Sobre Johnny Depp e porque você não entende o problema.

Carolina Zahluth
Escritos feministas
4 min readDec 8, 2017

Desde que as notícias de que Johnny Depp teria agredido sua esposa Amber Heard em 2016, muitos fãs do universo de Harry Potter esperavam que ele não fosse continuar na saga “Animais fantásticos e onde habitam” em um dos papéis mais importantes na história: Grindelwald.

Depp banhado na água oxigenada pra viver o vilão.

Mas as fotos do elenco e das gravações saíram e lá estava ele: Johnny Depp, no papel que lhe foi dado e segurando a Varinha das Varinhas. Choveram fãs reclamando e choveram fãs adorando, com o argumento de que ele é bom ator e sua vida pessoal não deveria intervir na sua carreira.

Hoje, Joanne Kathleen Rowling, a autora do universo de HP lançou em seu site um texto falando sobre isso. Confira aqui.

O texto consiste em: “entendo o incômodo de vocês, mas se o Johnny e a Amber já se resolveram então segue o baile”.

Fiquei profundamente triste com o depoimento de JK, não só por ser uma mulher defendendo um agressor, mas porque minha infância e adolescência (tá, minha adultice também) foi e é extremamente marcada pela saga; e porque nela eu acredito ter aprendido grandes lições sobre tolerância, respeito e amor, virtudes que passam longe das ações de Depp contra as mulheres (lembrando que há evidencias e vídeos não só de sua agressão à Amber, mas à Winona Ryder também).

Mas o que mais me incomodou foram os discursos de alguns fãs:

“Ah, ele é um ótimo ator!”. Se você acha isso eu respeito, mas lamento, porque sinceramente o cara ficou preso no Jack Sparrow, empacou lá e não mudou mais a atuação.

“Ah, mas vocês tem que aprender a separar a carreira da vida pessoal!”. Aí que mora o problema. Sabe porque você pensa isso? Porque somos criados pensando que a vida pública e as questões sociais não tem nada a ver com a vida privada. Essa cultura do neoliberalismo nos faz acreditar que vivemos em bolhas individualistas, e nossas ações não tem responsabilidade ou relação com o resto do mundo, que a gente faz tudo o que quer e ninguém se afeta. Quantas vezes não ouvimos a frase “Em briga de marido e mulher, não se mete a colher”? acontece que a violência contra a mulher NÃO É UMA QUESTÃO DA VIDA PRIVADA. Ela é resultado de uma sociedade machista que ensina os homens que tem o poder de fazer o que querem com mulheres, e que se não os agradarmos, eles podem nos agredir. Violência contra a mulher não é um caso isolado, VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER É UMA QUESTÃO SOCIAL E DE SAÚDE COLETIVA. Se assim não o fosse, não teríamos necessidade de uma Lei Maria da Penha ou uma Lei do Feminicídio. Não vou nem entrar em números e dados, qualquer um pode jogar no Google e ficar horrorizado por si só.

“Pô mas o cara é legal, distribuiu aparelhos auditivos pra fila do SUS aqui no Brasil” (eu juro que eu li isso, SOCORRO!). Primeiro que falar isso é basicamente assumir: eu não ligo pra vida e pra saúde das mulheres. Gente, é aí que mora o machismo: o cara é legal para o resto do mundo, mas agride sua esposa porque acha que tem PODER sob ela, que é DONO dela. Não é sobre ser legal, é sobre ser homem dentro das relações de poder em um relacionamento.

“Boicotem o filme, é só não ir!”. Mas gente, como não ir? Harry Potter é uma franquia idolatrada por milhares de fãs que passaram uma vida obcecados por isso. A maioria de nós aprendeu a ler com Harry Potter. O erro não está na nossa ida, está em permitir que um agressor de mulheres tenha papel de destaque em um universo que deveria nos ensinar sobre respeito e igualdade.

Quando o Johnny Depp entrar naquela tela de cinema, o recado basicamente será: “Homens, se vocês agredirem suas esposas, nada vai acontecer com vocês. Se vocês baterem nas suas esposas, existem maneiras muito fáceis de contornar isso e manter suas carreiras e vidas intocáveis. Homens, mulheres e crianças, admirem e aplaudam mais um agressor”.

Ps: Eu, honestamente, não acho e nem quero crer que essa escolha e teimosia venha diretamente da JK Rowling. Afinal os direitos são da Warner, e a quebra de contrato custaria um bom dinheiro que não seria gasto nisso, já que o lucro importa mais que o bem estar das mulheres em uma sociedade guiada pela lógica do capital.

Aqui tem mais um texto interessantíssimo sobre o assunto.

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