O Poder e a Responsabilidade de Miles Morales

“Com grande poder vem grande responsabilidade”.

Você com certeza já deve ter ouvido essa frase, principalmente se conhece um dos heróis mais carismáticos da editora Marvel, o Homem-Aranha.

Geralmente atribuída ao Tio Ben, na verdade é uma sentença recorrente na história. O presidente Theodore Roosevelt, por exemplo, chega a mencionar que “responsabilidade deve vir com grande poder”, quando questionado sobre um terceiro turno. Winston Churchill também é creditado pela citação “Onde há grande poder, há grande responsabilidade”. Os conceitos de poder e responsabilidade são antigos, até a bíblia menciona como “Aquele no qual muito foi confiado, muito mais lhe será cobrado” (Lucas 12:48).

Existe um ótimo vídeo sobre isso no canal NerdSync, de onde tirei algumas informações para melhor embasamento. Segue o link (em inglês): clique aqui.

A primeira vez em que esta frase foi mencionada em um quadrinho do Aranha foi durante sua primeira aparição, na revista Amazing Fantasy nº 15, onde um narrador anônimo comenta que “Com grande poder deve haver também — grande responsabilidade”.

Com o passar dos anos, a frase continuou aparecendo nas edições, mas nunca proferida pelo Tio Ben. No máximo, aparecia como um balão de pensamento onde Peter mencionava uma lição que carregava de seu tio. Hoje em dia, com as animações, filmes e até algumas HQs atribuindo a fala ao personagem, deixamos de lado a origem e aceitamos que combina mais e faz sentido ter sido algo que Benjamin Parker diria ao seu sobrinho.

Mas por que estou falando tanto disso?

Caso não esteja atualizado na vida do escalador de paredes nas HQs, Peter Parker não é mais o único Homem-Aranha. Tudo bem, já tivemos outras pessoas usando o nome do herói, como Miguel O´Hara (O Aranha 2099) e Ben Reilly (O Aranha Escarlate), mas talvez nenhum deles tenha merecido mais o posto do que Miles Morales.

Criado por Brian Michael Bendis em 2011, Miles Morales foi feito para ser a nova versão Ultimate do Homem-Aranha, logo após a morte de Peter Parker (sim, isso mesmo). Uma das razões do personagem ter sido desenvolvido foi uma campanha feita na internet para que o ator Donald Glover pudesse fazer o teste para interpretar o novo Aranha no cinema. A ideia surgiu depois de Glover aparecer vestindo o traje na abertura da segunda temporada da série Community.

Filho de um afrodescendente e uma porto-riquenha, Morales sofreu com o preconceito do público, que infelizmente não aceitou (e uma grande parte ainda não aceita) um personagem negro representando o herói, além daqueles que não queriam ver Peter ir embora. Mas se pararmos para pensar, talvez Miles mereça muito mais o título de Aranha que Peter Parker atualmente.

Calma, deixa eu explicar umas coisas primeiro.

SUPERIOR

O anúncio da fase “Superior Homem-Aranha” foi recebido com bastante negatividade. A ideia de Peter Parker trocar de mente com um de seus vilões, o doutor Octopus, não agradou o público, incluindo a pessoa escrevendo esta matéria. Troca de mentes era um recurso tão batido e sem criatividade quanto… sei lá, quanto uma guerra de clones.

Fiquei um bom tempo evitando chegar perto desta HQ, mas um dia tomei coragem e começo a ler (não posso realmente criticar algo sem ao menos conhecer o assunto. Infelizmente algumas pessoas ainda não aprenderam isso). E para minha surpresa, Dan Slott, o roteirista da fase, fez um ótimo trabalho.

A ideia de que Octopus não planeja estragar a vida do Aranha, mas transformar ele em mais do que um simples herói, realmente me fez continuar lendo. O conceito de “superior” fez sentido e o vilão, agora no corpo de Peter Parker, consegue cuidar de departamentos da vida do jovem que ele não conseguia tocar para frente nem se fizesse um pacto com Mefisto (tá, eu sei, muito cedo).

Mesmo que tenha sido mais violento em sua abordagem durante o combate ao crime, Otto fez mais pela vida pessoal de Parker do que o próprio. Voltar para a faculdade, receber seu doutorado e criar sua própria empresa foram alguns dos “favores” que o “ex-vilão” (?) fez para seu maior inimigo. Tanto que, assim que Parker volta para seu corpo (“Because Comics” ¯\_(ツ)_/¯), nem sabe direito o que fazer quando é confrontado com uma vida completamente diferente, onde conseguiu tudo o que sempre quis.

Mas por que ele não fez isso antes? O que impediu Peter Parker de ser superior por conta própria?

