Diego Francisco Oliveira
Escritorazes
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4 min readDec 21, 2016

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Paris é uma festa

Depois que li Adeus às Armas, pensei que deveria ler mais Hemingway, conhecer o seu trabalho, explorar a sua obra. De cara, me bati numa livraria com Paris é uma Festa e sentei para ler um trecho. Foi paixão à primeira vista, ou melhor, à primeira leitura.

Paris é uma Festa narra o período de Hemingway na Paris dos anos 1920, quando um grupo de artistas vivia na cidade buscando o seu lugar ao sol. Nessa época, temos um Hemingway começando a carreira, enfrentando os percalços que a vida como escritor lhe apresentava.

A narrativa é feita em primeira pessoa pelo próprio Hemingway, que conta suas experiências na cidade. Como foi escrito perto de sua morte e publicado postumamente, as reflexões no livro são mais profundas e mostram um Hemingway olhando para o passado com saudade e com a maturidade que só o tempo é capaz de nos dar. Os relatos do livro contam desde a sua rotina como escritor, parando nos bistrôs para escrever seus contos, até experiências divertidas com Gertrude Stein, Ford Madox Ford e Scott Fitzgerald.

James Joyce, Ezra Pound, Ford Madox Ford, and John Quinn

Ao ler Paris é uma Festa me identifiquei com algumas coisas do autor que acredito serem comuns a todos os que se dedicam a escrever e quero neste post falar sobre esse aspecto. Uma das primeiras coisas é a forma de produzir. Muitas vezes Hemingway escrevia e parava num determinado ponto. Daí, ele não conseguia avançar naquele momento. Por mais que forçasse, não saía nada. Ele então calmamente parava e entendia que era “o momento” e logo ele voltaria a escrever novamente. Também passo por isso e achei divertida essa identificação. Muitas vezes a história não sai, “empaca” e a gente fica emburrado, ansioso, mas não adianta forçar… É inútil. Outro ponto semelhante é que muitas vezes escrevo, escrevo, escrevo e não consigo parar até chegar ao fim da ideia, seja para um conto, um capítulo de um livro, uma resenha. E depois me vem aquela sensação de paz… Nunca conversei com outros escritores sobre isso, mas acho que todo mundo que escreve passa por situações assim. Foi interessante ver um autor tão premiado e centenário passando por situações no seu trabalho que eu passo também, criando assim uma empatia natural com todos que escrevem.

Outro aspecto que me chamou a atenção é a dificuldade do trabalho como escritor. Escrever não é fácil. Não no sentido de que seja uma tarefa difícil, mas se dedicar a escrever num mundo em que nós precisamos trabalhar, trabalhar e trabalhar com alguma coisa que nos dê sobrevivência, não é fácil. E todo iniciante vive um dilema: Eu vou seguir isso, me dedicar a este trabalho, abrir mão da faculdade, da possibilidade de um emprego estável e viver essa carreira? Ou isso é simplesmente um sonho inalcançável que depende muito mais da sorte do que do meu próprio esforço e eu vou acordar e seguir em frente porque as contas são bem reais?

Ernest Hemingway and Elizabeth Hadley Richardson em um Cafe com a turma

É difícil… Em Paris é uma Festa, Hemingway aposta no seu trabalho como escritor, afinal, era a única coisa que ele sabia fazer de verdade. Paga o preço da pobreza por isso. Vivia num apartamento pobre, muitas vezes deixava de almoçar para poder economizar e vivia uma verdadeira montanha russa econômica. Havia dias que o dinheiro existia, ele saía com a esposa, apostava nos cavalos, ganhava algum dinheiro com as apostas… Mas havia outros de penúria em que, como ele mesmo define, a fome se tornava uma boa disciplina. Mas ele sempre acreditava no seu trabalho.

E então: Fazer o que gosta ou fazer o que não se gosta tanto assim (rsrs) e ter uma vida estável? Pra mim não existe uma resposta certa. Ou ambas estão corretas. Eu vivo o meio termo. Às vezes, um não me dá a satisfação pessoal que o outro me proporciona mas, por outro lado, me dá condições de viver outras experiências, de pagar as tais contas que tiram tanto o nosso sossego, e até mesmo me ajuda a “financiar” essa coisa que é escrever.

Por fim, Paris é uma Festa é um livro saboroso de ler, fácil de digerir e otimista. Para alguns, foi a despedida de Hemingway, antes de cometer suicídio. E realmente temos essa sensação, porque ele poderia ter falado de diversos momentos da sua vida, mas escolheu justamente aquele onde, em suas palavras, ele e a família foram muito pobres, mas muito felizes. Hemingway compartilha muito conosco e nos faz rir, refletir, se emocionar e ver que, apesar de todas as adversidades que a vida possa nos proporcionar, esteja você em Paris ou em Salvador, a vida sempre pode ser uma festa.

Publicado originalmente em 5 de novembro de 2015, numa outra Paris

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Diego Francisco Oliveira
Escritorazes

Autor de romances policiais e outras histórias, apaixonado pela banda Beirut e por literatura de todo o gênero.