Daniel Day-Lewis e Vicky krieps

Vamos bater aquele papo sobre a “Trama Fantasma” de Paul Thomas Anderson

Roberto Honorato
Rima Narrativa
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7 min readMar 4, 2018

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Não tenho com quem conversar sobre este filme, então sobrou pra vocês.

Paul Thomas Anderson (PTA para os íntimos) é hoje aclamado pela crítica e, por mais que não seja tão famoso quanto um Wes Anderson ou Christopher Nolan, também é querido pelo público. Logo no começo da carreira chamou bastante atenção com um de seus primeiros filmes (para ser preciso, seu segundo longa), Boogie Nights: Prazer sem Limites (1997), um estudo satírico mas realista da indústria pornográfica dos Estados Unidos no fim da década de 1970. Foi aí que Anderson já mostrou algumas das características que fariam sua filmografia uma das mais consistentes que já vi. Além do enredo provocante e um elenco acertadíssimo, sua direção é facilmente uma das melhores da última década e ele continuou fazendo trabalhos aclamados pela crítica, se tornando um daqueles nomes que você menciona e a resposta é sempre a mesma: “Esse aí não erra”.

Na sequencia, trabalhos como Magnólia (1999) e Embriagado de Amor (Punch- Drunk Love, 2002) mostram o amadurecimento do diretor, que ficou cada vez mais ambicioso, se arriscando com tomadas mais difíceis e até chamando atores para projetos completamente diferentes da sua zona de conforto, como Adam Sandler, que estrelou Embriagado de Amor, rendendo uma das melhores, talvez a melhor, atuação da sua carreira, com um papel que conseguia balancear o comportamento “extravagante” de seus personagens anteriores com uma carga dramática mais contida, que dá ao filme um tom maior de impaciência. Ou seja, se você já imaginou alguma vez como seria ver o Sandler em papéis mais sérios, comece por este filme. Mas vamos voltar pro PTA.

Foi em 2007 que ele lançou aquela que é considerada sua obra máxima, Sangue Negro (The Will be Blood), onde fez sua primeira colaboração com o aclamado ator Daniel Day-Lewis. Mas o diretor continuou produzindo outros filmes incríveis, como O Mestre (The Master, 2012) e Vício Inerente (Inherent Vice, 2014), e mesmo que este último tenha recebido críticas mistas, defendo que a experiência fica melhor se você aceita premissas e personagens absurdos, sem contar que a atuação de Joaquin Phoenix ajuda bastante.

Cena de “Sangue Negro”

Mas chegamos em 2017 e faz três anos que o diretor não lança um longa (esteve ocupado dirigindo vídeos das bandas Radiohead e HAIM, e indico as duas para quem não conhece). Mesmo assim, a expectativa estava lá no alto com as informações divulgadas durante a produção de seu novo filme, que seria chamado de Trama Fantasma (Phantom Thread). Além de ser um novo filme do PTA, o que já deixa muitos ansiosos, este seria o retorno da colaboração dele com Daniel Day-Lewis, agora com uma surpresa: este é (e até o momento ele não mudou de ideia) o último filme da carreira de Lewis antes da aposentadoria.

Trama Fantasma se passa em uma Londres pós guerra, década de 1950, época em que a tendência da moda é o estilo britânico de vestidos desenhados para socialites, celebridades e realeza. Neste meio focamos a atenção no cotidiano da vida de Reynolds Woodcock (sim, o nome é intencionalmente engraçado), interpretado por Lewis, um renomado costureiro com um comportamento peculiar e uma paixão por sua arte que poucos compreenderiam. Seu café da manhã deve acontecer da mesma forma, todos os dias, sem distrações ou infortúnios, e esta é só uma parte da rua rotina angustiante. Não é necessário expressar aqui a excentricidade do personagem, já que é apenas uma pequena parte de quem é Woodcock, mas sim analisar e exaltar a forma como PTA usa isto apenas como uma das incontáveis camadas de um personagem que ganha enorme riqueza no talento inquestionável de alguém como Daniel Day-Lewis.

A rotina de Woodcock também envolve visitar um estabelecimento onde pode aproveitar a sua comida favorita e estudar as pessoas, até um dia se deparar com Alma (Vicky Krieps), uma garçonete aparentemente desastrada e tímida no trabalho, mas uma jovem graciosa e inteligente que conquista sua atenção. Não demora para que Reynolds a peça em casamento e comecem a viver juntos, ela se transforma em sua companheira e musa. É uma relação que acaba abalando o equilíbrio que o protagonista construiu com tanta calma para sua vida, o que rende animosidade constante em discussões afiadas e ácidas à mesa, uma delas tão bem executada que fica difícil saber se os atores ainda estão no papel ou o debate começou a se misturar com a realidade, mesmo uma que não conhecemos.

