Os Incríveis 2 e o lugar das mulheres na Pixar

Lory Côrtes
Rima Narrativa
Published in
5 min readJul 6, 2018

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Apesar do destaque para a Mulher Elástica, Os Incríveis 2 ainda é um filme sobre o Sr. Incrível.

Se você já assistiu ao filme (recomendo que veja antes de ler esse texto, pois podemos ter alguns spoilers), já sabe que é a Helena quem vai combater o mal nesse longa e não o Roberto como no primeiro. É ela quem vamos ver no uniforme, correndo por aí com sua moto e salvando vidas. Porém, apesar da Mulher Elástica ter sido escolhida para estrear uma iniciativa privada de retorno dos super-heróis por seus dons e inteligência (no lugar da força bruta do marido) e estar sendo ovacionada pela população e por uma nova gama de heróis, Os Incríveis 2 mantém o foco no Sr. Incrível.

No primeiro filme vemos que Roberto Pêra nunca aceitou bem o fato de os super-heróis terem se tornado ilegais. Ele nunca concordou e seu maior sonho era reviver os dias de glória. O que acaba conseguindo por causa do inimigo que ele mesmo criou, o Síndrome. Os Incríveis 2 começa exatamente onde o primeiro acabou, com o ataque do Escavador e a família se preparando para detê-lo. Eles acham que tudo bem intervir, já que eles acabaram de salvar a cidade de um robô gigante, no entanto as coisas não saem como planejado: alguns prédios são demolidos, um banco é roubado e o vilão escapa. E em quem cai a culpa? Nos nossos heróis preferidos.

Sem casa, desmoralizados e sem o apoio do programa do governo, que foi descontinuado, a única saída é que o pai da família arrume um novo emprego. Porém, é aí que entra o empresário Winston Deavor, dono de uma empresa de comunicações e entusiasta de heróis. Junto com sua irmã, Evelyn, eles tem um plano para restaurar a glória dos superpoderosos. Winston escolhe a Mulher Elástica para estrear o programa e mostrar para o mundo o lado bom de seu trabalho.

Nas próximas cenas vemos Helena sendo muito mais ativa e mostrando as possibilidades dos seus poderes e da sua inteligência, e especialmente seu lado investigador. É muito mais do que vimos no primeiro filme: a ação está maior, o drama continua muito bem construído e temos um espaço merecido para a mãe da família Pêra. Apesar disso, o foco, o que faz a história andar e nos traz os momentos mais engraçados, é a reação do Sr. Incrível a tudo isso.

O pai não acredita quando escolhem a esposa no seu lugar, seu ego é ferido e é a partir desse momento que o vemos lutando contra a noção de que é o homem da casa e deveria estar lá fora lutando por sua família, mas faz o possível para cuidar bem dos filhos, pois sua esposa precisa desse apoio e ele a ama acima de tudo. Nesse momento o Roberto Pêra Pai entra em ação e imagina que terá um trabalho fácil, mas rapidamente se vê perdido no turbilhão familiar. Flecha precisa de ajuda no dever de casa, Violeta está sofrendo uma desilusão amorosa e Zezé decidiu mostrar seus inúmeros poderes potencialmente perigosos. Não é tarefa fácil nem para um super herói.

Já que o roteiro quis contar a história pela perspectiva do Sr. Incrível fico imaginando como seria se eles tivessem falado de masculinidade usando o maior exemplo de “homem perfeito”. Sim, o personagem fica irritado de início e com ciúmes do sucesso da esposa, mas ele escolhe colocar o amor e a família por cima disso, o que é admirável. Mas já pensou se tivéssemos uma conversa mais profunda sobre masculinidade tóxica e o papel do homem na sociedade?

Poderia ser um pouco mais de algumas cenas que já estão no filme, como quando o Sr. Incrível desliga a tv por não aguentar ver todos os programas falando de sua esposa, ou no começo quando durante uma conversa ele diz que deveria ter sido o escolhido pois é melhor que ela. Esses pequenos conflitos internos são rapidamente resolvidos, mas seriam ótimas oportunidades de mostrar algo aos moldes do Soluçode “Como Treinar Seu Dragão” e Steven de “Steven Universo”, personagens que quebram inteiramente os estereótipos de homem forte, homem que não chora, força bruta e etc (indico esses vídeos que falam um pouco sobre o Soluço e o Steven).

No final Os Incríveis 2 ainda é um filme sobre família, que tenta reverter os estereótipos de gênero (parabéns pela tentativa, foi um ótimo começo) dando mais destaque para a Mulher Elástica e nos mostra o poder da união. Uma das poucas boas sequências da Pixar ( Carros?), mas que ainda tem seus problemas, principalmente com o vilão que podia ter sido muito bom, mas foi desperdiçado com um plot twist desnecessário. Ainda assim vale assistir pelas cenas de ação e por essa família fofa que a gente ama e demorou tanto para voltar.

E “o lugar das mulheres na Pixar”, onde entra essa parte no texto? Bem, na verdade vamos falar um pouquinho sobre a falta de lugar para mulheres na Pixar.

Você sabia que em todos os anos de atuação, só temos um filme da companhia que credita uma mulher como diretora? Brenda Chapman, em Valente. Mas nos créditos temos o nome de Brenda ao lado do de Mark Andrews, pois a diretora foi tirada da história que ela criou, em cima de sua experiência própria, por “diferenças criativas”e seu filme foi dado nas mãos de um homem.

O filme não foi pioneiro só na equipe criativa, mas também tendo Merida como a primeira protagonista feminina em 25 ANOS! Podemos ver que a Pixar tem um problema de falta de diversidade e representativa, que parece que eles estão tentando mudar. Depois de “Valente”, tivemos “Divertidamente” e “Procurando Dory”com protagonistas femininas e agora “Os Incríveis 2” com destaque maior no filme e nas ações de marketing para a Helena.

Porém as coisas ainda estão bem longe de serem aceitáveis. Pouco depois de contratarem Rashida Jones (Parks and Recreation) como roteirista para “Toy Story 4”, ela decidiu sair porque a Pixar tem “uma cultura na qual mulheres e pessoas não-brancas não têm a mesma relevância criativa” e isso não pode mais ser tolerado em pleno 2018.

Como uma das maiores empresas de animação do mundo não consegue (ou melhor, não tenta) dar espaço para mulheres e outras minorias? Tudo o que pedimos é igualdade, ter o direito e a oportunidade de ocupar os mesmos cargos e espaços que os homens brancos. Precisamos cada vez mais da perspectiva de uma mulher, um negro, uma trans, um gay, uma latina, um árabe, precisamos que essas vozes sejam ouvidas, não dá para nos limitarmos apenas ao ponto de vista de um mesmo grupo, as histórias mudam e o público também.

Já passou da hora de mudar, Pixar.

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