A responsabilidade.

Não é apenas uma questão moral que faz de Peter Parker um herói — é sua culpa. Ele se vê forçado a estar constantemente alerta e coloca o salvamento de vidas acima de tudo; Outro problema é que esta culpa se intensifica cada vez que o herói perde alguém que ama, como aconteceu com Gwen Stacy, sua primeira namorada.

No começo de sua carreira, ao deixar aquele ladrão fugir (você conhece bem a história) quando poderia facilmente ter evitado, Peter está constantemente pensando em como colaborou para a morte de seu tio Ben pelas mãos do mesmo ladrão. É esta carga emocional, este sentimento de culpa, que faz do Homem-Aranha um herói que não apenas aceita as responsabilidades que o poder traz, mas que com grandes poderes, carrega TODAS as responsabilidades. Ou existe outra razão para comprometer tanto sua vida pessoal a ponto de um vilão ter que consertar para você?

Mas voltamos para Miles Morales.

Nos últimos tempos, tenho visto muita gente reclamar que queria Peter Parker de volta (sim, ele voltou, obviamente, mas Miles se tornou tecnicamente o Aranha oficial da All New All Different Marvel depois dos eventos da nova Guerra Secreta, tendo sua revista intitulada apenas como Spider Man e desenvolvida pelo mesmo Brian Michael Bendis, já o Aranha de Peter Parker está na revista The Amazing Spiderman, do mesmo Dan Slott); Não vou levantar aqui nenhuma questão racial (com certeza, alguns casos envolvem isso), mas sim falar da preferência por Parker e porque isso é um pouco exagerado e pode ser apenas a nostalgia falando.

Das duas grandes editoras, o meu herói favorito é o Homem-Aranha. Sigo desde a Abril e sofri com cada arco ruim, mas comemorei cada um que compensava os decepcionantes. Mas uma coisa tem me incomodado bastante desde a Guerra Civil (aquela de 2006 mesmo) sobre o amigão da vizinhança. O núcleo “Peter Parker”.

Dan Slott e Brian Michael Bendis

Faz um tempo que tentaram evoluir o personagem, fazer ele ser professor, como na fase de J Michael Straczynski, que foi uma porcaria (desculpe, mas foi), mas tentou desenvolver Peter Parker além do rapaz que sofre tirando fotos do Aranha e não consegue controlar sua vida pessoal. Até mesmo na Saga dos Clones tentaram fazer o personagem seguir com a vida, deixando Ben Reilly, seu clone, no lugar do Aranha, tratando do combate ao crime. A saga foi outra porcaria, mas rendeu um Aranha Escarlate e até hoje considero ele um dos derivados mais legais do herói. É claro que outros roteiristas já passaram pelo Aranha e pareciam estar mais drogados que Harry Osborn, mas acho que nenhum deles captou tão bem a essência do herói como era feito há muito tempo, como Dan Slott e Brian Michael Bendis.

Tem quem não goste do roteiro mais debochado e consciente de Slott, mas eu considero a escolha perfeita para o herói atualmente (e lembra que eu reclamei quando ele começou a saga Superior? Parece que o jogo virou não é mesmo?). Ele tirou Parker daquele eterno loop de sofrência e estagnação, seja na carreira, vida pessoal, social, etc… e FINALMENTE fez com que ele funcionasse como um adulto que agora tem que lidar com novas responsabilidades, onde não deixa TODA sua vida pessoal de lado para salvar vidas, pode usar sua mente — afinal ele era um gênio da classe — para ser realmente útil em outras áreas.

Mas é claro que ele não deixaria de servir como um mentor para Miles Morales, que agora assume o uniforme do escalador de paredes. E eu tenho que dizer, ele está fazendo um ótimo trabalho. Miles sabe a importância de seu poder e se vê em questionamentos ainda maiores. Não basta sofrer com tudo que Parker sofria, ainda tem o preconceito e os problemas familiares que são ainda maiores e falam muito mais com os nossos tempos, assim como Peter falava conosco há um tempo atrás.

Bendis é conhecido pelos ótimos diálogos, e ninguém melhor para ficar a cargo de um dos heróis mais engraçados e ao mesmo tempo dramáticos do universo Marvel. A relação de Miles com Kate Bishop, suas conversas com Mary Jane, os encontros com Peter Parker, todos estes momentos servem de lembrança para o impacto que o Aranha original causou em todos. Por isso, ao vestir o uniforme, Miles sabe que deve respeitar todo um legado e construir o seu próprio, o que ele está fazendo melhor que qualquer outra pessoa que tenha assumido esta tarefa antes.

Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades. Você já sabe.