Mulheres abortam.

Carolina Zahluth
Escritos feministas
3 min readSep 28, 2017

Dia 28/09, dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização do Aborto.

Provavelmente você deve se perguntar: “Por que fazer um dia para isso?” E eu te respondo: porque mulheres abortam. Mulheres engravidam — porque são estupradas, porque os métodos contraceptivos falham, porque cometem deslizes. E morrem abortando.

E não confunda “mulheres abortam” com “mulheres, abortem”. Não queremos incentivar o aborto. Queremos melhores condições e direitos de escolha para as mulheres. Queremos que mulheres parem de ser mutiladas, mortas por conta de suas escolhas.

Em países latino-americanos e caribenhos como Cuba, Uruguai e também a Cidade do México que legalizaram o aborto, o número de mulheres mortas pelos procedimentos, assim como o número de abortos caiu drasticamente. Isso porque junto com a descriminalização, é possível criar políticas públicas e educacionais sobre o assunto, é possível superar o tabu do tema, se despir de moralismos e religiões e trata-lo como um direito reprodutivo e sexual; como uma opção saudável — física e psicologicamente falando — para essas mulheres. Só encarando a situação da maneira como ela se dá na sociedade, é possível enfrenta-la, trabalha-la; e a partir disso promover educação sexual e planejamento reprodutivo de mulheres, e também de homens (afinal, mulheres não engravidam sozinhas).

Independente das opiniões conservadoras e das legislações, MULHERES ABORTAM. As brancas de classe média pagam caro, mas abortam. As negras de classe mais baixa se veem compelidas a buscar métodos mais baratos, mais rudimentares, mais sangrentos. E morrem. Ou saem extremamente machucadas. Ou inférteis. Mas, abortam. O aborto clandestino é uma realidade, e mais do que isso é uma questão jurídica e de saúde pública, principalmente para essas mulheres periféricas que recorrem a métodos abortivos violentos — como casas de aborteiras que tiram o feto com foices e materiais próprios, sujeitando essas mulheres aos piores efeitos colaterais.

Dia 04/10, dia de votação da Proposta de Emenda à Constituição 181, a PEC do Cavalo de Tróia. Cavalo de Tróia porque superficialmente ela parece um presente: ampliar a licença-maternidade de mães com bebês prematuros. Mas, ao lermos o texto da PEC, vemos que ela também pretende tornar a vida embrionária inviolável. O que isso significa? Aborto ilegal, criminalizado e clandestino mesmo em casos em que é legalizado: estupro, anencefalia e gravidez com risco de vida à mulher. Esse é o cavalo de Tróia: a vida do embrião vem antes da vida da mulher. Nossos direitos, nossas liberdades, ainda que pequenos, eram nossos, eram nossas conquistas. E agora elas estão sendo sufocadas e, honestamente, esse é só começo. Com a bancada religiosa, com o (des)governo conservador e tradicionalista, não vejo estar muito longe a proibição de métodos contraceptivos (vide as discussões sobre a pílula do dia seguinte).

Talvez o que seja criminalizado é ser mulher. É ter útero e vagina. Afinal, somos comparadas, reguladas, medicalizadas, patologizadas e judicializadas desde que nos entendemos por gente. Nossos corpos são estudados, regulamentados, higienizados, nos enfiam muitas terapias e remédios goela abaixo, como se fossem corpos errados, sujos, impuros e amaldiçoados.

Talvez seja isso o que eles querem. Que nos tornemos mães a qualquer custo. Que voltemos àquela época em que nosso papel era ficar dentro de casa, cuidando de filhos, marido, lar. Que estejamos presas à maternidade, maternidade essa que pode ser cruel (assunto tão amplo que poderia ser discutido em outro texto). Que nosso destino seja parir, dar filhos, cumprir uma função biológica.

Ou talvez eles só não se importem com as 200 mil mulheres negras e pobres que morrem todo ano em consequência de abortos que não deram certo, não se importem com seus corpos abertos, sangrando, em casas sujas. São a favor da vida, afinal. Só que não a vida da mulher — e sabemos que tipo de mulher é essa — mas a favor da vida de uma criança que na verdade, eles não conhecem e não querem conhecer.

O crime é ser mulher. O pior crime é ser mulher, negra, periférica.

Parece que esse ciclo de opressão — conquistas — mais opressão é uma roda, roda essa que não para de girar. Mulheres, parem a roda. Lutem. Quebrem o ciclo.

Arte de Jéssica Modinne, da página Babi&Liv.

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