“Se vai começar um desafio de olhares contra mim, vai perder”

Neste território perigoso cheio de intrigas e impasses que se tornou a casa de Woodcock, também temos a presença de sua irmã, Cyril (Lesley Manville), que toma conta de tudo que for necessário para manter o irmão feliz, mas também é a única capaz de intimidar e colocar o estilista no seu lugar. Bem, isso até a chegada de Alma, mas falarei disso mais pra frente.

Trama Fantasma também marca o retorno de Jonny Greenwood na trilha sonora, com quem PTA trabalha desde Sangue Negro. Jonny é mais conhecido por ser o guitarrista da banda Radiohead (está explicada a conexão entre o diretor e a banda), mas aqui ele abandona a distorção e os amplificadores para focar na música clássica, com um piano assustador que parece estar vindo da cabeça de Reynolds: uma nota sendo tocada cada vez mais devagar, a sensação de um mundo se dissolvendo aos poucos.

Por conta do tema e da época, é evidente que o departamento de arte acaba recebendo elogios pelo seu trabalho. Mark Bridges, responsável pelo figurino, contribuiu para a vestimenta detalhada que acrescenta no cenário e se aproveita disso para construir uma fotografia impecável. E aí entra mais uma vez Paul Thomas Anderson, que decidiu ser o próprio diretor de fotografia do filme e capturar tudo da forma mais bela possível. Trama Fantasma tem uma câmera contida, sem planos mirabolantes e desnecessários, aqui ele elabora tudo através de uma composição imaculada e sem muitos elementos, como a belíssima cena dos balões que acabei usando de imagem para destacar essa matéria, mas ela não esconde o mundo descarrilhado e caótico que o protagonista tem em mente, principalmente em sequencias de embate acalorado. A casa de Reynolds tem uma atmosfera melancólica e a claustrofobia é sentida por todos. “A chegada dela criou uma enorme sombra”, assim ele tenta justificar a presença de Alma, com uma perspectiva fúnebre, mas imatura e mal justificada. Ele é basicamente uma grande criança mimada que precisa de atenção, mas não vai conseguir isso de sua esposa, ou pelo menos não do jeito que esperava.

“Para evitar que meu coração se engasgue. Para quebrar a maldição. Uma casa que não se transforma é uma casa morta.”

E é agora que preciso alertar sobre SPOILERS, então se quiser, é só pular para depois do texto marcado em itálico. Vamos lá.

Não só de drama e seriedade vive este filme. Ele traz um humor sarcástico em seus diálogos, mesmo que não seja do tipo que enche uma sala de risadas, é tudo muito mais crítico e cínico, como uma piscadela para quem está prestando atenção. Já dá pra ver indícios disso logo no início com o nome do protagonista (Woodcock pode ser traduzido para “pênis de madeira”). Esta liberdade para brincar com a própria trama é a chave para entender melhor o filme, assim como as motivações de Alma.

Não se deixe enganar, é Alma quem está com o poder o tempo inteiro. Vicky Krieps está mais amedrontadora do que você imagina. Reynolds, como disse antes, é a criança que precisa de atenção, então Alma decide mostrar para ele quem manda e se ele quiser continuar com seu comportamento, deve se submeter completamente ao método igualmente curioso que sua esposa usa para demonstrar sua paixão. É uma forma superficial de falar do assunto, mas eu não quero entregar mais ainda o coração do filme.

Uma coisa que tem surgido bastante em algumas conversas sobre o filme é como ele “não evolui”. E eu devo discordar completamente. Além de tudo que já disse neste texto, uma coisa que eu adoro em um filme é a sutileza. Em Trama Fantasma a mudança é drástica, mas não precisa de um alarde desnecessário ou atuação exagerada, aqui tudo é entregue em um sorriso tímido e um olhar ansioso. PTA é mestre em dirigir atores e utiliza-los para avançar a narrativa naturalmente. É só prestar atenção na cena final e em como a dinâmica entre o casal muda completamente, é em um olhar ameaçador de Alma que Woodcock deve decidir se aceita um contrato silencioso e íntimo que ele pode negar o quanto quiser, mas continuará aceitando.

São experiências como estas que ainda me deixam animado com a sétima arte. Paul Thomas Anderson já se tornou um mestre em construir enredos e personagens maravilhosos que ficam cada vez melhores quando você revisita seus filmes, e é isso que pretendo fazer com este também. Não interessa se é lento ou não tenta explicar todas as suas ações, Trama Fantasma é uma obra única e uma das melhores do diretor.

Continue o bom trabalho, PTA.

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Roberto Honorato
Rima Narrativa

"Mad Mastermind". Eu gosto de misturar palavras e ver no que dá. Escrevo sobre ficção científica para o Primeiro Contato e cinema para o Rima Narrativa 📼