Rasgar o Vento

Aline Brasil
ESDRÚXULA
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2 min readJun 13, 2020
Desenho: Cansaço — Aline Brasil

A sensação é de tontura, de um rodopiar sem pausas, de um andar trôpego por cima de um muro alto e estreito.

Eu tento tatear o mundo, mas ele habita meu corpo como fumaça e sempre esqueço do meu nome.

Por que estou aqui? Por que vim parar nessa bola redonda tão pequena chamada Terra? Na verdade eu não me importo com o porque, mas com o que posso fazer a partir do momento em que me enxergo pisando esse chão.

Do que é feito esse chão que piso?

Às vezes sou levada para lugares que desconheço ou para lugares que conheço muito bem e dos quais não consigo sair sem que eu risque algo no papel. Hoje risco o meu próprio risco e assimilo o meu próprio fracasso. Desta vez com olhos abertos, atentos a qualquer dedo apontado pra mim.

Sei lá… A gente desconhece tudo e fingimos conhecer até o inatingível. Criamos Deus, inventamos signos, tudo para nos enganarmos de nós mesmos.

Cansada deste teatro todo, destas invenções malucas das quais parecemos definir toda a nossa existência, das quais sentimos que não podemos viver sem. Eu odeio! Eu odeio! E odiando tento furar o espaço repleto de preenchimentos vazios.

Chega de falar! Cala a boca! Escute!

Escute!

A gente não escuta nem o nosso próprio grito apontando o exato caminho da nossa liberdade. Ao contrário inventamos a liberdade e falhamos.

Quero dizer tanta coisa, porque sinto tanto, porque só sinto e sentindo minhas palavras ficam enjauladas na garganta. Quero dizer tanta coisa que… Eu grito.

O grito rasga e o espaço transforma.

Essa mudança é o que me interessa. Eu só quero rasgar o vento.

A gente sabe o que o silêncio causa: ele mata. A gente sabe que o neutro afogou a tudo o que é vida.

Eu odeio as normas.

Eu odeio ser alguma norma sobre algo.

Eu acho isso criminoso!

Eu acho isso criminoso!

Não dá pra sorrir hoje, nem amanhã, nem depois. O que dá pra fazer é cantar. Cantar sobre os espaços mais imperceptíveis de nossas ilusões idolatradas. Cantar pra destruir. Um canto que quebra. Um canto que não é o da voz honesta, limpa, precisa, mas o do torto e esquisito.

Quem sabe um dia eu volte a dançar de novo, mas não quero. Eu perdi ou ganhei. Eu ganhei novas paisagens e perdi paixões antigas. Acho gostoso viajar e topar com quem é diferente de mim, saber onde errei, saber onde erro, saber onde posso melhorar.

Acho que a dor é necessária para a vida fluir. E tenho pavor da alegria fácil da humanidade. Completo pavor!

Somos fantasmas e recriamos máscaras a todo instante para nos enfeitar, e eu não tenho uma conversa consistente faz anos.

E pra onde vamos assim? Talvez pra o fundo do mar…

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Aline Brasil
ESDRÚXULA

Sou mulher e cresci aprendendo a falar pouco. Feminista e Anti-fascista. Não me encaixo em gêneros. Artista em crise e filósofa em formação.