Quando o Carnaval passar
‘Quando o carnaval passar
quando esse escarcéu passar…’
Cícero faria um recital. Mas eu não sei o que fazer.
Discutivelmente a melhor época do ano. Talvez não pelos beijos livres, nem pela mágicas marchinhas, muito menos pelas drogas e só uma possibilidade de ser pelos amigos. Eu acho que a força do Carnaval estava em você, só esse ano. Os outros eu já nem lembro mais.
Descendo as antigas ruas de pedra com o pé em movimento de sintonia ao ar de festa, você passou como se fosse um Bloco. Tinha uma música só sua, uma rima que sairia de ti, tinha desenho próprio, tinha uma multidão que te seguia.
Os olhos de todos viravam reféns por uns instante e só quem sabia viver fitava-os até o último segundo possível.
O tempo estava ameno, do jeito que você deve gostar, pois andava leve com os cabelos voando fácil, e um sorriso simples. Enigmática como se vestisse uma fantasia que lhe cobrisse o corpo todo, mas também muito esclarecedora, provocava sentimentos há muito escondidos, e um calor que só eu sentia.
Tirou a chita do armário para lhe caber nas coxas, dia sabia usar no cabelo, no outro lhe corria os seios. Surpreendentemente mais cheia de cor do que as flores da roupa. Só você já traria som ao meu Carnaval.
E se eu e você beijamos outras bocas, nada disso importava. O gostoso mesmo foi a troca de olhares.
Confesso que troca mesmo houve pouca, você era muito mais contemplativa à festa e às musicas, e eu também, menos no momento que você passava. Nessa hora não existia Carnaval, nessa hora parecia Natal, e presenteava-me com tua graça.
Quando o Carnaval passar, eu vou tentar te procurar, vou tentar te achar em ruas asfaltadas e no meio dos prédios. Vou ver se te encontro com roupas mais cinzas, mas duvido que você seja cinza algum dia. Vai que eu te veja dentro de um carro no calor do trânsito. Ou que eu te trombe saindo de um restaurante qualquer. Talvez na saída da faculdade ou do seu trabalho. Num bar com as amigas, ou num show dançando lindamente. Tem até a possibilidade de te ver na pracinha beijando outro cara, depois de deitar no ombro dele você até pense em mim, ou não, ou pense nele mesmo, ou não pense em nada.
Por ventura eu nem te encontre, você pode morar há quilômetros de mim e ter até um sotaque diferente do meu.
E se eu te ver, ainda nem decidi o que faço. Se pergunto seu nome, se sorrio esperando que você ria de volta, ou se pergunto ‘lembra de mim?’, se passo e aceno como quem não quer nada, se apresso o passo como quem não te conhece, ou se finjo que nem me recordava de você.
Porém é impossível, bem que tu sabe. Sua imagem não sai da cabeça. Capaz que exista dezenas de outros caras pensando em você agora, loucos para te encontrar e perguntar como está. E você pode estar pensando neles, não em mim, pode ter uns cinco na sua cabeça, e nenhum deles sou eu. Na melhor das hipóteses sem que eu te habite, você não pensa em ninguém, ah, o Carnaval passou, por que há de pensar em efemeridades?
Quando o Carnaval passar, e já passou, eu vou me lembrar de você. E quiçá te escrevo algo.
Se um dia você ler esse texto, saiba que ele é teu. Leia como uma carta, um recado, como se tivesse sido posto em cima do seu travesseiro pela manhã. Feche os olhos um instante e imagine meu perfume, aquele que tu elogiou com cheiro de amaciante, segundos antes de se despedir sem ao menos me dar um oi.
Nem preciso te dizer quem sou, ou dizer quem é, se você ler, saberá que é teu. Saberá que é você aqui dando vida a essas linhas. E que bom. Nós sabemos.
Quando o Carnaval passar eu vou te amar como um amor que mal existiu, que mal ficou, e já me deu adeus. Um amor que nem foi amor. Um amor que passou, o escarcéu acabou, e você também.
Quando o Carnaval passar, meu amor, passa também.
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