homem que sabe que deve fazer o certo, mesmo que isso resulte em magoar aqueles próximos dele. E nesse filme ele finalmente entende que com grandes poderes vem grandes responsabilidades.

O filme ainda acha espaço para situações cômicas memoráveis. Jk Simmons como JJ Jameson talvez seja uma das decisões de casting mais certeiras da história do cinema. A entrega de Pizza para Dra Brennan (Emily Deschanel) e Ash (Bruce “Deus” Campbell) como segurança do teatro também são hilárias.

Mas como este é o filme de um super-herói, tem que ter ação. E deixei o melhor para o final.

Raimi sabe muito bem o que deixar ou não no seu enquadramento. Ele tem uma ótima noção de espaço e ritmo. Assim como fez em Evil Dead, deixou muitas sequencias de Homem-Aranha memoráveis. Estas cenas ainda se sustentam, até mesmo quando o CGI se torna bem óbvio. Raimi tem o costume de usar efeitos práticos, então a maior parte da ação foi realmente executada por atores ou dublês.

Eu poderia falar do salvamento da tia May, da entrega de pizza, da batalha no banco, mas é claro que você só está pensando na cena do trem.

Essa é facilmente a minha batalha favorita de um filme de super heróis. É logo depois que ele decide voltar com o uniforme, então o Aranha está realmente motivado. A luta é frenética e a trilha de Elfman é uma maravilha.

No fim, ele salva o trem e é salvo pela população. Nesta cena, ele perde a máscara, e isso é algo recorrente no filme. Peter vive tentando esconder sua máscara, deixar de lado sua parte heroica. O círculo se fecha quando o próprio Peter tira sua máscara para Otto, ele quer que o vilão se lembre do homem que foi.

As maiores batalhas do filme são as internas, e Peter sabe que não se sente bem sendo outra coisa além de um herói, por isso cenas importantes como a tia May jogando os quadrinhos de Peter fora, a lembrança de tio Ben no carro e a confissão para MJ no final são tão importantes.

Homem-Aranha 2 é o filme perfeito para quem procura todas as emoções que um filme pode entregar de uma vez só, nunca forçado, nunca fora de lugar. Talvez seja difícil ter algo tão equilibrado no futuro, principalmente com os estúdios pensando cada vez mais em criar uma linguagem uniforme entre seus universos compartilhados. Então, por enquanto, não consigo pensar em filme que melhor represente uma adaptação dos quadrinhos do que este.

E se você leva notas do Metacritic e Rotten Tomatoes em consideração, esse filme está muito acima da média. Merecidamente, claro.

Esse filme tem muuuuito mais coisas para serem analisadas, mas aí vamos ficar o dia inteiro aqui. Por enquanto é só, mas como eu provavelmente não vou calar a boca sobre Homem-Aranha nesse site, daqui a pouco estarão ouvindo mais sobre o assunto.

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Roberto Honorato
Rima Narrativa

"Mad Mastermind". Eu gosto de misturar palavras e ver no que dá. Escrevo sobre ficção científica para o Primeiro Contato e cinema para o Rima Narrativa 📼